Querem uma revolução tecnológica e criar tecnologia militar tão potente que os adversários do Ocidente pensem duas vezes antes de começar um conflito
O mundo está menos seguro e isso significa que mais dinheiro vai parar às mãos de empresas militares. O orçamento norte-americano para a Defesa em 2024 atingiu os 886 mil milhões de dólares, dos quais quase um terço são destinados para a compra de novos equipamentos e para a pesquisa de novas tecnológicas. Mas quase todo este dinheiro vai para uma mão cheia de empresas que, ao longo das últimas décadas, dominaram quase por completo este mercado, impondo custos elevados para produtos e soluções que podem ficar rapidamente obsoletas. Palmer Luckey, um jovem empresário da indústria tecnológica que veste camisas havaianas coloridas, quer mudar tudo isso.
“Tudo o que estamos a fazer, tal como o Departamento da Defesa, é prepararmo-nos para um conflito com uma grande potência, como a China, no Pacífico, no curto prazo. Tudo o que não é focado nesse tipo de combate, não me parece digno de investimento”, revela Palmer Luckey, fundador da Anduril Industries, numa entrevista à Bloomberg.
Focada em dar uma vantagem aos Estados Unidos e aos seus aliados, a Anduril baseou o seu nome na espada de Aragorn, da série literária Senhor dos Anéis que significa "A Chama do Ocidente". A lógica da empresa é simples: criar sistemas militares inovadores, acessíveis e potentes que façam com que os “inimigos” do Ocidente evitem um conflito direto por ver numa guerra um preço demasiado alto a ser pago – ao mesmo tempo que se aproveita de uma lacuna no mercado para fazer dinheiro. Para isso, esta startup militar fundada em 2017 focou-se em duas áreas que estão a marcar as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente: o software e drones, muitos drones.
Drone que mata drones
Embora possam já não parecer uma novidade, os veículos aéreos não tripulados alteraram por completo o campo de batalha na Ucrânia e a evolução desta tecnologia acontece de forma quase de mês para mês. No início de dezembro, a Anduril lançou a sua mais recente “revolução”. Descrevem-na como “uma nova categoria radical de arma que é totalmente diferente de tudo que veio antes dela”. Chama-se Roadrunner, é incrivelmente rápido, é reutilizável e quer ser o drone que destrói drones. É um novo conceito de defesa antiaérea.
A empresa tirou lições das realidades do campo de batalha na Ucrânia, onde a Rússia tem fustigado infraestruturas civis e militares com os drones de fabrico iraniano Shahed-136. Os sistemas iranianos são baratos e rápidos de produzir, carregam uma carga explosiva significativa e são difíceis de abater. Para o fazer, a Ucrânia tem de recorrer a sistemas de defesa antiaérea convencionais enviados pelo ocidente, como os NASAMS ou os Patriot. Só que o preço de cada um destes mísseis custa quase meio milhão de euros. Além disso, para aumentar as hipóteses de sucesso, as baterias de defesa antiaérea disparam vários mísseis contra um só alvo para aumentar as chances de sucesso.
O Roadrunner é revolucionário neste aspeto. É possível disparar vários contra um só drone e, assim que o alvo seja atingido, os restantes podem regressar à base, podendo ser utilizados novamente. Isto é possível porque o Roadrunner tem a capacidade de levantar voo e aterrar verticalmente, o que baixa dramaticamente o custo de utilização e é algo que não acontece com os mísseis antiaéreos. Outra das vantagens desta arma é o raio de ação em que são capazes de operar, que é dez vezes superior ao dos mísseis convencionais. Além disso, a empresa garante que a forma como o sistema foi desenvolvido vai permitir que este se adapte ao desenvolvimento de novos e melhores drones, durante os próximos anos.
“Uma das coisas mais engraçadas acerca dos sistemas autónomos não é necessariamente o facto de eles pensarem mais rápido ou fazerem algo melhor que nós, mas é também o facto de eles poderem deitar fora as suas vidas vezes sem conta”, afirma Palmer Luckey, ao jornal Wall Street Journal.
Lançado no início deste mês, o Roadrunner já tem um comprador. Embora o seu fundador tenha recusado revelar o seu nome, uma consulta ao orçamento do Comando de Operações Especiais norte-americano mostra que as forças especiais americanas estão prestes a investir 19 milhões de dólares para “acelerar” o desenvolvimento de uma aeronave não tripulada chamada “Roadrunner” com o propósito de destruir outros drones.
A estratégia de defesa nacional americana do ano passado resumiu o processo de aquisição e desenvolvimento de novas armas por parte das principais empresas do “complexo militar industrial” como sendo “demasiado lento e demasiado focada na aquisição de sistemas não concebidos para enfrentar os desafios mais críticos que enfrentamos agora”. Esta noção abre um espaço para que empresas tecnológicas como a Anduril possam aparecer no mercado e causar um forte impacto, apresentando produtos acabados e prontos a comprar.
Um exército não tripulado
Um dos mais impressionantes artigos apresentados no arsenal da Anduril chama-se Fury (ou Fúria, em português) e é um sintoma de como o combate aéreo está a mudar. Descrito pelo Pentágono como sendo um “Assassino Colaborativo Autónomo Penetrante e Acessível”, esta máquina foi construída para ser utilizada em conjunto com os aviões de combate tripulados. É um drone a jato que serve para ajudar os pilotos das aeronaves a “fazerem coisas que não querem fazer”.
O Fury pode ser utilizado pela força aérea para atacar alvos em áreas densamente defendidas por mísseis antiaéreos sem ter receio de que o piloto perca a vida. Além disso, pode ser enviado propositadamente para a frente com o propósito de ser destruído, para perceber onde se escondem as defesas inimigas. O conceito agrada ao Departamento da Defesa norte-americano que pretende adquirir “múltiplos milhares” de drones “descartáveis” nos próximos dois anos, de forma a tentar equilibrar a vantagem numérica da China no Indo-Pacífico.
“Toda a gente quer garantir que as capacidades que estamos a construir hoje estão prontas para um combate no Pacífico em 2027 ou até mais cedo, porque essa é a data-limite que nós vemos a China a tentar lançar uma ofensiva”, admite o fundador da empresa, que ganhou fama e dinheiro por ter vendido, em 2016, a empresa de realidade virtual Oculus ao Facebook, por três mil milhões de dólares.
Essa pressa levou ao desenvolvimento de uma arma que também tem como inspiração a guerra na Ucrânia. Em colaboração com a Northrop Grumman, a Anduril desenvolveu o Dive-LD, um drone submarino, capaz de recolher informação pormenorizada em mar alto. Este sistema é bastante versátil e, através de um conjunto de sensores de ponta, consegue mapear tudo em seu redor. A empresa acredita que o Dive-LD pode ser particularmente útil para detetar minas e submarinos ou navios inimigos, sem enviar outros sistemas que corram o risco de ser abatidos pelo inimigo.
Este drone pode revelar-se particularmente importante para a defesa de Taiwan em caso de uma invasão ou de um bloqueio marítimo da China, que nos últimos anos tem acelerado significativamente a construção da sua armada e tornou-se na maior marinha do mundo. Ter a capacidade de detetar os navios inimigos sem ser visto pode tornar-se um aspeto indispensável do combate marítimo no futuro.
Mas a empresa tem outros produtos já conhecidos do público, como os drones suicidas ou de vigilância. Nestes segmentos destacam-se o Altius-M, uma munição voadora de precisão, que pode ser operada diretamente por um militar para atingir um alvo. Pode ser disparada do chão, do mar, do ar ou até em andamento num veículo e transporta a bordo um explosivo de 15 quilos e pode voar durante 4 horas. Este tipo de armamento tem-se provado fundamental para os soldados no terreno, no campo de batalha na Ucrânia, permitindo que um só soldado consiga fazer frente a um carro de combate blindado ou atingir uma posição fortificada inimiga.
Mas, para que isso aconteça, os soldados precisam de conseguir observar o que se passa em seu redor. É aí que entra o Ghost, um helicóptero não tripulado furtivo, capaz de executar missões de espionagem sem ser detetado. Ao contrário da maior parte dos drones, o Ghost foi construído de forma a não emitir ruído quando está a voar. Um soldado consegue montar e desmontar este drone em dois minutos e consegue passar quase uma hora no ar, em condições de adversidade extrema. Além disso, é construído para conseguir aguentar várias ondas de ataques eletrónicos.
Um software para a todos governar
Mas é no software que a Anduril acredita estar o verdadeiro poder do futuro da guerra e, por isso, estão a levar o uso de inteligência artificial no terreno a um novo patamar. O sistema Lattice é um software que permite a um soldado controlar um ou mais drones com diferentes funções em simultâneo sem ter de os pilotar. Além disso, permite programar o tipo de ações que ele quer que os dispositivos tomem, sem exigir uma gestão ativa por parte do comandante. Apenas com um tablet ou com um smartphone, um soldado pode dar ordem para um grupo de drones patrulhar uma determinada área até detetar um modelo específico de carro de combate e, de seguida, neutralizá-lo. Tudo isto com uma interface muito fácil de utilizar, que dá ao soldado a experiência de estar a utilizar qualquer outra aplicação móvel. O militar pode ir ainda mais longe e dar o comando para que, assim que o alvo for encontrado, sejam ativados drones explosivos para que o destruam.
Toda esta tecnologia tem como objetivo colocar nas mãos de apenas um operador um conjunto muito superior de sistemas. Um só soldado pode controlar dez drones Ghost e dez Altius em simultâneo, sem ter de os teleguiar. Atualmente, se uma unidade militar quiser utilizar dez drones em simultâneo contra um alvo inimigo, precisa de dez operadores. Tudo isto depende da criação de complexas linhas de código e é aqui que entra a Anduril. Por isso, a empresa acredita que as guerras do futuro não serão um combate de quem tem os sistemas mais poderosos, mas sim o software mais evoluído.
O site da empresa descreve o software como sendo capaz "transformar dados em informações, informações em decisões e decisões em ações táticas e estratégicas". Por outras palavras, esta tecnologia quer mostrar aos militares tudo aquilo que se passa em seu redor, para que eles possam tomar decisões informadas, sem ter de estar a controlar centenas de fontes de informação.
Só que a ideia de ter um software que controla dispositivos de forma autónoma parece ser um salto demasiado grande na evolução militar. Por isso é que o fundador da empresa defende que, apesar de tudo, a última palavra deve sempre caber a um ser humano. “Não podemos levar uma máquina a um tribunal militar”, disse o fundador numa passagem pela Web Summit, em 2018, pouco depois de ter criado a empresa. “Não estamos a criar a Skynet, nem a fazer o Exterminador. A ideia é a autoridade permanecer em alguém que tem a permissão de conduzir essas ações”, defende Mike Matis, diretor de Estratégia da empresa.