Máquina gigante em forma de donut acaba de provar que uma fonte de energia limpa quase ilimitada é possível

CNN , Danya Gainor e Angela Dewan
10 fev 2022, 22:00
Fusão nuclear

Não há uma solução simples para a crise climática, mas uma fusão nuclear pode ser o mais próximo. Na procura de uma fonte de energia fiável quase ilimitada e sem carbono, os cientistas já tinham gerado a fusão de energia, mas lutaram durante décadas para a tornar sustentável durante muito tempo.

Na quarta-feira, contudo, cientistas que trabalham no Reino Unido anunciaram que mais do que duplicaram o anterior recorde para gerar e sustentar uma fusão nuclear, o mesmo processo que permite que o sol e as estrelas brilhem tão intensamente.

A fusão nuclear, como o nome sugere, é a fusão de dois ou mais átomos em apenas um de maior dimensão, um processo que liberta uma enorme quantidade de energia em forma de calor.

O poder nuclear utilizado atualmente é criado por um processo diferente, chamado fissão, que depende da divisão, e não da fusão, dos átomos. Mas esse processo cria lixo que permanece radioativo durante dezenas de milhares de anos. Também é potencialmente perigoso em caso de acidente, como aconteceu no desastre de Fukushima, no Japão, em 2011, após um terramoto e tsunami.

A fusão, por outro lado, é muito mais segura, pode produzir pouco lixo e requer apenas pequenas quantidades de combustível abundante e de origem natural, incluindo elementos extraídos da água do mar. Isto torna-a uma opção atrativa, à medida que o mundo se afasta dos combustíveis fósseis que impulsionam as alterações climáticas.

Numa máquina gigante em forma de donut, conhecida como tokamak, cientistas da vila inglesa de Culham, perto de Oxford, foram capazes de gerar um número recorde de 59 megajoules de energia de fusão mantida durante cinco segundos, no dia 21 de janeiro do ano passado. Cinco segundos é o limite a que a máquina consegue suster o poder, antes de os ímanes sobreaquecerem.

Um campo magnético tem de conter as altas temperaturas necessárias para realizar o processo de fusão, que pode chegar até aos 150 milhões de graus Celsius, uma temperatura dez vezes mais quente do que o centro do sol.

"A nossa experiência mostrou pela primeira vez que é possível ter um processo de fusão contínuo, utilizando exatamente a mesma mistura de combustível planeada para futuras centrais de fusão", disse Tony Donné, CEO da EUROfusion, numa conferência de imprensa.

A EUROfusion, um consórcio que inclui 4800 peritos, estudantes e pessoal de toda a Europa, desenvolveu o projeto em parceria com a UK Atomic Energy Authority. A Comissão Europeia também contribuiu com financiamento.

O potencial para a energia de fusão é enorme. A experiência utilizou os elementos deutério e trítio, que são isótopos de hidrogénio, para alimentar a fusão. É provável que esses elementos sejam utilizados na fusão a uma escala comercial e podem ser encontrados na água do mar.

"A energia que se pode obter a partir do deutério e do trítio do combustível é enorme. Por exemplo, alimentar toda a procura elétrica atual do Reino Unido por um dia exigiria 0,5 toneladas de deutério, que poderia ser extraído da água do mar, onde a sua concentração é baixa, mas abundante", disse Tony Roulstone, do Departamento de Engenharia da Universidade de Cambridge, à CNN.

Ele disse que a fusão gerada pelo tokamak, chamada Joint European Torus (JET), era aproximadamente a mesma que uma turbina eólica e que podia alimentar a energia de uma casa durante um dia. "Mas, se gerada repetidamente, poderia alimentar milhares de casas".

Especialistas dizem que os resultados provam que a fusão nuclear é possível e que já não é uma solução irrealista para a crise climática.

"Estes resultados marcantes levaram-nos a dar um enorme passo no sentido de conquistarmos um dos maiores desafios científicos e de engenharia", disse Ian Chapman, CEO da UK Atomic Energy Authority.

Mark Wenman, um investigador de materiais nucleares da Imperial College London, disse numa declaração que os resultados da experiência são "empolgantes" e mostram que "a energia de fusão já não é apenas um sonho de um futuro distante, a engenharia para a tornar uma fonte de energia útil e limpa é alcançável e está a acontecer agora".

O JET esteve sujeito a calor e pressão tão extremos que esta experiência é provavelmente a última que irá realizar.

Mas os seus resultados são vistos como uma enorme vantagem para o ITER, um megaprojeto de fusão no sul de França, apoiado pelos EUA, China, União Europeia, Índia, Japão, Coreia e Rússia. O projeto ITER está 80% construído e visa iniciar a fusão nuclear algures em 2025-26.

Enquanto o objetivo do JET era provar que a fusão nuclear poderia ser gerada e mantida, o objetivo do ITER é produzir um rendimento de energia dez vezes superior, ou 500 MW de energia de fusão, a partir de 50 MW de combustível.

Os resultados são promissores, mas o domínio da fusão nuclear como fonte de energia quotidiana ainda está provavelmente muito longe.

"Os resultados do JET são impressionantes e provavelmente irão melhorar à medida que avançarem com as suas experiências. Estão a produzir 12 MW de alta potência, mas, neste momento, apenas durante cinco segundos. É necessária uma combustão de fusão muito mais longa", disse Roulstone.

O relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) sobre os últimos passos científicos mostra que o mundo tem de reduzir quase metade das suas emissões de gases com efeito de estufa nesta década e atingir zero emissões líquidas até 2050 para manter o aquecimento global sob controlo. Isso significa transitar rapidamente para longe dos combustíveis fósseis, como o carvão, o petróleo e o gás.

Estas ações são necessárias para qualquer esperança de se conter o aquecimento a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, visto como um limiar para agravar substancialmente os impactos climáticos, de acordo com o IPCC.

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