Duk a dar cartas no Aberdeen: «Já tenho um bom mix de golos»

6 abr 2023, 09:16
Luís Duk

Luís Duk foi duas vezes dispensado pelo Sporting, chegou ao Benfica e foi melhor marcador em três escalões da formação, mas ficou à porta da equipa principal. Agora está a dar cartas na Escócia e acabou de ser eleito melhor jogador do mês de março

Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@tvi.ptrgouveia@tvi.pt ou vemaia@tvi.pt 

Luís Henrique Barros Lopes ou simplesmente Luís Duk, em nome do pai. Foi dispensado do Sporting por ser baixinho, depois evoluiu de central para avançado, transformou-se numa verdadeira máquina de golos e chegou ao Benfica.

No Seixal foi o melhor marcador da equipa em três escalões diferentes, subiu todos os degraus da formação, sob a forte concorrência de jogadores como João Félix, Gonçalo Ramos ou Jota, mas ficou à porta da equipa principal.

Agora está a dar cartas na Escócia, já é um dos estandartes do Aberdeen, com direito a cântico especial em Pittodrie e acaba de ser eleito melhor jogador do mês de março na liga escocesa.

Venha daí conhecer o goleador silencioso que já tem mais golos do que Jota, a referência do ataque do Celtic, e que já está sob a mira de vários clubes da Premier League.

Antes de mais, parabéns pelo prémio de melhor jogador do mês de março da liga escocesa.

Muito obrigado.

Marcaste três golos em dois jogos em março, estás num bom momento?

Penso que sim, mas já desde o início da época, tenho feito sempre bons jogos. Não comecei a época como titular, mas desde que cheguei à titularidade tenho tido um bom desempenho de forma regular. No mês passado acabei de sobressair um pouco mais pelos golos que marquei. Toda a equipa está numa excelente forma, mas calhou-me a mim o prémio.

Tens noção que não é normal ganhar esse prémio sem estar a jogar no Glasgow Rangers ou no Celtic? Antes de ti, esta época, só tinha ganho o Kevin Nisbet , do Hibernian.

Sei disso. Quem domina aqui na Escócia são o Celtic e o Rangers. Ganhar esta distinção é muito difícil, sinto-me muito feliz e lisonjeado.

Reparei na publicação que fizeste no Instagram. Recebeste muitos elogios de antigos companheiros da formação. Vi comentários do Tiago Gouveia (Estoril), Umaro Embaló (Fortuna Sittard), Nuno Tavares (Marselha), Samu Soares (Benfica)…deixaste muitos amigos em Portugal?

São meus amigos desde a formação, falamos sempre, felicitamos-nos uns aos outros quando as coisas correm bem. E quando as coisas não correm tão bem, também ligamos para dar uma forcinha.

O Jota também fez a formação contigo no Benfica, está num grande da Escócia, no Celtic, mas tem menos três golos do que tu [Jota, 12 golos/36 jogos; Duk, 15 golos/35 jogos). Há algum despique entre os dois nesse capítulo?

Vamos falando, somos amigos. É normal as pessoas fazerem essas comparações, viemos os dois do Benfica, mas não há despique nenhum. O Jota é um grande jogador, tem grandes qualidades, é mais uma grande referência para mim. Quando ele teve a oportunidade de vir para cá, vi que ele estava a destacar-se bem, estava a ter um papel muito importante no Celtic e isso ajudou-me a decidir vir para aqui.

Vamos voltar um pouco às tuas origens, és de 2000, nasceste ainda em Cabo Verde?

Sim, nasci em Santiago, Cidade da Praia. O meu pai, quando eu tinha um ou dois anos, veio para Portugal. Depois quando já tinha seis, a minha mãe também foi, mas eu só fui quando já tinha nove.

Tens memórias de Cabo Verde, já jogavas à bola?

Tenho memórias bem vivas. Comecei a jogar com o meu pai, ele já jogava à bola, nunca atingiu níveis muito altos, mas também foi jogador.

O teu pai já era conhecido por Duk, herdaste a alcunha do teu pai?

Sim, a alcunha era dele. Depois quando cheguei a Portugal, fui jogar para o Montelavares, o clube da zona onde morava. Só conheciam o meu pai, a mim não me conheciam e começaram-me a chamar Duk Júnior. Ficou o Duk até hoje.

Em Portugal, aos 9 anos, começas a jogar no Montelavarenses?

Sim, comecei lá como central em futebol sete. Era central, mas já marcava muitos golos.

Chamaste a atenção do Sporting?

Sim, tinha ainda dez ou onze anos, fiquei muito feliz por ter lá chegado, mas não correu muito bem. Morava muito longe, não tinha muitos meios e a adaptação foi um bocadinho complicada. Acabei por voltar ao meu clube.

Ainda no Sporting, jogaste com o Chiquinho (Wolverhampton), com o Raphael Camacho (Aris)…

Sim e também com o Nuno Tavares (Marselha) que depois também apanhei mais tarde no Benfica. Havia muitos craques lá.

Foste dispensado do Sporting por ser baixinho para central?

Talvez tenha sido por isso, ainda não tinha crescido tudo. Voltei ao Montelavarenses ainda como central, mas mesmo como central, marcava mais golos do que os pontas de lança. Subia muito no terreno. Só comecei a jogar como avançado quando passei para o futebol de onze.

Como foi essa passagem de central para avançado?

Foi fácil, já marcava muitos golos como central, passei foi a jogar mais perto da baliza e marcava ainda mais.

Foi aí que explodiste definitivamente, 45 golos na primeira época, mais 50 na segunda…

Aí já jogava como ponta de lança, fazia cinquenta golos por época.

O Montelavarense foi um marco importante no início da carreira, não?

Sim, sem dúvida.

A seguir ainda jogas pelo Oeiras…

Foi na minha primeira época no futebol nacional. Correu muito bem, marquei 24 golos em 25 jogos no campeonato de sub-15. Depois acabei a época nos juvenis A e ainda marquei mais uns golos.

O treinador do Oeiras era o Roberto Rocha que continua a ter uma ligação forte contigo, certo?

Foi ele que me descobriu lá na terrinha (Monte Lavar), deu-me oportunidade de ir para o Oeiras, foi meu treinador nessa primeira época. Desde aí acompanhou-me sempre. No final dessa época, ele desligou-se do Oeiras e ajudou-me a arranjar clube. Desde aí, tem estado sempre comigo, trabalha com os meus agentes e tem sempre uma palavra muito forte sobre os meus passos.

É ele que te leva para o Belenenses?

Sim, fui jogar com os mais velhos, era juvenil B, mas fui jogar com os juvenis A. Jogava pouco, mas quando jogava marcava sempre. Marquei dois golos ao Sporting (2-2).

No final dessa época, tens outra vez o Sporting e o Benfica atrás de ti?

Ainda antes de ir para o Oeiras, fui fazer uma semana de treinos ao Sporting. Estive lá uma semana, mas não me quiseram.

Depois é que surge a oportunidade de ires para o Benfica?

Eu na minha cabeça sempre quis ir para o Benfica, mas naquela altura o Benfica tinha um grupo de jogadores muito forte, era um grupo mais fechado. Era mais fácil entrar no Sporting. O Benfica foi buscar-me, já a meio da época, ao Belenenses.

Era o que tu querias…

Foi muita felicidade, era o clube do meu coração, ainda por cima tem a melhor formação de Portugal e talvez até do mundo. Não tinha como dizer que não.

Roger Schmidt disse há pouco tempo que o Benfica, ao nível de condições de trabalho, está entre os melhores da Europa. Sentiste isso enquanto lá estiveste?

Senti muito isso. Quando falo com os meus colegas que estão em grandes clubes eles também me dizem isso. No outro dia falei com o Nuno Tavares (Arsenal/Marselha) sobre as condições que tínhamos no Benfica e ele disse “esquece”, o Benfica é o melhor do mundo, mesmo em relação ao Arsenal ele diz que o Benfica está milhas à frente em termos de condições.

Na primeira época no Benfica começas nos sub-17 (12 golos) e acabas nos sub-19 (17 golos)? 29 golos no primeiro ano, é assim que te apresentas, com golos?

Sim, comecei muito bem, depois só não marquei mais nos juniores porque no Benfica há sempre aquela fase no final da época em que os juniores de segundo ano que estão na equipa B baixam para jogar nos juniores. Desceram João Félix, Jota, Florentino, David Tavares, o Gedson Fernandes, portanto, tive que ir para o banco. Na fase final praticamente não joguei.

Não faz confusão aos jogadores essas mudanças de equipas a meio da época? Juniores, Sub-23, equipa B?

Faz um bocadinho, mas se estiveres sempre focado é tranquilo. É óbvio que queremos sempre jogar o mais acima possível, mas todas as etapas são importantes. É desfrutar e dar o máximo para poderes chegar lá.

Em qualquer das equipas, tinhas sempre uma forte concorrência no ataque. O Benfica tinha o Tiago Dantas, Gonçalo Ramos, João Félix, Zé Gomes, Csoboth, Mésaque Djú, Jota…

Era tudo malta com muita qualidade. Tinha que comer o meu queijinho e, se tivesse uma oportunidade, tinha de marcar golos, mas isso foi algo que sempre esteve comigo. Eu via-os como grandes jogadores, mas também tinha consciência da minha qualidade. Trabalhava para ter oportunidades e quando entrava tentava fazer golos.

Desse grupo, o João Félix subiu depois muito depressa. Equipa principal e, logo a seguir, Atlético Madrid. Foi uma inspiração para vocês?

Claro que foi, mas todos sabíamos da qualidade do João Félix e sabíamos que a qualquer momento ele podia dar um salto para um grande do futebol europeu.

E o Gonçalo Ramos, agora é titular no Benfica, como era nessa altura?

Foi um jogador em que durante a formação ninguém deu muito por ele. Jogava a médio, jogava a extremo, às vezes jogava a ponta de lança, mas fez sempre o seu trabalho e nos últimos anos de formação destacou-se bastante. Não estou surpreendido com o percurso dele porque habituei-me a vê-lo no final da formação, trabalhava ao lado dele e percebi que também ia chegar longe. Agora está com um futebol excelente, muita gente não estava à espera. Cheguei a viver com ele lá no Seixal, vivemos na mesma casa. É um grande amigo meu. Acompanho-o aqui todas as semanas, sempre a torcer por ele. Está a destruir aí.

Na parte final, ficaste mais fixo na equipa B e jogaste menos...

Nunca fui titular na equipa B, joguei pouco e isso travou um pouco o meu desenvolvimento no futebol. Jogava o Félix, o Gonçalo Ramos e o Henrique Araújo que era a grande aposta do clube. A equipa B só jogava com um na frente e eu jogava muito pouco. Mas quando jogava, marcava sempre (8 golos na última época).

Chegaste a treinar com a equipa principal, mas a sensação é que ficaste à porta, foi isso que sentiste?

Sim, de vez em quando ia treinar com a equipa principal, mas fiquei à porta. Para ingressar na equipa principal do Benfica é muito complicado. É preciso ter sorte, é preciso as estrelas alinharem-se todas. Mas o Benfica não forma só jogadores para a equipa principal. Eu sou a prova disso. Estou agora aqui, estou bem. Fiz uma boa formação e estou a destacar-me aqui.

Foste melhor marcador do Benfica em três escalões diferentes. Não ficou a faltar uma oportunidade na equipa principal para fechar o ciclo?

Claro, sou benfiquista. Sonho um dia voltar a casa, como qualquer benfiquista.

Como surgiu esta oportunidade de ires para a Escócia e para o Aberdeen?

Sinceramente, não conhecia o clube, o meu empresário apresentou-me o clube, mas eu não estava muito inclinado. Quem me incentivou a vir para aqui foi o meu pai.

Ligaste ao Jota para saber como era a liga escocesa?

Quando assinei contrato e cheguei cá ele ligou-me, explicou-me as coisas, ofereceu-se para me ajudar no que precisasse. Ele está aqui na Escócia, mas está a uma longa distância. Ele e o Jair [Tavares, jogador do Hibernian] estão perto um do outro, mas eu estou no norte, é longe.

O Aberdeen é um clube histórico, chegou a ganhar uma Taça das Taças, em 1983, sob o comando de Alex Ferguson, mas nos últimos anos tem estado arredado da luta pelo título. Como é que é o Aberdeen hoje em dia?

É um clube que eu não conhecia, mas quando cheguei percebi que é um clube grande, com muita massa associativa. Tem algumas semelhanças com o Benfica, já foi grande na Europa, mas agora está numa fase de reconstrução.

O plantel do Aberdeen tem dez nacionalidades diferentes, mas reparei és o único a falar português. Nem um brasileiro para ajudar?

Eu vim para cá a pensar nisso, que pelo menos um brasileiro haviam de ter, como há em todas as equipas, mas não, são só escoceses, irlandeses, ingleses… Foi complicado no início, mas adaptei-me bem.

Como é que era o teu inglês? É que o sotaque escocês também não é nada fácil…

Entendia bem o inglês, mas falava pouco. Agora estou muito melhor. Eles têm um sotaque muito complicado de entender [risos].

Disseram-me que tu não és de falar muito, mas, de vez em quando, soltas uma piada e metes o balneário todo a rir. Confirmas?

É mais ou menos isso, sim.

O Aberdeen está no quarto lugar, a um ponto do Hearts. O Hearts é o grande rival do Aberdeen?

Aqui na Escócia, tirando o Celtic e o Rangers, os outros clubes são todos muito competitivos. Esta época o Hearts tem sido um grande rival, estão a fazer uma grande época, mas nós estamos convictos que ainda vamos chegar ao terceiro lugar e às competições europeias.

Começaste a época como suplente, mas sempre que entravas marcavas um golo…

Quando fui contratado foi, sem expetativa nenhuma, como terceiro ponta de lança, mas senti que, mais tarde ou mais cedo, ia agarrar o meu lugar no onze e foi isso que aconteceu. Estive sempre a trabalhar bem e quando tive as minhas oportunidades, quer seja cinco, três ou dois minutos, dava o máximo e marcava os meus golos. Ao fim da sexta ou da sétima jornada deram-me a titularidade e nunca mais saí.

O teu primeiro jogo como titular foi precisamente contra o Hearts. Marcaste um golo, fizeste uma assistência e o Aberdeen venceu por 2-0….

Foi um jogo marcante, foi um grande jogo. Marquei um golo, fiz uma assistência e fui o melhor jogador em campo. Foi a grande catapulta para a época que estou a fazer.

A partir daí foste sempre titular e marcaste mais doze golos…

É verdade…

Golos para todos os gostos. Marcaste um livre direto ao Glasgow Rangers, tens golos de cabeça, tens um de calcanhar ao Dundde United e ainda outro, espetacular, com um remate acrobático…

Esse foi uma meia bicicleta ao Ross County. Tinha o de calcanhar a Dundee. Tem sido um bom mix de golos sim. Tem corrido bem, tenho marcado bons golos, mas o mais importante é que elas [as bola] vão lá para dentro.

Já tens um cântico dos adeptos dedicado a ti em Pittodrie. É um privilégio?

Sim, gritam o meu nome. Eles aqui vivem muito mais o futebol do que os portugueses, estão sempre a cantar, levam muitos adeptos ao estádio. Eles vivem mesmo o futebol.

Fora do futebol, adaptaste-te bem à cidade e ao país?

Eu aqui estou muito a norte, não há muita coisa para ver, é mais ao nível de paisagens. Estou num sitio muito sossegado. Estou bem instalado, a dez minutos do estádio, a dez minutos do centro de treinos e a dez minutos do centro da cidade.

Vives sozinho? Foste surpreendido de alguma forma em termos culturais?

Sim, de vez em quando os meus pais e a minha namorada vêm visitar-me, mas estou aqui sozinho. A alimentação aqui é muito fraca. Eles tomam o pequeno-almoço com feijões… não me consigo habituar à comida deles.

Tens noção que a liga escocesa serve muitas vezes de trampolim para o Championship e mesmo para a Liga Premier? 

Sim, essa foi uma das razões que escolhi vir para aqui também. Vim para cá com o objetivo de chegar a Inglaterra.

O jornalista italiano Fabrizio Romano escreveu há poucos dias que estavas a ser seguido por vários clubes ingleses. Já tiveste alguma abordagem?

Eu vi essas notícias, é sempre bom ouvir essas coisas, o importante é continuar a trabalhar. Que eu saiba, ainda não houve nenhum contato.

Chegaste a representar Portugal nas seleções de sub-18 e sub-19, mas em 2022 escolheste jogar por Cabo Verde. Sentiste um apelo das raízes?

Sim, nas camadas jovens joguei pela seleção portuguesa, mas escolhi agora jogar por Cabo Verde. Foi onde nasci, a minha família é toda de lá e isso acabou por pesar na minha decisão. Quando me chamaram não hesitei em dizer que sim.

Também tens lá amigos, o David Tavares e o Gilson Tavares também estiveram contigo no Benfica. Também está lá o Jovane Cabral…

É um bom grupo. Praticamente conhecemos-nos todos e isso acaba por ajudar ainda mais.

Para acabar. Um regresso a Portugal será sempre para jogar no Benfica? Gostavas de voltar pela porta grande?

Claro. Respeito muitos os outros clubes, mas o Benfica é sempre o Benfica.

Os golos de luís Duk na liga escocesa:

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