Cidade do FC Porto: radiografia de um sonho adiado (e o preço que isso custa)

28 abr 2023, 09:19
Local do projeto para a Cidade do FC Porto, São Mamede de Infesta (Foto: Ricardo Jorge Castro)

Ao longo dos últimos sete anos, a Academia portista tem sido uma ambição repetidamente diferida. Começou por ser falada para a Maia, depois passou para Matosinhos, agora voltou à Maia. As promessas de Pinto da Costa tardam em passar ao betão e enquanto isso a formação do clube parece perder influência para os rivais. É verdade que o FC Porto está numa região naturalmente rica em talento, mas sem uma estrutura capaz torna-se cada vez mais difícil convencer os miúdos (e sobretudo os pais).

A primeira vez que se falou de um Centro de Formação do FC Porto foi em 2016, durante a campanha eleitoral de Pinto da Costa para um novo mandato. Foi o próprio presidente quem lançou a ideia, que reforçou mais tarde numa entrevista ao Jornal de Notícias.

«O meu grande projeto para o futuro é fazer um centro de treinos para os jovens. Estamos em conversações com a Câmara da Maia», começou por garantir Pinto da Costa.

«O futuro do clube tem de passar pela formação. O FC Porto tem de ter jovens que possam vir a representar o FC Porto. Como o Ruben Neves ou o Rui Pedro. Não se pode constituir uma equipa de juniores ou B à base de nigerianos que um dia estão aqui e noutro não. Fazer este centro não é uma promessa, é um desejo.»

Desde então passaram sete anos e nada aconteceu. Mas vamos por partes.

Ainda em 2016, por exemplo, Luís Gonçalves garantia em entrevista a O Jogo que já havia acordo com a Câmara Municipal da Maia para a construção da infraestrutura.

«O FC Porto está a precaver-se em termos de estruturas para a formação. Tem um acordo com a Câmara Municipal da Maia para um centro de formação. Se esse é nosso futuro, temos de ter infraestruturas. Nunca esquecendo que podemos ter todas as infraestruturas, mas sem bons recursos humanos não vamos lá», referiu na altura o diretor geral da SAD portista.

«O FC Porto tem matéria-prima e investe na formação para ter resultados. E os resultados são jogadores de primeira equipa. O FC Porto tem de voltar a ser uma escola de conhecimento.»

Enquanto isso, o Sp. Braga começou a construir a sua Cidade Desportiva em 2016 e concluiu a obra um ano depois. O que lhe permitiu dar um salto qualitativo enorme na formação.

Já o centro de formação do FC Porto só voltou a ser notícia em setembro de 2018, na altura da celebração dos 125 anos do clube: foi então apresentado como a obra que faltava.

Falava-se que a localização ficaria entre a Maia e Matosinhos, que as obras iriam arrancar durante o ano de 2019 e que o clube sentia que estava a ter dificuldades no recrutamento por não ter uma estrutura digna.

A esse propósito, aliás, vale a pena lembrar o que aconteceu com Francisco Trincão.

O agora avançado do Sporting foi descoberto pelo FC Porto quando tinha 10 anos e convidado a integrar as camadas jovens do clube. Natural de Viana do Castelo, tinha de fazer todas as semanas duzentos quilómetros até ao Porto, na companhia do pai, para jogar de azul e branco.

Ao fim de meio ano, tanto o pai como o miúdo começaram a questionar-se se valia a pena o esforço. Concluíram que não, pediram dispensa e Trincão regressou para o Vianense. Na época seguinte mudou-se para o Sp. Braga, onde fez toda a formação até ser vendido por 30 milhões.

O terreno de oito hectares em Matosinhos que provocou um desmentido da autarquia

Voltando ao sonho de um centro de formação do FC Porto, importa dizer que na cronologia desta história se seguiu o ano 2020, o fim do mandato de Pinto da Costa e nova recandidatura do presidente.

Foi nessa altura, em maio de 2020, que foi lançado um documento a que se chamou «compromisso», através do qual se falou pela primeira vez na «Cidade do FC Porto».

«Apesar de várias dificuldades, nos últimos anos tivemos capacidade para formar uma extraordinária geração de jogadores, que alcançou o topo da Europa e que já começa a dar cartas ao mais alto nível. Acredito que o sucesso do FC Porto no presente e no futuro passa por muitos desses atletas, e tenho a convicção de que poderemos fazer ainda mais e melhor quando entrar em funcionamento, durante o próximo mandato, a Cidade do FC Porto, um conjunto de instalações de ponta que será muito mais do que um centro de treinos ou de estágio», escreveu Pinto da Costa.

Pouco depois, no início de junho, até se avançou que a localização da nova infraestrutura ficaria na zona da Amieira, em São Mamede de Infesta [cujo terreno ilustra a foto de capa deste artigo].

«Temos um terreno de oito hectares no concelho de Matosinhos. O plano diretor já está alterado e o de pormenor já foi aprovado pela Câmara Municipal. Prevê sete campos de futebol de 11, um deles com bancada para 2500 lugares, e dois campos de futebol de sete. Terá uma zona residencial, um lar, um hotel para 100 camas e temos dois tipos de financiamento aprovados», explicou o presidente do FC Porto.

Pinto da Costa garantiu, de resto, que faltava apenas definir o tipo de financiamento para iniciar a construção, mas acabou por ser desmentido poucos dias depois pela própria Câmara Municipal de Matosinhos em comunicado.

«A Câmara Municipal de Matosinhos encontra-se a analisar um Pedido de Informação Prévia (PIP) que demonstra a intenção do Futebol Clube do Porto em instalar um complexo desportivo, com várias valências, no lugar da Amieira, na freguesia de São Mamede Infesta. Até ao momento ainda não aprovou nenhum PIP, nem nenhum Plano de Pormenor, nem alterou o Plano Diretor Municipal para esta área», podia ler-se.

A hipótese São Mamede de Infesta voltou a cair, por isso, no esquecimento, durante cerca de dois anos.

O regresso à Maia e o contrato assinado com o arquiteto Manuel Salgado

A 23 de abril de 2022 Pinto da Costa celebrou 40 anos de presidência e voltou a apresentar a academia portista como o grande sonho que ainda o alimenta.

«O que me falta, em termos práticos, e estou convencido que vai acontecer - agora mais do que nunca, e não posso dizer mais do que isto - é fazer o nosso centro de estágio. O meu mandato acaba daqui a dois anos e estou convencido que daqui a dois anos teremos o nosso centro de estágio», garantiu o presidente portista em entrevista à Revista Dragões.

«Não me pergunte onde nem com quem, mas repito que estou agora convencido de que vamos ter o nosso centro de estágio pronto daqui a dois anos. E depois o que me falta é ir embora.»

Dois meses depois, em entrevista ao Porto Canal, Pinto da Costa revelou que a obra já estava em andamento «e a passo acelerado».

«Está em andamento, a passo acelerado e tenho esperança que, quando terminar o meu mandato em maio de 2024, se não estiver pronto, que estará em fase muito adiantada. É uma necessidade grande. Não vou estar a abrir o jogo nem a revelar onde é, mas posso dizer que estamos a trabalhar afincadamente», referiu.

Quatro meses depois, em novembro, o FC Porto aproveitou a Assembleia Geral para anunciar aos associados que a Academia iria nascer afinal na Maia.

A 30 de novembro, o jornal O Jogo informou que a infraestrutura ficaria no chamado «Parque Millenium», em Nogueira da Maia, e que já tinha sido assinado um contrato com a empresa do arquiteto Manuel Salgado para a elaboração do plano estratégico.

A autarquia acrescentava que estavam a decorrer «estudos no âmbito do Master Plan» e que devido à complexidade da obra ainda era «cedo para falar dos contornos do projeto e da sua concretização», mas que o diálogo institucional era «reciprocamente profícuo».

Recentemente, no início deste mês de abril, Pinto da Costa falou pela última vez do tema. Fê-lo em declarações aos jornalistas, antes da vitória no clássico com o Benfica, no Estádio da Luz.

«Estamos a fazer um forcing para conseguir o centro de estágio que esperamos possa arrancar em breve. As eleições não são uma preocupação neste momento.»

O atual mandato, recorde-se, termina em maio de 2024. Falta cerca de um ano, portanto, e parece certo que a Cidade do FC Porto não estará pronta até lá.

Ao fim de sete anos de promessas e ambições, concluir a obra dentro deste mandato parece a menor das preocupações portistas. Importante, sim, é que a obra surja e que seja uma solução para o clube. Que permita, enfim, recuperar o atraso de quinze anos em relação a Benfica, Sporting e sobretudo em relação ao novo player na região norte chamado Sp. Braga.

Cada vez mais difícil convencer o talento de fora da região em comparação com os rivais

O que se disse atrás da experiência de Francisco Trincão, de resto, é apenas um exemplo. Como ele há dezenas de outros miúdos que parecem fugir ao radar do FC Porto.

O Maisfutebol falou com um pai de um jovem jogador e com um empresário habituado a trabalhar com o clube, os quais não aceitam ser identificados, mas que apresentaram a mesma crítica: o atraso relativamente aos rivais.

Basicamente, apresenta-se cada vez mais difícil ao clube convencer os miúdos mais promissores de fora da zona do Porto, e sobretudo os pais deles.

«Muitos familiares da região norte preferem enviar os miúdos para Lisboa, para as academias de Benfica ou Sporting, e fazer todos os fins de semana 500 ou 600 quilómetros de viagem para visitar o filho, do que deixá-los no FC Porto, muito mais perto de casa», referiu, por exemplo, o empresário.

As razões são várias, mas sobretudo prendem-se com a inexistência no FC Porto de uma academia. Enquanto Benfica, Sporting e até Sp. Braga têm centros de estágio bem organizados, dos quais os miúdos só saem para ir à escola, o FC Porto tem para oferecer apenas a remodelada Casa do Dragão, com lugar para 30 jovens e sem estruturas de apoio escolar ou desportivo.

Para além disso, as academias dos rivais estão bem equipadas com vários relvados, ginásios, departamentos médicos e de performance, gabinetes de nutrição, refeitórios, salas de estudo, salões de jogos, departamentos escolares, enfim. Já os jovens portistas têm só a Casa do Dragão, na Rua Costa Cabral, no centro da cidade, com muito menos capacidade e que apenas serve para viver, comer e estudar.

Diariamente, os jovens são levados em carrinhas para as escolas (alguns comparticipam na mensalidade e estudam no Colégio Júlio Dinis, a maior parte dos outros frequenta a pública António Nobre), depois trazidos de novo para a Casa do Dragão para almoçar e transportados mais tarde aos campos onde treinam.

Refira-se, a esse propósito, que as equipas jovens do FC Porto estão espalhadas por vários campos. Os mais pequenos, que integram a Dragon Force, treinam na Constituição, os juniores e bês treinam no Olival, as outras equipas (sub-17, sub-16, sub-15) trabalham em campos no Ismai, em Rio Tinto ou em Vila Nova de Gaia.

Por tudo isso, o FC Porto tem vindo nos últimos anos a enfrentar o sério risco de perder talentos para Sporting, Benfica e Sp. Braga, que nesta altura oferecem muito melhores condições de treino e crescimento.

É verdade que o clube portista continua a ter a vantagem de estar inserido numa região com muito talento natural, ao que se soma o facto de haver cada vez mais miúdos genuinamente portistas (consequência de anos e anos de vitórias da equipa principal), mas a capacidade de recrutamento fora da sua zona de influência parece cada vez menor em comparação com os rivais.

O que foi possível perceber das conversas, é que mais difícil do que convencer os miúdos tem sido convencer os pais dos miúdos. Que são quem verdadeiramente toma as decisões.

Até porque a estrutura da Visão 611, que esteve na origem das gerações que venceram a Youth League e a II Liga, tem vindo a ser desfeita com a saída de vários treinadores.

Refira-se por fim que o Maisfutebol contactou o FC Porto para fazer este artigo, mas não obteve respostas às perguntas.

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