Macron deixará França "completamente polarizada" e em risco de "desaparecer". Porquê?

14 abr 2023, 18:53
Emmanuel Macron (AP)

Depois de uma enorme contestação popular, está aprovado o aumento para os 64 anos da idade da reforma em França

As últimas semanas não têm sido fáceis para Emmanuel Macron. O presidente francês enfrenta uma das maiores ondas de protestos desde que chegou à presidência, em 2017, fruto da polémica reforma das pensões que estabelece, entre outras medidas, o aumento da idade da reforma dos 62 para os 64 anos.

Macron disse prontamente: esta reforma (aprovada esta sexta-feira pelo Conselho Constitucional) é para avançar, quer o povo francês goste ou não. "Alguns não querem enfrentar a realidade, não é um luxo, não é um prazer, [a reforma] é uma necessidade para o nosso país. Alguns encobrem-na e não querem enfrentar as limitações da realidade", disse o chefe de Estado no dia 22 de março, durante uma entrevista aos canais France 2 e TF1.

E o presidente francês não poupou esforços para levar a sua intenção para a frente, recorrendo mesmo ao artigo 49.3 da constituição francesa, que permite contornar a necessidade de aprovação de uma lei pelo parlamento. Para Helena Ferro Gouveia, comentadora da CNN Portugal, a utilização deste mecanismo pelo presidente francês é “legítima”, assim como a argumentação do chefe de Estado.

“Se olharmos para o sistema de segurança social francês, vemos que a prazo é incomportável. França tem uma das taxas de natalidade mais baixas da Europa, aliás a par de Portugal, e uma das idades de reforma mais baixas da Europa. Vários países europeus, nomeadamente a Alemanha, fizeram estas reformas há muito tempo", diz a especialista.

No entanto, aponta um defeito ao presidente, defeito esse que fez com que os principais sindicatos franceses se juntassem - “algo que não acontecia há muito” - e que permitiu que a esquerda radical e a extrema-direita capitalizassem: “A arrogância com que comunicou a medida”. Também o embaixador Francisco Seixas da Costa, máximo representante da diplomacia portuguesa em França entre 2009 e 2013, nota a “atitude arrogante” de Macron em relação ao parlamento.

O desaparecimento eventual de França

Ambos os especialistas consideram que o presidente francês, apesar de estar a sofrer forte contestação, não vai acabar por ser muito impactado pela entrada em vigor do polémico diploma. “Macron e a sua primeira-ministra não terão meses fáceis pela frente, mas, se formos ver, as manifestações de hoje [sexta-feira] não estão a ter grande adesão. Penso que a aposta de Macron é no cansaço das pessoas, no cansaço em protestar”, afirma Helena Ferro Gouveia.

Francisco Seixas da Costa destaca os bons sinais dados pela economia francesa como fator de minimização do descontentamento dos franceses. “Curiosamente, quando no meio desta crise os sindicatos, em particular a CGT, diziam ‘vamos parar França’, França não parou. Os sinais que vêm da economia francesa são extremamente positivos. A economia saiu de 2022 pela positiva, até ao final do ano há a ideia de que poderá ter um crescimento de cerca de 1%. O desemprego, que sempre foi o cavalo de batalha em França, baixou e estabilizou, praticamente ninguém fala no desemprego. “A ideia de que este ano matou Macron para os próximos quatro anos é tentadora no ponto de vista teórico mas eu acho que vai depender essencialmente da economia.”

Para Seixas da Costa, o grande problema está na sucessão ao atual presidente, uma vez que em 2027 Macron não se pode recandidatar devido ao limite de dois mandatos consecutivos imposto pela Constituição. O embaixador sugere os nomes de Édouard Philippe, antigo primeiro-ministro, Gérald Darmanin, ministro do Interior, e Bruno Le Maire, titular da pasta da economia, como potenciais sucessores de Macron no espaço político que ocupa atualmente. Contudo, algumas sondagens, ainda que muito prematuras, dão Marine Le Pen quase certa numa hipotética segundo volta das presidenciais de 2027. “Pode ser que, no susto contra Le Pen, o macronismo encontre uma solução”, afirma o embaixador.

Caso França não consiga encontrar um macronista para suceder a Macron, e a presidência da República caia nos braços de Marine Le Pen, Seixas da Costa é taxativo. “França desaparece, vamos ser claros, França aí desaparece como ator europeu principal”, perspetiva, antecipando um maior afastamento entre França e Alemanha, que tem sido a “aliança operativa” da qual depende o “funcionamento da Europa, particularmente após o Tratado de Maastricht.

Helena Ferro Gouveia, apesar de reconhecer que a Alemanha, que tem “linhas vermelhas muito bem definidas em relação à extrema-direita e à extrema-esquerda”, iria fazer “alguma oposição” a Le Pen, traça um cenário menos dramático. “O eixo franco-alemão tem muitas instâncias que não dependem do chanceler ou do presidente francês, há mecanismos bilaterais de cooperação que continuam a funcionar independentemente da relação entre o ou a chanceler e o ou a presidente francesa.”

À semelhança de Francisco Seixas da Costa, a especialista elenca os nomes de Philippe, Le Maire e Darmanin para uma candidatura de génese macronista e diz que, mesmo que não tenham o mesmo carisma do atual presidente, essa característica não será determinante. “Quando Macron foi eleito também havia muitas dúvidas, a sua imagem foi sendo construída. É uma ilusão pensarmos que os políticos já têm carisma à partida, o próprio poder acaba por conferi-lo. E, mesmo que o carisma seja determinante, não é tudo em política. Hollande chegou à presidência não tendo carisma absolutamente nenhum”, explica. “A ação política: essa sim é determinante - a ação política, a vontade política e a capacidade de comunicar as políticas e de explicar aos eleitores o porquê de se estar a tomar determinadas medidas”, completa.

Porém, a comentadora refere que vai ser difícil ter um candidato de centro-direita forte, dado que o país está “completamente polarizado”. “Olhando para o leque partidário francês, é difícil encontrar aqui alternativas porque Macron conseguiu, de alguma forma, absorver um pouco tudo à sua volta, acabando por sobrar os extremos”, diz Helena Ferro Gouveia. “O Partido Socialista, que representava o centro-esquerda, desapareceu, foi esvaziado. Temos os Republicanos, que Macron também acabou por esvaziar, mas que podem eventualmente ser uma alternativa. E temos o partido do próprio presidente. Mas, de resto, não há mais nenhum”, observa.

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