O português que humanizou a figura séria e corrupta de João Havelange

27 out 2022, 22:54
El Presidente

Albano Jerónimo encarna o papel do antigo presidente da FIFA, numa série internacional que estreia na próxima sexta-feira, dia 4 de novembro, na Amazon Prime Video. O Maisfutebol esteve à conversa com o ator, e com a bela Maria Fernanda Cândido, para perceber o que se pode esperar em mais esta produção do vencedor de um Óscar Armando Bó.

Dois atores que não são propriamente apaixonados por futebol juntaram-se a um argumentista fanático por Lionel Messi para criar uma série que conta boa parte da história do jogo.

Um dos atores, que desempenha o papel principal, é o português Albano Jerónimo, que garante que encontrou nesta série a oportunidade que precisava nesta fase da carreira.

O português juntou-se a nomes consagrados como Maria Fernanda Cândido, Eduardo Moscovis, Anna Brewster (Star Wars) ou o vencedor de um óscar Armando Bó, para nos mergulhar na história de João Havelange. Ou antes, para nos mergulhar na história do futebol.

«El Presidente - jogo da corrupção» estreia já na próxima sexta-feira, dia 4 de novembro, na Amazon Prime Video, e durante oito episódios vai percorrer quase trinta anos da FIFA.

«O trabalho que o Albano Jerónimo fez dá-nos a oportunidade de ir além dessa visão estereotipada que nós temos sobre João Havelange, olhando muito, é claro, por esse lado pejorativo das coisas que aconteceram, mas tendo ao mesmo tempo a capacidade de dar uma dimensão humana a essa personagem», conta Maria Fernanda Cândido ao Maisfutebol.

«Vamos detestá-lo em muitos momentos, mas vamos também amá-lo em outros. Vamos perceber o homem, as suas dificuldades, as suas imperfeições, a sua força, a sua garra, enfim. Eu acho que a série propõe, além do entretenimento e da diversão, também uma reflexão sobre o que nós fazemos das nossas próprias paixões.»

Nesta altura vale a pena lembrar que esta já é a segunda temporada de El Presidente. Na primeira, lançada em 2020, o argumentista Armando Bó olhou para os casos de corrupção na FIFA pelo prisma do chileno Sergio Jadue: o antigo presidente da federação chilena.

Nesta segunda temporada, Sergio Jadue surge como narrador da história e dá o toque de humor à série. Sim, que nesta história de corrupção no futebol há muita ironia, muita comicidade.

Há também bons diálogos e uma excelente caracterização de época.

A obra começa nos anos 60 e curiosamente no Brasil-Portugal do Mundial 66. Depois percorre quase cinquenta anos da história de João Havelange, do futebol e da situação política no Brasil.

«O Havelange tinha uma expressão em que dizia ‘futebol é futebol e política é política’. Com esta série, nós dizemos futebol é política e política é futebol», sublinha Albano Jerónimo.

«Acho que a série não é só para quem gosta de futebol. Vai mais além e tem história, contada com profundidade, com delicadeza, com sensibilidade», adianta Maria Fernanda Cândido.

«Além do futebol, a série tem muita política, não é? É uma série absolutamente política. Inclusivamente, se pararmos para pensar, temos também todo o período da ditadura no Brasil. Mas ela não é só sobre o Brasil ou só sobre o futebol, é especificamente sobre o ser humano e todas as suas relações culturais, políticas, económicas e sociais.»

«Esta série conta histórias de personagens com profundidade e com sensibilidade»

Maria Fernanda Cândido desempenha o papel de Anna Maria, a mulher de João Havelange, e confessa que não teve dúvidas que queria fazer a série logo quando que leu o argumento.

«A informação sobre Anna Maria é praticamente inexistente. Não existem documentos, fotos ou informação. Por isso, e já que eu não tinha o compromisso com uma personagem da realidade, quis trazer para a série a existência de uma mulher dentro de um universo absolutamente masculino, numa época e num contexto em que o patriarcado era muito forte. Foi isso que eu tentei: mostrar o lado de uma mulher em que ela é um objeto, ela é a esposa e vai percorrer um arco em que no fim ela já não será um objeto. Ela será sim o sujeito da sua própria existência», confessou a atriz, muito conhecida em Portugal da novela Terra Nostra.

«No início eu não sabia se poderia contribuir muito porque eu pensei: caramba, o futebol não é algo que eu conheça profundamente, não faz parte da minha vida no dia a dia, como é que eu vou poder contribuir? Quando eu percebi que nós teríamos essa possibilidade de aprofundar as personagens, e isso eu vi logo no início, na fase dos testes, eu quis muito fazer este trabalho. Senti que havia uma possibilidade muito grande de contar histórias de personagens com profundidade e com sensibilidade.»

Todas estas histórias de personagens, e são várias as personagens que entram na série, do ditador ao corrupto, do trafulha ao xenófobo, do arrogante ao comunista, andam em torno de uma figura maior. João Havelange, pois claro. Que é acompanhado desde que ainda muito novo chegou à presidência da Confederação Brasileira dos Desportos.

«Eu baseei a criação das personangens no documentário da Rede Globo e na biografia dele, mas sobretudo falei com pessoas que viveram com ele, que foram contemporâneos, e fiz um trabalho profundo de dentro para fora: porque aquilo que nos interessava, a mim e ao Armando Bó, era construir um João Havelange que que nos trouxesse aquele lado que não está visível no que se pode alcançar através do Google», conta Albano Jerónimo.

«Quisemos humanizar este João Havelange, que na realidade tinha uma figura muito séria e pouco expressiva. Por isso quisemos humanizá-lo. Na série conseguimos ver isso muito bem, porque Havellange é um underdog, que começa de baixo, e tem a capacidade de mudar o futebol como nós o conhecemos, deixando de ser apenas um desporto e passando a ser um negócio. O foco foi descobrir o erro neste homem e o erro aqui está intimamente ligado com esta característica: humanizar este tubarão quase hermético. No erro existe sempre a possibilidade de construção e era um bocadinho isso que eu queria fazer.»

«As grandes figuras como João Havelange são incoerentes: têm gaps, têm buracos, têm falhas»

João Havelange foi, recorde-se, um brasileiro de ascendência belga, nascido Jean Marie Havelange, mas que mais tarde optou por mudar o nome para João. Filho de um comerciante de armas, cresceu no Rio de Janeiro e herdou provavelmente do pai a capacidade de se movimentar em cenários difíceis.

Mas nunca deixou aquele ar europeizado, austero, de quem está sempre sisudo e vigilante.

«Como as grandes figuras dos nossos tempos, e João Havellange é uma grande figura da cultura brasileira do século XX, estes grandes homens são incoerentes. Têm gaps, têm buracos, têm falhas. O Havelange de facto teve um mérito brutal, por exemplo ao abrir o futebol para a perspetiva feminina, ao dinamizar o negócio, ao potenciar os direitos de imagem, ao mercantilizar o futebol, se quisermos dizer assim», adianta Albano Jerónimo.

«Mas, ao mesmo tempo, como é que este homem adquiriu tanto poder? Isto está cheio de recantos, mais sombrios e obscuros. Uma das coisas que mais me fascinam no Havelange é a paciência, o saber esperar ou, dito de outra forma, saber o lugar que ocupa para depois o dinamitar e chegar mais longe. E isto implica inteligência e um grande jogo de cintura.»

Albano Jerónimo admite nesta conversa com o Maisfutebol que não gosta de futebol, nem segue a modalidade, pelo que desempenhar o papel de um personagem tão rico acabou ser desafiante. Sobretudo porque Havelange foi, por detrás daquela máscara, um personagem rico.

«Esta série foi uma possibilidade de me educar no que diz respeito ao futebol, na perspetiva de saber como é que isto funciona. E esta série traz à superfície exatamente este modus operandi, como é que as coisas funcionaram até chegarmos aos dias de hoje e ao Mundial do Qatar. Tive que me informar sobre o que era o FIFAgate e todos esses football leaks da vida. Tinha obviamente de conhecer muito bem por dentro o que é que estava a acontecer.»

O ator confessa, de resto, que mergulhou completamente na personagem. Por um lado, porque foi, diz ele, o maior desafio da carreira e, por outro, porque era a oportunidade que aguardava.

«Estas oportunidades não surgem muitas vezes. Nunca tinha feito o protagonista de uma série internacional, e sim foi uma prova de fogo imensa. Agora, já com 43 anos, esta experiência acho que veio na altura certa. Saber esperar é uma grande virtude e o que se passou aqui foi saber esperar o momento certo», sublinhou.

«Passei por oito castings para ficar com este papel, é muito trabalho e fazendo um paralelismo com a escalada do João Havelange, espero que isto seja só mais um degrau a caminho de outra coisa que me faça feliz.»

O resultado deixou-o satisfeito, sobretudo porque foi de encontro ao que o diretor Armando Bó pretendia para a personagem: e uma grande preocupação dele, adianta, é respeitar a criação de quem pensa a obra.

O português espera agora que também o público goste da interpretação que fez de João Havelange, consciente de que a série tem tudo para ser um sucesso: história, profundidade, bons diálogos e personagens ricas.

A partir de dia 4 de novembro, num ecrã perto de si.

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