Impostos sobre a riqueza nunca são um grito de guerra popular em Davos, um recreio para milionários, titãs empresariais e políticos importantes. Mesmo assim, Gabriela Bucher, a diretora executiva da Oxfam International, estava frustrada porque o Fórum Económico Mundial desta semana fez vista grossa.
Os altos preços da energia estão a colocar uma pressão enorme nos orçamentos domésticos em todo o mundo. No início deste mês, as Nações Unidas estimaram que 193 milhões de pessoas em 53 países sofreram “fome aguda” no ano passado - um número que deve aumentar à medida que as alterações climáticas e os preços crescentes dos alimentos atingem populações vulneráveis em todo o mundo.
"É preciso mobilizar recursos para lidar com estas situações - estas situações extremas - com as quais estamos a lidar agora", disse Bucher no único painel sobre tributação do programa oficial de Davos. "Se há algo que pode realmente mudar as coisas são os impostos."
Dada a magnitude da crise, os governos devem pensar seriamente em tributar a riqueza acumulada pelas pessoas mais ricas do mundo, disse Bucher à CNN. Mesmo taxar a riqueza em níveis relativamente baixos, enfatizou, pode fazer uma grande diferença.
De acordo com a Oxfam, um imposto de 2% sobre ativos superiores a 5 milhões de dólares [4,66 milhões de euros], graduado em 5% para patrimônio líquido acima de mil milhões de dólares [932 milhões de euros], poderia arrecadar 2,5 biliões de dólares [2,3 milhões de milhões de euros] em todo o mundo.
Esta ideia de tributação mais progressiva ganhou força durante a pandemia, pois os ricos viram as suas fortunas disparar enquanto milhões de outros foram deixados para trás. A Oxfam estimou num relatório divulgado antes de Davos que cerca de 573 pessoas se juntaram às fileiras dos bilionários desde 2020, elevando o total global para 2.668.
No ano passado, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, propôs taxar milionários sobre ganhos não-realizados nos seus ativos. Neste momento, os impostos são cobrados apenas quando eles são vendidos.
No entanto, os impostos sobre a riqueza não deram azo a muita conversa nos Alpes Suíços esta semana, mesmo quando os participantes soaram o alarme sobre a iminente crise de fome.
"Não vimos uma grande história de sucesso" para os impostos sobre a riqueza, disse o secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, durante o debate do painel. "É verdade que no que diz respeito à justiça percebida e à equidade - em termos de política - é atraente, mas em termos do que realmente alcança em substância, não é tão atraente."
O chefe do Programa Mundial de Alimentos da ONU, David Beasley, disse à CNN que as mudanças climáticas e a guerra na Ucrânia podem gerar fome generalizada no final deste ano. Isso resultaria na desestabilização de muitos países e poderia desencadear uma migração em massa.
“O que parte o coração é que hoje há 430 biliões de dólares [403 milhões de milhões de euros] em riqueza no Planeta Terra”, disse Beasley. Quando a sua organização "não tem dinheiro suficiente", continuou ele, precisa de "escolher que criança vai comer".
No ano passado, Beasley entrou num confronto no Twitter com o CEO da Tesla (TSLA), Elon Musk, depois de pedir que ele investisse 2% da sua fortuna, o que, segundo ele, resolveria a fome no mundo. Beasley disse à Reuters esta semana que continua esperançoso de que Musk ou outro indivíduo rico se posicione, e disse que continua disposto a envolver-se.
Ele provavelmente não deveria contar com Musk. No Twitter na quinta-feira, Musk disse: "O uso da palavra 'bilionário' como pejorativo é moralmente errado e estúpido", e concordou com um comentário de que os bilionários são mais nefastos quando gastam o seu dinheiro para "fazer o bem".
Construir pressão
Mas, à medida que o aumento do custo de vida se torna um grande problema para as famílias de baixo rendimento em países desenvolvidos e em desenvolvimento, os governos estão cada vez mais dispostos a implementar medidas que haviam evitado anteriormente.
O governo do Reino Unido fez na quinta-feira uma reviravolta política e introduziu um imposto de seis mil milhões de dólares sobre os lucros das suas empresas de petróleo e gás, para financiar a ajuda com contas de energia, cedendo à pressão de ativistas que apontaram que muitos britânicos agora tinham de escolher entre "aquecer e comer".
No fórum, os impostos sobre a riqueza continuaram a ser um ponto de discussão de segunda linha. Para Phil White, um milionário britânico que viajou a Davos para um pequeno protesto que pedia impostos mais altos para os ricos – inclusive sobre ele próprio – esta foi uma oportunidade perdida.
"Vamos ver a crescente desigualdade tanto do aumento dos preços da energia quanto dos alimentos", disse White. "Os impostos sobre a riqueza podem desempenhar um papel imediato sobre isso."