Pensamentos num abrigo de bombas

14 out 2023, 16:51
Israel retalia ataques do Hamas (AP Photo)

Cláudia Amendoeira, 21 anos, estava em Telavive no dia do ataque do Hamas. A estudante portuguesa estava a viver naquela cidade, onde estava de Erasmus. Já regressou a Portugal. Agora, num depoimento à CNN Portugal, relata o que viveu e sentiu nos momentos em que passou num abrigo.

A primeira vez que soaram fiquei a dormir. Mas quem me pode culpar, eram só seis da manhã, e tinha-me deitado tarde. Também não fez mal—muito em breve ficámos íntimas. Aprendi a lidar com elas. Aprendi a obedecer-lhes. Elas soavam, eu saltava e mexia-me. Tinha um minuto e meio até as explosões começarem. 

Aprendi a correr rápido, sem medos, sem hesitações. Sem sapatos, até às vezes, quando me apanhavam muito de surpresa. Não sou judia, muito menos Israelita, mas nada disso interessa. Ao contrário de seres humanos, mísseis não sabem discriminar.

Pensava nisso quando me sentava no abrigo de bombas, ao pé de pessoas que não conhecia, mas que naquele momento pareciam família. Olhávamos uns para os outros, sem nada dizer, só com uma tristeza no olhar. Respiramos de alívio quando os foguetes explodiam como fogos de artifício—o som da Iron Dome a fazer o seu trabalho. E depois voltamos a subir, sem qualquer tipo de cortesia ou despedida, sabendo que muito em breve nos íamos juntar outra vez.

Pensava em muitas coisas quando me sentava naquele abrigo, algumas das piores que alguma vez pensei. Pensava na minha família a saber o que eu estava a viver pela CNN Portugal, a dor que apertava o coração até eu ter rede para dizer que sim, estava bem, e que não, os mísseis não tinham aterrado perto de mim.

Pensava também nos meus amigos, os que me mandavam mensagens de hora a hora, fazendo-me sentir mais amada durante aqueles dias do que em qualquer outro período da minha vida. Mas também falei com amigos que não me lembrava deste o terceiro ano do secundário. Foi preciso uma guerra para nos reunirmos.

E, por fim, tinha amigos a agir como se tivessem um PhD em estudos geopolíticos por navegarem nas redes sociais durante umas horas, escrevendo a tese final em forma de post no Instagram. “I stand with Israel,” um escrevia, enquanto outro implorava por contexto e factos históricos sobre a luta Palestiniana nos comentários. Se um míssil me tivesse acertado, querido amigo, ainda querias falar da guerra de 1967?

#FreePalestine foi o slogan que muitas pessoas reiteraram durante os acontecimentos de sábado, de certo modo celebrando o ataque como um avanço da causa Palestiniana. A violência do grupo terrorista “Hamas” foi caracterizada como o resultado de décadas de opressão e ocupação perpetuada pelo regime colonialista de Israel. Como se massacrar 260 adolescentes que se divertiam num festival de música fosse igualar as escalas.

Muito do que foi sublinhado sobre a causa Palestiniana nestes últimos dias é verdade e importante. Não é segredo que Israel ocupa ilegalmente vários territórios desde 1948, expulsando Palestinianos das suas casas e cometendo vários crimes contra a humanidade nas suas terras, tendo isto vindo a piorar durante o regime de Benjamin Netanyahu. No entanto, muito pouco tem a ver com a violência que começou sábado. E ainda menos tem a ver com as motivações e objetivos do grupo terrorista Hamas. 

Hamas não é um grupo de justiça social. Homens que desfilam raparigas nuas na bagageira de carrinhas e abatem sete idosos numa paragem de autocarro não são militantes—muito menos freedom fighters—-são terroristas. Raptar bebés e levá-los para Gaza não é uma demonstração de resistência, é a maior tragédia possível. Um massacre contra Israelitas e Judeus não é a libertação da Palestina—-aliás, é uma pena de morte. 

A luta do Hamas e a luta dos Palestinianos é distinta—e a indiferenciação dos dois na consciência universal é possivelmente a maior vitória do grupo terrorista. Enquanto uma luta é maioritariamente política e legítima, preocupando-se com territórios e direitos, a outra tem um componente adicionado que a faz tão sanguinária e radical—o componente religioso.

Quando os líderes do Hamas massacram, não o fazem em silêncio. Muitos dos vídeos perturbadores que circularam nas redes sociais têm em plano de fundo gritos de “Allahu Akbar,” ou “Deus é grande,” os mesmos gritos que soaram em 2015 quando dois irmãos orquestraram um ataque terrorista que matou 11 jornalistas da revista Charlie Hebdo em nome da al-Qaeda, ou quando um terrorista motivado pela ISIS atropelou 20 pessoas nas ruas de Nova Iorque. Uma pista ainda maior sobre as motivações religiosas radicais do grupo é o país que mais os apoia e sustenta: a República Islâmica do Irão, um estado conhecido por financiar terrorismo no Medio Oriente, providenciando armas e ajuda logística a grupos como o Hezbollah, Hamas, e a Islamic Jihad.

A causa do Hamas não é a causa Palestiniana; é a causa da Jihad—a “guerra santa” contra inimigos da religião Muçulmana, usando violência se necessário. O objetivo do Hamas não é recuperar mais território na Cisjordânia ou garantir direitos ao povo Palestino, mas sim extinguir Israel e os Judeus—um pais e um povo que não reconhecem—eliminando assim qualquer possibilidade de paz ou acordo entre os dois.

Tal está escrito em "O Pacto do Movimento de Resistência Islâmica" escrito pelo grupo em 1988, que declara que “Israel existirá e continuará existindo até que o Islão o faça desaparecer, como fez desaparecer a todos aqueles que existiram anteriormente a ele,” e “iniciativas de paz, propostas e conferências internacionais são perda de tempo e uma farsa.” Por isso é que a “resistência” de escolha do Hamas é assassinar bebés e violar adolescentes, ações que não têm qualquer lógica ou objetivo político, sendo apenas motivadas por ódio e fundamentalismo religioso. Mas os Israelitas não são as únicas vítimas— esconder bombas em casas de civis e construir bases terroristas em zonas residenciais é outra forma de matar.

Pensava em tudo isso no abrigo de bombas. Mas acima de tudo, pensava na pura estupidez da guerra. Pensava na facilidade com a qual as pessoas esquecem o custo humano de armas e munições, escondendo-se por detrás de ecrãs para debater teorias, escolhendo lados como se fosse um jogo de futebol. Pensava que as lágrimas que mães Israelitas e mães Palestinianas derramam pelos seus filhos são as mesmas, mas que a perversão de todo este conflito nunca vai permitir esse reconhecimento. Pensava também em Gaza—rezava por Gaza.

Pensava em tudo isso, e muito mais. E depois olhava para baixo, e pensava que o chão estava sujo e que eu não tinha sapatos.

Porque são assim os pensamentos num abrigo de bombas.

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