Portugueses já estão a consumir mais gasolina do que antes da pandemia. Nem o preço os demove

6 dez 2022, 07:00
Trânsito

Mais apoios, mais soluções sustentáveis e preços mais altos que nunca. Ainda assim, o consumo de gasóleo e gasolina teima em não baixar - e já ultrapassou os valores pré-pandemia. Porquê?

O consumo de gasolina este ano já ultrapassou os valores de 2018 e 2019. E o gasóleo, a manter-se a tendência, para lá caminha.

De acordo com dados da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), só nos primeiros dez meses de 2022, em Portugal consumiram-se cerca de 827.590 toneladas de gasolina, mais 6.793 toneladas em comparação com o período homólogo de 2019. Já o consumo de gasóleo, apesar de ainda permanecer abaixo dos valores de 2019, aumentou significativamente no último ano para 3.716.340 toneladas.

Significa isto que os portugueses estão a gastar ainda mais gasolina do que antes da pandemia - e com preços muito mais altos. Aliás, este ano é, de longe, aquele em que se verificam os preços mais caros nos combustíveis.

Preço médio anual dos combustíveis*

Ano Gasolina Gasóleo
2016 1,367 1,119
2017 1,463 1,242
2018 1,537 1,343
2019 1,492 1,363
2020 1,387 1,244
2021 1,619 1,423
2022 1,87 1,811

* Preços de 2022 até 4 de dezembro

Mas num ano de escalada de preços, como se justifica este aumento no consumo? À CNN Portugal, o presidente da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (APETRO), António Comprido, diz encarar esta evolução como "natural": "Ao longo deste ano assistimos a uma recuperação da atividade económica - que implica um maior transporte de pessoas e de mercadorias". 

Também o engenheiro Paulo Simões, especialista em transportes, afirma à CNN Portugal que o consumo dos combustíveis tem uma relação direta com a atividade económica. "Tudo o que é cadeia de abastecimento tem um conceito "just in time" (no imediato)", indica, dando o exemplo de setores como as compras online, supermercados, serviços de estafetas e distribuidores (como Ubereats e Glovo), que acabam por aumentar o número de deslocações - e, consequentemente, o consumo.

Paralelamente, também se tem vindo a testemunhar uma passagem grande para o consumo de gasolina. "Vê-se nas vendas de automóveis novos", muito pelas diretrizes europeias, como razões ambientais e pela própria oferta. "Não é económico produzir veículos a gasóleo - é natural que haja uma recuperação mais forte na gasolina por causa precisamente dos ligeiros de passageiros. Já nos pesados é o gasóleo que reina", afirma António Comprido. 

Importa ainda referir que o consumo revelou ser relativamente pouco sensível aos preços. "Este consumo está ligado a atividades que não tinham muita margem para reagir a este aumento de preços. A relação é muito pouco elástica e, nesse sentido, a procura mantém-se", diz o presidente da APETRO.

"As pessoas não andam propriamente a gastar combustível por diversão. A não ser ao fim de semana", ironiza, justificando que "os portugueses têm de deslocar para os seus empregos e as mercadorias têm de ser entregues". 

Facto é que as filas de trânsito estão piores que nunca. Será que o nosso sistema de transportes não é suficiente ou serão razões de nível cultural/comportamental?

E os transportes públicos?

Ora, a escolha do autocarro, comboio e metro como principal meio de transporte caiu nos últimos dez anos. Os portugueses estão a usar cada vez mais o carro para se deslocarem para o trabalho e quase metade da população desloca-se diariamente conduzindo um automóvel. 

De acordo com os resultados definitivos dos Censos 2021, cerca de dois terços dos portugueses usam o carro para se deslocarem para o trabalho ou para os estudos, quando há dez anos a percentagem ficava abaixo dos 62%, e 2,6 milhões de pessoas (que representam 47,9% dos trabalhadores) fá-lo enquanto condutor, enquanto 18,1% deslocam-se de carro como passageiros (eram 17,9% em 2011). Paralelamente, em relação a 2011, anda-se menos a pé e usa-se menos o autocarro, mas a bicicleta foi dos poucos meios de transporte que ganhou adeptos.

O engenheiro Paulo Simões explica que as viagens pendulares de carro (por exemplo casa-trabalho) têm um peso considerável e, portanto, influenciam estes valores do consumo. "Mesmo que o consumo por veículo diminua, se há mais veículos a circular é normal que aumente". Mas há mais fatores que podem ter influenciado esta subida, nomeadamente o poder de compra e as consequências sociais da pandemia de covid-19. 

"As pessoas não estarem completamente a largar o carro também pode ser um efeito pós-pandemia. Algumas pessoas desistiram dos transportes públicos também por razões de segurança. Além disso quem se habitua a um automóvel e tem capacidade económica para isso, é mais difícil voltar para os transportes - até pela flexibilidade de hora, por exemplo". 

Os dados do INE referentes ao segundo trimestre de 2022, revelam que o número de passageiros transportados por comboio e por metropolitano aumentou em mais de 50% face ao período homólogo de 2021, atingindo 43,4 milhões de passageiros e 54,9 milhões, respetivamente. O transporte de passageiros por via fluvial aumentou 62,5% relativamente ao segundo trimestre de 2021, atingindo 4,8 milhões de passageiros. Mas com exceção dos passageiros transportados por comboio, todos outros registaram reduções em relação ao mesmo período de 2019.

Apesar dos constrangimentos, o especialista aponta mesmo os transportes públicos como uma das soluções para diminuir o consumo de combustíveis fósseis. "A aposta tem de ser sempre nos transportes públicos, em que o consumo per capita seja compensador. Mas tem tudo a ver com as opções diárias de cada família. Quem faz diariamente o mesmo percurso pode ter vantagem, agora quem tenha uma logística maior acaba por tirar essas pessoas do transporte público". No fundo, "depende muito da oferta de transporte, da uniformização do preço e da diminuição do custo". E isso em si também é um problema: "Há aspetos estruturais na forma como se organizou o território que não facilitam", ou seja, ligações diárias que não sejam feitas no sistema radial são mais difíceis. "É normal que as deslocações suburbanas sejam feitas em veículo próprio porque as ligações são mais deficientes".

Relacionados

Economia

Mais Economia

Patrocinados