Em causa, estão mais de 20 contratos de pesquisa e exploração de metais valiosos entre a DGEG e uma empresa mineira detida por uma sociedade nos Barbados. Ambientalistas e Transparência Internacional alertam que a lei é pouco clara sobre este assunto
A Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) assinou mais de vinte contratos de exploração e pesquisa de metais valiosos, incluindo ouro e prata, com uma empresa detida por uma offshore nos Barbados, um paraíso fiscal que à data integrava a lista de países não cooperantes a nível fiscal da União Europeia.
Os 21 contratos, que vigoraram pelo menos desde 2008 até 2020, foram assinados entre a DGEG, a entidade que gere os depósitos minerais que integram o domínio público, e a MAEPA - Empreendimentos Mineiros e Participações, Lda, uma empresa que durante vários anos foi detida na totalidade por uma sociedade registada nos Barbados com o nome 'Avrupa Portugal Holdings'.
Segundo mostram vários relatórios financeiros e contratos consultados pela CNN Portugal, pelo menos desde 2011 e até janeiro de 2019, a Avrupa Portugal Holdings foi a detentora da empresa mineira MAEPA até esta sociedade nos Barbados ter sido dissolvida e a sua propriedade transferida para a empresa-mãe, a gigantesca mineira Avrupa Minerals Ltd, sediada no Canadá.
Durante esse período, mostram os relatórios financeiros da Avrupa Minerals Ltd, a MAEPA obteve cinco licenças de exploração em Portugal, espalhadas de norte a sul do país, controlando uma área de aproximadamente 1.753 quilómetros quadrados espalhados ao longo da Faixa Piritosa Ibérica.
Enquanto estiveram em vigor, por exemplo, estas licenças permitiram que a empresa fizesse, entre 2012 e 2015, uma descoberta “significativa” na região de Alvalade de uma vasta área “rica em cobre, chumbo, zinco, juntamente com algum ouro e prata”, segundo explica a empresa-mãe numa comunicação interna, entretanto tornada pública.
Também durante escavações em Marateca e no Alvito, a MAEPA identificou mineralizações ricas em prata e no Alvito intercetaram depósitos de óxido ferro-cobre-ouro.
À CNN Portugal, fonte oficial da DGEG explica que com a empresa MAEPA “só foram outorgados contratos de revelação de depósitos minerais, o último dos quais em 2014”, estando atualmente “todos extintos”. Dos contratos assinados com o Estado, “apenas um era de exploração experimental, sendo os restantes de prospeção e pesquisa”, esclarece a entidade.
A mesma fonte da DGEG garante que as atividades levadas a cabo em projetos como aqueles empreendidos pela MAEPA na Faixa Piritosa Ibérica são realizados “com investimentos elevados e sem receitas diretas associadas”, sendo que só uma ínfima parte destes projetos “é que encontram recursos e reservas economicamente interessantes para evoluir para uma concessão e respetivo projeto mineiro”.
Contactados pela CNN Portugal, os especialistas em matérias ambientais e transparência realçam que, ainda que não seja uma prática ilegal, a celebração de contratos entre o Estado e empresas ligadas a paraísos fiscais comporta vários riscos.
Por um lado, salienta Karina Carvalho, Diretora Executiva da Transparência Internacional, o problema surge quando certas jurisdições são paraísos fiscais oferecendo, adicionalmente “a possibilidade de criação de empresas fantasma e de ocultação dos beneficiários efetivos” e “a possibilidade de utilização das empresas aí criadas para esquemas de lavagem de dinheiro, fraude e evasão fiscal”.
Por outro, acrescenta Karina Carvalho, mesmo que muitas das atividades realizadas através de entidades offshore sejam perfeitamente legais, “o anonimato concedido pela economia offshore facilita a lavagem de dinheiro, evasão fiscal, fraude e outros crimes”. E, explica ainda, “mesmo quando é legal, é importante perceber em que medida a utilização de esquemas de otimização fiscal, como são chamados pelos seus defensores, não afetam os princípios da justiça fiscal em si mesmo”.
Segundo a Transparência Internacional, o risco é acrescido quando, como no caso da sociedade que detém a empresa com quem o Estado fez vários contratos, as entidades estão na “lista negra” da União Europeia (UE) em matéria fiscal. Esta lista, criada na sequência das descobertas que vieram à luz através dos Panamá e Paradise Papers, é composta por países que não cumpriram os critérios da UE de boa governação fiscal dentro de um prazo específico, e por países que se recusaram a fazê-lo.
Durante o período em que os contratos entre o Estado e a MAEPA estiveram em vigor, os Barbados, país onde estava sediada a holding que controlava a empresa mineira de exploração portuguesa, integraram esta “lista negra”, de onde o território saiu em 2022. “O que se pergunta é como é que o Governo português acomoda as recomendações europeias em termos de luta contra o branqueamento de capitais e a evasão fiscal, quando nos seus processos de licenciamento não parece fazer essa avaliação”, questiona Karina Carvalho.
A questão colocada pela Diretora Executiva da Transparência Internacional Portugal vai ao encontro da opinião dos ambientalistas das associações ANP/WWF e Zero que garantem que a lei que regula a atribuição dos direitos de exploração mineira, e que dita que as empresas têm de ser dotadas de idoneidade técnica, económica e financeira para poderem explorar os recursos naturais do País, é pouco clara nesse aspeto.
“A lei não adianta muito sobre como é comprovada essa idoneidade, é pedido que se assuma um compromisso de honra em como não estão envolvidos em comportamentos irresponsáveis”, sublinha Nuno Forner, coordenador de projeto na Zero, destacando que “é uma coisa muito lata”.
Na mesma linha, Catarina Grilo, diretora de conservação e políticas na ANP/WWF acrescenta que há outra dificuldade que o Estado enfrenta quando realiza contratos com empresas ligadas a paraísos fiscais, relacionada com a requalificação ambiental no final do contrato de exploração mineira. “Se, por alguma razão, a empresa for à falência ou alguma coisa acontecer que faça com que a empresa deixe os trabalhos a meio e que não faça a reposição ambiental da área degradada, será muito mais difícil para o Estado português assegurar os seus direitos”, explica, destacando que pode “não ser possível apurar quem é o responsável último ou quem teria de facto de assegurar a reposição da situação original”.
Isto porque, segundo a lei que está em vigor, refere Nuno Forner, são as empresas exploradoras de recursos mineiros que são responsáveis por fazer o passivo ambiental. “Existe um compromisso do promotor que à medida que vai explorando, também vai fazendo a recuperação”, explica, asseverando que, neste tipo de contratos, “nada impede que haja um problema qualquer e a empresa fechar e depois o ónus passa para o Estado”.
À CNN Portugal, fonte oficial da DGEG assegura, contudo, que a avaliação da capacidade financeira de uma empresa que se proponha a explorar os recursos minerais portugueses “é realizada sobre o requerente e não sobre os detentores do seu capital social”, do mesmo modo, “a capacidade técnica também advém da avaliação efetuada sobre o Diretor Técnico apresentado pela empresa requerente”. Neste caso, segundo revelam documentos que constam do registo comercial, a MAEPA é gerida totalmente por Paul William Kuhn, atual presidente e CEO da Avrupa Minerals Ltd. Para além disto, fonte da DGEG acrescenta que é obrigatório que após a assinatura dos contratos o requerente pague a prestação de garantias financeiras “que assegurem o cumprimento do contrato”.
A mesma fonte enfatiza ainda que a “atividade de revelação e valorização de depósitos minerais é temporária”, sendo “sempre possível o seu aproveitamento para outros usos e ocupações ao solo”.