Marcelo disse que sim, mas hospital garante que não encaminhou gémeas para o Santa Maria

8 dez 2023, 21:25

Hospital Dona Estefânia colocou várias objecções aos pais que pretendiam voar para Portugal e receber o medicamento mais caro do mundo. “Após algum tempo, a família deixou de contactar".

O hospital pediátrico Dona Estefânia garante que não encaminhou as gémeas luso-brasileiras para o Hospital de Santa Maria. As referências ao Dona Estefânia foram feitas pelo Presidente da República na comunicação ao país sobre a polémica levantada na sequência da investigação da TVI.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, o e-mail que o filho lhe enviou a falar do caso - quando as crianças ainda estavam no Brasil - explicava que a família tinha “contactado o Hospital Dona Estefânia que tinha dito que seria Santa Maria, de facto, o hospital adequado para se apurar se, sim ou não, era possível esse tratamento”. 

Em causa, recorde-se, aquele que na altura (final de 2019) era o medicamento mais caro do mundo, no valor de dois milhões de euros por doente. 

Contactado, o Centro Hospitalar de Lisboa Central responde por escrito ao Exclusivo da TVI: "Não. Em nenhum dos documentos a propósito deste assunto há referência ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria)".

O responsável da neuropediatria do Estefânia, José Pedro Vieira, foi quem trocou mais e-mails com a família e confirma a versão da administração do hospital. 

“Não, nunca dissemos isso. Inferiram a partir de alguma coisa, mas seguramente eu não transmiti essa ideia”, explica o médico que já esteve a rever a troca de e-mails com a família, única forma de comunicação que teve. 

Os e-mails trocados entre a família e o Centro Hospitalar de Lisboa Central já foram, esta semana, entregues à Inspeção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) que abriu uma auditoria ao tratamento das gémeas no Hospital de Santa Maria. 

“Faltava evidência científica” 

Ao contrário do que aconteceu mais tarde no Hospital de Santa Maria, com um conflito entre o diretor clínico e os médicos da neuropediatria que foram obrigados a marcar a consulta para as crianças, no Dona Estefânia a direcção clínica apoiou as inúmeras objeções levantadas pela neuropediatra do hospital à possibilidade de receber as gémeas. 

“Faltava evidência científica” para avançar com o uso deste medicamento, relata Luís Nunes, na altura diretor clínico do Centro Hospitalar de Lisboa Central e, por inerência, do Dona Estefânia. 

O antigo responsável clínico diz que apesar de na mesma altura outro hospital de Lisboa, o Santa Maria, já ter administrado o Zolgensma às bebés Matilde e Natália, “a evidência científica era pobre, muito produzida pela empresa que fazia o medicamento ou financiada por ela, havia muito poucos casos descritos e nao tinhamos a certeza que aquele medicamento tinha a utilidade prevista, com base no conhecimento da altura”.

Apesar da divergência entre os médicos do Santa Maria e do Estefânia, José Pedro Vieira não contesta a opção dos colegas do primeiro hospital de usar o medicamento mais caro do mundo, nomeadamente nas gémeas, pois só estes médicos tiveram, depois, mais detalhes sobre o caso concreto ao verem as crianças. 

Vantagem clínica possível, mas incerta

A ciência nem sempre dá respostas com 100% de certeza e só caso a caso, depois de ver as crianças, é que se poderia estar mais próximo de uma decisão, ainda mais numa doença tão rara e com tratamentos tão recentes - até há poucos anos todos os bebés com atrofia muscular espinhal morriam, por norma, antes dos dois anos.

No entanto, quando falou com a família, José Pedro Vieira nunca esteve perto de marcar uma consulta no Hospital Dona Estefânia pois desde o início que lhe parecia que o tratamento teria enormes dificuldades médicas e administrativas. 

“Havia condicionalismos enormes, dúvidas enormes que iam imensamente contra as pretensões dos pais” que pretendiam que as crianças deixassem de receber o medicamento que já faziam no Brasil com injeções de 4 em 4 meses na coluna e recebessem em Portugal o medicamento de 2 milhões de euros de toma única, relata o médico que diz que ainda hoje, quatro anos depois, não há evidência científica que suporte essa transição de medicamentos, havendo argumentos a favor e contra.

A resposta enviada à TVI pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central confirma as dificuldades avançadas à família luso-brasileira: "Foi explicado que o processo de obtenção do tratamento seria complicado pela necessidade de admitir que existiria uma vantagem clínica adicional (possível, mas incerta) e pelas dificuldades administrativas (o medicamento não tinha aprovação então pela Agência Europeia do Medicamento)”. 

“Após algum tempo”, continua o centro hospitalar do pelo Dona Estefânia, “a família deixou de contactar", sabendo-se que as gémeas acabaram por receber o tratamento no Hospital de Santa Maria.

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