opinião
Coronel Veterano do Exército Brasileiro
A ARTE DA GUERRA

Na Ucrânia, a fila para comprar um selo é maior do que para um iPhone

17 abr 2022, 10:00

Na última semana de fevereiro, quando entrei na Ucrânia com a equipa da CNN PORTUGAL para acompanhar o conflito em andamento, passei a ver a frase “Російський військовий корабель, до біса!” em vários lugares, o que me chamou atenção. Após o terceiro dia, resolvi perguntar ao ucraniano que guiava a nossa equipa de jornalismo, qual era o significado. Ele contou a história do grupo de combate de fuzileiros navais ucranianos que ocupava a ilha Zmeiny (das Cobras). Essa tropa ucraniana teria sido arrasada pelo fogo naval do cruzador russo Москва, após responder com essa frase ao incitamento à rendição, cujo significado é “Navio de guerra russo, f0*@-se”. Entretanto, posteriormente, surgiu outra versão de que os militares da ilha teriam sido capturados pelos russos e libertados numa troca de prisioneiros. Roman Hrybov, o suposto combatente autor da frase, também teria sido condecorado pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

A verdade é que a frase passou a ser uma espécie de mantra ucraniano contra o ocupante russo. Ao conversar com os ucranianos, fiquei com a impressão de que é uma forma de catarse coletiva após todas as atrocidades a que foram submetidos pelos russos. A Ucrânia foi subjugada a uma dominação forçada por séculos, inicialmente pelo Império Russo e depois, pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Na semana passada, foi divulgado o lançamento de um selo comemorativo na Ucrânia referente ao alegado bombardeamento do navio Москва, que significa Moscovo. Esse novo selo postal em tempo de guerra foi apresentado pela agência de correios da Ucrânia. A imagem retrata um fuzileiro naval ucraniano na ilha de Zmeiny fazendo um gesto hostil, mostrando o dedo médio da mão direita e ao fundo, no mar, o cruzador Москва, nau capitânia da frota russa no Mar Negro. Esse navio teria sido afundado em Sebastopol em 14 de abril de 2022 após um bombardeamento. O evento empolgou os ucranianos que formaram longas filas nas agências postais para adquirir o selo.

Segundo o filatelista brasileiro Fábio Pereira Ribeiro, esse evento atípico está a ser criticado por alguns segmentos de colecionadores. Isso porque, não segue alguns dos padrões vigentes em relação à característica cultural e artística estabelecidos pela União Postal Universal, que congrega todos os países que emitem selos.

Entretanto, é necessário lembrar que em tempos de beligerância, as ações dos Estados passam a ser canalizadas para o esforço de guerra de cada país. Nesse caso, o governo da Ucrânia decidiu aproveitar o fato como peça de propaganda para manter a população e as tropas com moral elevado. Devido ao cunho provocativo, estima-se que o selo deverá circular em vários países. Por causa da elevada procura, há reclamações de que já existe uma espécie de mercado negro em que o selo estaria sendo vendido por valores bem mais altos do que se compra nas agências postais. Essa demanda provocou várias solicitações de que o selo seja vendido online.

Pela primeira vez na história, estamos a ver na Ucrânia, uma fila para comprar um selo maior do que a fila para comprar um iPhone. Com isso, o governo daquele país espera arrecadar mais recursos para financiar o esforço de guerra. Em consequência do sucesso nas vendas, imagina-se que possa haver mais de uma edição do mesmo selo. O suposto ataque ao navio que leva o nome da capital russa está sendo muito bem aproveitado pelos ucranianos na guerra informacional. Certamente, isso foi alavancado porque a embarcação possui o mesmo nome da capital da Rússia, o que confere forte simbolismo ao evento.

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