Heranças. Existem bens a partilhar e não sabe ao que tem direito? Encontre aqui as respostas

30 set 2023, 18:00
Testamento (pixabay)

Com a má reputação de criarem guerras nas famílias, as heranças continuam a ser, para muitos, uma grande incógnita. A chave para minimizar possíveis atritos (ainda que não prometam conciliação) entre a família é a compreensão. Se não souber se é possível herdar dívidas ou se um filho pode ser mais beneficiado do que outro, então este artigo é para si

"Temos muito receio de falar da morte e deixamos os herdeiros resolver tudo por mecanismos legais" realça o advogado Rui Alves Pereira. E não são raras as vezes em que a partilha de bens resulta em desavenças irreconciliáveis entre familiares. Ou porque se pensa que se merecia mais do que se recebeu, ou porque aquilo que foi acordado informalmente em vida não se concretizou. Para facilitar este tão burocrático processo, este artigo ajuda a perceber as medidas que se podem tomar em vida para facilitar a distribuição de bens e, se for herdeiro, a entender o que tem direito do património a herdar.

Sim, é possível herdar dívidas. O que posso fazer?

Quem acredita que aceitar uma herança é apenas receber bens como propriedades, terrenos e ações está equivocado - as dívidas, se existirem, também fazem parte da herança. Podem até ser superiores aos bens a receber.

Se tiver a certeza de que as dívidas são superiores à soma dos bens a receber, “então o que deve fazer é o repúdio à herança”, diz a advogada Marta Costa da Abreu Advogados. Caso o herdeiro legitimário tenha descendentes, essa informação deve estar indicada no documento do repúdio e são eles que vão herdar a herança. Se os filhos foram menores de idade, então é necessário a autorização do Ministério Público, aconselham os especialistas.  

Nestes casos, o advogado Rui Alves Pereira, com uma sociedade de seu nome, sugere a repudiar a herança de imediato. Pois, "a lei fala de aceitação", e ações quotidianas, como tratar dos bens do falecido, podem ser consideradas aceitação tácita, que, assim como o repúdio é irrevogável. E aí, terá de provar que os bens da herança são inferiores aos da dívida. 

A advogada Marta Costa da Abreu Advogados ressalva que as “dívidas só podem ser cobradas sobre o valor do património”.  Assim, os herdeiros não têm de recorrer ao seu património pessoal se a dívida for superior ao montante que receberam. Mas atenção: cabe ao herdeiro provar essa situação. Se não o conseguir fazer "pode vir a ter de pagar com bens próprios para além dos bens recebidos por morte", lê-se no Diário da República

De acordo com os especialistas, em caso de dúvida, o melhor é “fazer uma aceitação da herança em benefício do inventário". Nesta situação, "todos os bens que constituem a herança" ficam especificados no âmbito do processo e desta maneira só respondem pela dívida mediante os bens que fazem parte da herança, explica Marta Costa. 

Existem, no entanto, algumas dívidas que não são herdadas em caso da morte do titular, como é o caso dos créditos para habitação, se existir um seguro de vida, e neste caso, a habitação é um bem que vai ser partilhado, menciona Rui Alves Pereira. 

Filhos podem ser deserdados?

“Legalmente, não”. Os filhos “são sempre herdeiros legítimos e, por isso, obrigatórios”. No entanto, existem formas de tentar diminuir a parte que irá para o filho, mas o descendente tem sempre de aceitar, aponta a advogada Marta Costa. 

Uma delas é o autor da sucessão deixar no testamento indicado que “em substituição da legítima” um dos filhos recebe determinado bem. Esta ação funciona caso o bem, de menor valor, seja do interesse do filho, pois este tem de aceitar renunciar à sua parta da quota destinada aos herdeiros obrigatórios. 

Outra possibilidade é fazer partilhas em vida, que requer “o acordo entre todos os herdeiros”. Esta distribuição perde efeito caso surja outro herdeiro legítimo, como um filho do falecido que os restantes herdeiros não tinham conhecimento. 

Importar salientar que "pela prática de um conjunto de crimes a pessoa pode ser deserdada", explica Rui Alves Pereira. Se o filho cometer um crime contra os parentes, como, por exemplo, tentar assassina-lo, dá lugar a "uma ato de indignidade sucessório e pode ser afastado da herança", acrescenta o advogado.

Um dos filhos pode ser beneficiado?

"Pode", responde, Rui Alves Pereira. Na herança existe uma parte que corresponde à quota legítima, isto é, à parte que será obrigatoriamente distribuída entre os herdeiros, mas existe uma outra parte que é a quota disponível, que o responsável pela sucessão pode dar a quem quiser através do testamento. E essa pessoa pode ser um dos filhos. 

Dessa maneira, o filho que receber parte total ou parcial da quota disponível, para além dessa, vai receber a sua parte como herdeiro obrigatório. Por exemplo, se existirem três filhos herdeiros para uma herança de 600 mil euros, um deles pode receber mais 200 mil euros do que os outros dois (pois representa a quota disponível, que, neste caso é 1/3).

Nestes casos, se o filho receber mais do que a quota disponível permite, os herdeiros obrigatórios terão de ser recompensados. 

No entanto, se o falecido tiver casado em comunhão de bens ou de adquiridos os números mudam: 50% do património será herdado pelo cônjuge sobrevivo, e é nos restantes 300 mil euros onde é aplicada a quota disponível. Isto é, podem ser atribuídos 100 mil euros a um dos filhos, e o restante da herança (200 mil euros) será distribuído pelos quatro herdeiros.  

Nem todos os cônjuges são herdeiros obrigatórios

O membro do casal sobrevivo pode assumir diferentes papéis na herança do parceiro consoante o compromisso estabelecido legalmente com o falecido. Tanto pode ser um herdeiro obrigatório como nem ter direito à herança, informam os especialistas. 

O advogado Rui Alves Pereira alerta para a necessidade de desmistificar duas crenças comuns na sociedade portuguesa. A primeira é que casais em união de facto são herdeiros um do outro, a segunda é que pessoas casadas em regime de separação de bens não são herdeiros. Estas crenças são mitos e os advogados explica porquê. 

O regime de união de facto “não tem direitos sucessórios em Portugal”, confirma Marta Costa por isso não é herdeiro legitimário e por isso, não tem, obrigatoriamente, direito à herança. Exceto se lhe for atribuída parte da quota disponível da herança por testamento - trata-se de uma opção, feita em vida, e não de uma obrigação, explica a advogada. 

Importa salientar que ao unido de facto sobrevivo tem “direito a alimentos em caso de necessidade, o direito a alimentos em caso de pensão e o direito a residir na habitação partilhada”. Para este último caso, devem ser cumpridas determinadas condições, nomeadamente, “não haver outras casas tituladas pelo unido de facto sobrevivente na mesma área”, informa a causídica. 

Desmistificado o primeiro mito, para fazer o mesmo com o segundo é preciso ter em mente que "as pessoas casadas no regime de separação de bens são (mesmo) herdeiras um do outro", explica o advogado. Aqui a principal diferença é que o cônjuge não terá acesso a metade da herança se os bens forem apenas do falecido. "Não há meação em regime de separação de bens". Neste caso, a herança será repartida em partes iguais pelos herdeiros.

Se, no entanto, "podem comprar a casa em compropriedade", e aí ficará com uma quota de 50% da casa. Claro que pode receber mais da herança se lhe for atribuída parta da quota disponível através de testamento, mas esta é uma opção e não obrigatória, explica o advogado Rui Alves Pereira.

Importa salientar que, se um dos cônjuges tiver mais de 60 anos, é obrigatório casar em regime de separação de bens, dizem os especialistas. 

Caso o casamento seja nos regimes de comunhão de bens ou comunhão de adquiridos, o cônjuge sobrevivo tem direito a receber metade da herança e do restante do património tem direito à sua quota legitimária, igual à dos restantes herdeiros. Por exemplo, de uma herança de 600 mil euros, o cônjuge sobrevivo receberá 300 mil (que corresponde aos 50% da herança que tem direito a receber, denominada de meação), e se existirem mais dois herdeiros legitimários e não tenha sido distribuída a quota disponível, o cônjuge vai receber mais 100 mil euros, explicitam os advogados.

Também é possível aos cônjuges renunciarem à herança um do outro na hora de casar. Eles podem celebrar um acordo pré-nupcial onde “escolhem como regime aplicável aos bens o regime de separação de bens”, e uma vez escolhido este regime podem “renunciar à qualidade de herdeiros legitimários, portanto obrigatórios, um do outro”. A causídica explica que esta possibilidade surgiu para prevenir que o regime de bens prevenisse um casal de contrariar património com receio de “prejudicar filhos de anteriores relações”.

Se casar em regime de separação de bens ou estiver em união de facto recebe metade da reforma?

"Sim, mantém esse direito", afirmam os especialistas. Este é uma prestação social atribuída pelo estado que se mantém. No caso de união de facto, o sobrevivo tem de provar que a união de facto existia dois anos antes da morte do autor da sucessão, de acordo com o artigo 2020.º do Código Civil

Que impostos estão associados à herança?

Ainda que em Portugal já não exista imposto sucessório, existem impostos associados à herança, avisa Marta Costa.

“Na grande maioria dos casos existe isenção do imposto de selo”, como é o caso dos herdeiros legitimários - para os cônjuges, unidos de facto, filhos, netos, pais ou avós. Para os restantes, os legatários, como vizinhos e tios, por exemplo, têm de pagar uma taxa de 10% do montante herdado”, informa a advogada Marta Costa. 

Se estiver noutro país da União Europeia, para quem vai a minha herança? 

Depende. Se a sua residência habitual for em França, por exemplo, a lei sucessória que se vai aplicar é a do país onde vive em caso de óbito. Mas se "fizer uma declaração que independentemente da residência onde habita, a lei que se aplica é a lei da nacionalidade, então a partilha de bens será de acordo com a lei portuguesa, realça o advogado Rui Alves Pereira.

 

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