São gémeas idênticas, têm a mesma mutação genética mas só uma manifesta a doença. A história das irmãs espanholas não é assim tão rara - e há explicações para isso

23 jul 2023, 08:00
Genoma (Freepik)

A história de Cayetana e Celia, de 12 anos, chama a atenção para os mistérios que ainda subsistem em torno dos gémeos. No caso das adolescentes, há suspeitas do que possa estar na origem da discrepância da manifestação da doença numa e noutra, mas a verdade é que estes episódios com diferenças entre irmãos considerados geneticamente idênticos não são tão incomuns quanto isso

Cayetana e Celia têm 12 anos, são gémeas idênticas e têm a mesma mutação genética que causa heteroplasia óssea progressiva, em que os músculos e articulações se ‘transformam’ em ossos. Mas apenas uma delas apresenta sintomas, tendo chegado mesmo a pedir para que lhe fossem amputadas as pernas, tais eram as dores e rigidez dos membros. 

O El País, que deu a conhecer a história, descreve o caso como enigmático. E é: há suspeitas do que possa estar na origem da discrepância da manifestação da doença nas duas irmãs, mas a verdade é que estes episódios de diferenças entre gémeos monozigóticos não são tão incomuns quanto isso.

A mutação que as duas irmãs possuem causa a inativação do gene GNAS, cuja função é impedir a formação de osso numa parte do corpo onde não é suposto estar. Mas, porque é que uma irmã manifesta de forma tão célere e agressiva a doença e a outra não? Porque apesar de idênticas, as gémeas são diferentes. 

Um estudo levado a cabo por investigadores da Universidade do Porto e da Universidade Hadassah-Hebrew, em Israel, ajuda a entender a complexidade da questão. “Gémeos monozigóticos, embora surjam de um único zigoto e sejam considerados geneticamente idênticos, nunca serão os mesmos” e, por isso, tal como diz o MIT citando outra investigação, algumas doenças podem apenas afetar um gémeo. E só aqui está parte da explicação. 

Na prática, dois gémeos idênticos são, na verdade, diferentes porque há um conjunto de fatores com impacto nisso mesmo, como “influências genéticas, epigenéticas e ambientais”, que, dizem os autores portugueses e israelitas, “acabarão por determinar a variação genotípica e fenotípica” dos gémeos idênticos.

“Tudo isto somado faz com que este caso não seja uma situação tão fora do previsível como tentam mostrar”, começa por dizer à CNN Portugal Heloísa G. Santos, geneticista clínica e doutorada em Genética Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL).

Uma das teorias apresentadas para a diferença na manifestação da doença tem o nome de mosaicismo: Cayetana terá dois tipos de células, cada uma com uma composição epigenética diferente, enquanto a irmã não. Diz o El País que os cientistas acreditam que Cayetana tem uma impressão que faz com que o gene GNAS seja ativado ou inativado em certas partes de seu corpo, teoria que Heloísa G. Santos não descarta. “Há mais casos de gémeos monozigóticos que têm variações exatamente por fenómenos epigenéticos”, até porque, esclarece, “nos gémeos monozigóticos, o genoma é o mesmo, mas com um padrão epigenético diferente”.

Para a especialista, a situação destas duas crianças “está imbricada noutras que fazem parte de um espectro de situações de Pseudopseudo-Hipoparatireoidismo”, explicando que, na verdade, “são situações conhecidas porque há uma grande variabilidade na mesma família de doente para doentes”.

A variabilidade é um dos outros motivos pelos quais a especialista portuguesa crê que as duas irmãs manifestam a doença de forma desigual - salientando ainda que Celia não está livre da patologia, até porque o próprio artigo espanhol diz que a criança “praticamente não apresenta sintomas”. Para o exemplificar, Heloísa G. Santos mostra-nos o estudo Paternally Inherited Inactivating Mutations of the GNAS1 Gene in Progressive Osseous Heteroplasia (Mutações inativadoras herdadas paternalmente do gene GNAS1 na heteroplasia óssea progressiva, em tradução literal), onde são documentados casos em que, na mesma família, a doença se manifesta em momentos diferentes da vida, embora a mutação genética esteja lá desde sempre.

David Liu , da Universidade de Harvard, levanta ainda a suspeita de a irmã mais afetada com a doença “provavelmente” ter “uma segunda mutação muito cedo no desenvolvimento do embrião, no próprio gene GNAS ou em outro que interage com isso”. Para Heloísa, “esta segunda mutação é uma hipótese rebuscada, mas não impossível”, explicando que é sempre complexo perceber de forma taxativa estas variações genéticas.

“É impossível saber o que se passou. A única explicação racional é terem o padrão epigenético diferente, o que não é de todo impossível, está descrito, mas é raro”, atira.

Europa

Mais Europa

Patrocinados