O discípulo de Vingada que foi carrasco de Amorim e é selecionador de Barbados

16 mar 2023, 09:35
Orlando Costa (arquivo pessoal)

Orlando Costa foi o primeiro treinador a derrotar uma equipa orientada por Ruben Amorim em Portugal. Hoje está ao leme da exótica seleção de Barbados depois de muitos anos a trabalhar como adjunto de Nelo Vingada

Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@tvi.ptrgouveia@tvi.pt ou vemaia@tvi.pt 
 

Depois da cerimónia The Best, a FIFA dá a conhecer o documento que mostra quem votou em quem numa lista com 14 candidatos.

Não há portugueses a votação, mas não faltam a votar. Só selecionadores são sete e entre eles está Orlando Costa, atual timoneiro de Barbados (desde novembro de 2012).

Aos 46 anos, Orlando é um homem com mundo e do Mundo. Antes de assumir o comando do atual 166.º classificado do ranking FIFA passou por Guiné-Bissau, China, Coreia do Sul, Irão e Koweit, quase sempre ao lado de Nelo Vingada, homem sobre quem fala emocionado, que diz ser um «segundo pai» para ele e com quem experienciou uma guerrilha interna no Irão, viu um presidente ser preso na China e viveu muitas outras aventuras.

Depois de anos no papel como adjunto, lançou-se a solo em 2014/15 e em 2019/20 tornou-se no primeiro treinador a derrotar Ruben Amorim em Portugal. O atual técnico do Sporting, então no Sp. Braga B, só voltaria a perder em julho de 2020 frente ao FC Porto quando já estava nos leões.

Depois de três projetos no Campeonato de Portugal e da desilusão por não se sentir valorizado, assumiu funções como adjunto da Guiné-Bissau no último CAN e foi finalmente convidado para se tornar selecionador do exótico país das Caraíbas Orientais, onde quer ajudar a construir as bases para o futuro tal como Queiroz e Vingada fizeram, por cá, há 30 anos.

(Orlando Costa está em tronco nu no momento em que atende a videochamada. Em Barbados, nesta as temperaturas máximas já chegam quase aos 30 graus nesta altura do ano)

Maisfutebol – Nem vale a pena perguntar-lhe se está calor aí.

Orlando Costa – Está. Por isso é que está a ver-me de t-shirt transparente [risos]. Quando falo com a família em Portugal, apanham-me sempre em t-shirt transparente. Pensam que é só praia.

Mas aproveita, não?

Claro! Ao contrário de alguns colegas que dizem que vivem o futebol 24 horas por dia. Para mim, isso é tudo uma tanga, uma treta. A vida só faz sentido se houver equilíbrio. Tem de haver tempo para tudo. Claro que não descuro a parte profissional, que tenho de cumprir, mas tento juntar o útil ao agradável.

E como é que surgiu a possibilidade de se tornar selecionador de Barbados?

Fui contactado pelo professor Nelo Vingada, que é para mim uma referência como homem e treinador. Houve um empresário que lhe pediu três nomes. A Barbados Football Association (BFA) estava à procura de uma pessoa com perfil para selecionador e para ser o futuro responsável de uma academia de formação. Uma pessoa que tivesse a capacidade de treinar, projetar e pensar o futebol para o futuro, à semelhança do que o professor Carlos Queiroz e o professor Nelo Vingada fizeram em Portugal. Profissionalizar e reestruturar o futebol na Federação.

E esses contactos surgiram quando?

Em inícios de novembro do ano passado. O professor Nelo Vingada ligou-me, explicou-me o que era pretendido e disse-me: «Orlando, há a possibilidade de seres o selecionador nacional dos Barbados. Houve um empresário meu amigo que me contactou e pediu dois ou três nomes, mas eu só acredito numa pessoa, que és tu, Eu dei-lhe o teu nome. Pensa, reflete…»

Pensou muito tempo?

Refleti um dia e depois disse que aceitava. Obviamente que me falou em números e no país, também. Depois, esse empresário acabou por fazer a ponte. Mandei o meu currículo, as minhas habilitações e em poucos dias estava a fazer as malas. No dia 11 de novembro já me encontrava aqui com o meu adjunto Ricardo Fernandes. A BFA abriu um concurso a nível mundial para o cargo de selecionador e o presidente explicou na minha conferência de apresentação que apostou em mim entre 300 candidatos porque entendia que, pelo meu trajeto, portefólio e currículo, seria a pessoa ideal para levar a seleção de Barbados a outro patamar.

Num treino da seleção de Barbados (arquivo pessoal)

E neste momento acumula as funções de selecionador e de responsável pelo projeto de uma academia?

Sim. É uma academia que pertence à Federação e que funcionará como uma espécie de equipa B. Será constituída maioritariamente por jogadores com 17 e 18 anos, alguns de 16, que vão crescer mais connosco através de três ou quatro treinos por semana. São jogadores de clubes locais, que farão esse trabalho paralelo comigo. Serei o responsável máximo pela organização desta academia e também por treiná-los. A pedido da Federação, estou também a desenvolver dois projetos: um para desenvolver o futebol no país, explicando como é que a Federação e o Governo podem incentivar os jovens a terem gosto e paixão pelo futebol logo a partir dos cinco anos. E tenho também outro documento com 140 páginas onde no fundo procuro desenvolver a missão e a estratégia que temos de ter na Federação desde os sub-14 à equipa A. O processo formativo, a identidade que devem ter os nossos jogadores e um modelo de jogo comum. É um trabalho árduo.

O que encontrou quando chegou a Barbados?

Cheguei a 11 de novembro e a única coisa que recebi da Federação foram duas folhas com os nomes, as idades, as posições e os clubes onde jogam os jogadores que pertencem à seleção. Não havia ficheiros de jogadores. Depois, em dezembro, fui 15 dias para Portugal e quando voltei, a 4 de janeiro, entreguei um documento com o perfil de 41 jogadores que pesquisei e investiguei.

Como é que obteve essa informação, tendo em conta que quando chegou só herdou duas folhas com informação muito básica?

Tive de pedir ajuda para ter acesso através do InStat e do Wyscout. Foi através desses dois programas que pesquisei e defini o perfil desses 41 jogadores que estão a jogar fora de Barbados, overseas. E, paralelamente, fruto dos treinos que vinha desenvolvendo com jogadores locais e dos jogos da I Liga, desenvolvi um outro documento só com o perfil de jogadores locais que eu entendia serem os melhores. O meu contrato termina em novembro deste ano e se eu sair tenho o prazer de deixar um legado devidamente estruturado e planificado para que quem chegue aqui nos próximos anos tenha um ponto de partida.

Quais foram as primeiras impressões que teve sobre o nível técnico dos futebolistas de Barbados?

Notámos logo que os jogadores dos Barbados até têm uma predisposição muito grande do ponto de vista físico e técnico, mas falta-lhes o trabalho de base, um trabalho mais tático, de organização. No fundo, perceberem o que têm de fazer nos momentos do jogo como equipa. Nos treinos orientados por mim e nos jogos da I Liga noto que há uma grande anarquia. Futebol muito direto e na base do físico.

Os jogadores de Barbados são profissionais?

Dos jogadores que convoquei para os próximos jogos oficiais, convoquei 20 jogadores locais e quatro jogadores overseas, que são os únicos que vivem exclusivamente do futebol. Um joga no País de Gales, outro na Lituânia, outro na Geórgia e outro no Canadá. Desta lista de 24, 20 são locais e amadores. Durante o dia trabalham e ao final do dia vão treinar pelos clubes. E às quartas-feiras fazem um treino sob a minha orientação e do meu adjunto.

Fale-me um pouco como é viver numa ilha como Barbados?

É um país com 34 quilómetros de comprimento, 30 de largura, 300 mil habitantes e um nível de vida caríssimo. A ilha é muito plana, tem praias belíssimas e vive essencialmente do turismo e sobretudo de três grandes potências que trazem sistematicamente aviões cheios de gente: Estados Unidos, Inglaterra e Canadá, sendo que 90 por cento dos turistas são pessoas que já estão na reforma.

Falou do nível de vida caro.

É um dos países do Mundo mais caros para se viver. Só viagem de avião de Portugal para Barbados, ida e volta, fica no mínimo a 1.800 euros. Mais hotel, você gasta facilmente 3.000 euros numa semana. Um café custa 4 euros e uma cerveja 5 euros.

E nunca sentiu frio aí?

Nunca! Ando sempre com a t-shirt transparente [risos]. Num dia, esporadicamente pode cair uma chuvada de cinco minutos, mas o calor está sempre presente: é tropical. É verão o ano inteiro e a temperatura da água oscila o ano inteiro entre os 25 e os 30 graus. Posso dizer que não nos falta nada e que as pessoas, que vivem essencialmente do turismo, são bastante amáveis e sempre me senti seguro e andei à vontade. É um país que aconselho muito aos jovens que procurem umas férias com paz e sossego. Aqui é tudo muito cool, com muito reggae à mistura. Bob Marley.

Ao longo da carreira trabalhou em vários projetos com o professor Nelo Vingada, que já disse ser uma referência para si. Como é que se conheceram?

Tive o prazer e a honra de o conhecer pessoalmente num dos estágios que fazia quando ia jogar com o Marítimo ao norte. Eles ficavam a estagiar num hotel na Arrábida, no Porto. Eu fui lá ter com ele e disse-lhe que ele era uma referência para mim como treinador e que gostava de fazer um estágio com ele. E ele deu-me essa liberdade. Com 22 anos fui estagiar com ele 15 dias. Depois, fomos mantendo contacto e trocando ideias. Entretanto, o professor vai para o estrangeiro e depois de ser campeão do Egito pelo Zamalek volta para Portugal para pegar na Académica. E em 2005/06 convidou-me para ser o segundo adjunto dele. Eu nessa altura estava a finalizar um mestrado europeu em Psicologia do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana.

Orlando Costa à direita, Nelo Vingada à esquerda (arquivo pessoal)

O que mais bebeu do professor Nelo Vingada ao longo dos anos em que trabalhou com ele?

Primeiro, o lado humano. É uma pessoa altamente educada. A seriedade e a humildade como pessoa. O querer sempre estabelecer pontes com pessoas de várias áreas envolventes no futebol. É uma pessoa sensível, acessível para qualquer pessoa. Senti logo essa abertura nos primeiros segundos em que conversei com ele. Houve logo uma empatia muito forte, uma coisa inexplicável…

[Orlando Costa comove-se]

São sentimentos…

Fiquei sensibilizado por, após poucos minutos de conversa, ter-me aberto as portas para o conhecer melhor. Hoje tenho a honra e o prazer de ter essa ligação a ele como amigo. Ele não é o meu pai biológico, mas posso dizer que é o meu segundo pai. Estou um bocado sensibilizado. É a pessoa que me lançou no futebol.

Compreendo. Vamos então à primeira experiência que tem no estrangeiro. Em 2007/08 no Al-Tadhamon, uma equipa do Koweit.

Como adjunto do João Carlos Pereira. Eu só tinha trabalhado um ano ao mais alto nível, na Académica. Tinha 30 anos e o professor Nelo Vingada foi treinar nessa altura os sub-23 do Egito e não conseguiu pegar em mim. Entretanto, concluí a minha tese de mestrado e o João Carlos Pereira precisava de uma pessoa para ser o braço direito dele. O professor Nelo Vingada ligou-me a dar-me conta disso. Eu tive duas decisões difíceis para tomar na minha vida. E a primeira foi essa: sou confrontado com a possibilidade de treinar fora pela primeira vez num país com uma cultura diferente e com um treinador que não conhecia. Tive de me adaptar a tudo isso com 30 anos. Mas foi difícil sobretudo porque parti 15 dias depois de ter sido pai.

Hesitou?

Hesitei porque tenho duas paixões. A primeira são a minha mulher e os meus três filhos e a segunda é o futebol. O que eu procuro é, digamos, encontrar um equilíbrio entre esses dois projetos. Porque a minha vida só faz sentido com esse equilíbrio. Mas só aceitei porque a minha mulher disse-me para eu ir.

E qual foi a segunda decisão mais difícil?

Depois, em 2008/09 eu estava no Gil Vicente e o professor Nelo Vingada lança-me o convite para ir com ele para o Irão. A minha mulher estava grávida de quase oito meses.

No Persepolis, do Irão, com Nelo Vingada (à direita) e Arnaldo Carvalho (ao centro), também ele um fiel adjunto de Nelo Vingada ao longo dos anos (arquivo pessoal)

E segue com ele para o Persepolis, um dos maiores clubes do Irão.

É o maior clube do Irão! Além disso, tínhamos a possibilidade de lutar para sermos campeões e jogar a Champions asiática. E o Irão, enquanto campeonato e seleção, é uma potência do futebol asiático.

Foi mais entusiasmante do que o Koweit, suponho.

Completamente.

Gostou do Irão? Estamos a falar de um país que periodicamente passa por convulsões sociais.

Gostei. Nós estivemos lá entre fevereiro e maio de 2009. O professor Nelo Vingada, eu e o Arnaldo, que era o outro adjunto, íamos muitas vezes pelas ruas de Teerão, uma capital com cerca de 14 milhões de habitantes, a caminhar e nunca sentimos qualquer tipo de problema, embora as mulheres estivessem impossibilitadas de entrar nos estádios. No trabalho, as condições também não eram as melhores.

Tem memórias marcantes desses meses?

Olhe, o nosso primeiro jogo foi logo o grande clássico: um jogo com o Esteghlal, que era o nosso grande rival. Uma espécie de FC Porto-Benfica. Foi no Azadi Stadium, o estádio nacional, e estavam lá 96 mil pessoas. Nunca tinha vivido aquilo, mas adorei aquela envolvência e pressão. Foi giríssimo.

Acabaram por ficar pouco tempo no Irão…

O contrato era para o resto dessa época e para a seguinte, mas rapidamente percebemos que havia uma grande divergência entre o presidente e o dono do clube, uma guerrilha. E isso teve reflexos no nosso trabalho. Havia jogadores que remavam a nosso favor, outros contra nós. Uns estavam com o presidente do clube e outros com o investidor, que era um dos homens mais ricos do Irão. E paralelamente a isso começámos logo a ter atrasos nos vencimentos. Viemos para Portugal com salários em atraso e o professor teve de ir para a FIFA. Entrámos num grande clube no timing errado e viemos para Portugal com os salários em atraso. Penso que enquanto lá estivemos nunca chegámos sequer a receber, mas depois, com o processo em aberto na FIFA, conseguimos reaver os vencimentos de forma amigável.

E depois vai para a Coreia do Sul, também com Nelo Vingada.

Em 2010 no FC Seoul, um dos grandes da Coreia do Sul com infraestruturas top. Seis campos, tudo top, o oposto do que encontrámos no Irão. Nas épocas anteriores, o Seoul morria sempre na praia e nós conseguimos ganhar dois títulos num ano: fomos campeões e ganhámos a Taça da Liga. Pelo clube, pelos jogadores, pela cultura e pelas pessoas, é um país onde eu gostaria de voltar a treinar.

Foi onde gostou mais de trabalhar lá fora?

Precisamente. Foi, porque foi muito ao encontro daquilo que eu sou como pessoa e profissional. Gostei muito da cultura e também da gastronomia sul-coreana, que é muito diferente da portuguesa: ou gosta-se, ou não se gosta.

Comeu pratos esquisitos?

Provei de tudo. De todos os tipos de sopas que eles fazem, exceto uma, em que vinha uma água a ferver com arroz e uma galinha pequenina. Lá, as galinhas são pretas. Eu olhei para aquilo e, apesar de querer provar tudo, não consegui. Uma vez, durante um estágio, fui a um restaurante caríssimo e apresentaram-me polvos pequenos vivos que vinha dentro de uns baldes com água. Eles tiravam os polvos, vivos, diretamente para os pratos. E começavam a trincá-los. Também não consegui. Mas devo ter provado 90 por cento e gostei de quase tudo.

E, depois, China, no Dalian Shide.

O presidente do Dalian Shide tinha 42 anos e era um dos dez homens mais ricos da China. Viajámos para Pequim e de Pequim íamos apanhar um voo comercial para Dalian, mas no momento em que estávamos a fazer o transfer, o assessor do presidente ligou ao professor Nelo Vingada a dizer-lhe que não íamos apanhar esse voo. O presidente estava lá para falar pessoalmente connosco e íamos com eles para Dalian no jato privado dele. E assim foi: como quando Abramovich foi a Portugal buscar o José Mourinho para o Chelsea, recorda-se? Estofos em cabedal e tudo em madeira. Foi a primeira e única vez na vida em que andei num jato privado.

Nessa altura já havia sinais daquela revolução que levou muitos jogadores e treinadores de renome para a China?

A China já estava a apostar em grandes jogadores e treinadores. Jogámos contra o Anelka, o Drogba e defrontámos o Marcelo Lippi. Já estavam a apostar muito forte.

Ficaram lá quanto tempo?

Dois anos. No segundo ano, logo em março os pagamentos começaram a falhar. Por questões políticas, o nosso presidente acabou por ser preso.

Porquê?

Na altura, o atual presidente Xi Jinping estava para tomar conta da China e o nosso presidente era apoiante do opositor. Ele foi preso passado pouco tempo e todas as suas empresas foram bloqueadas. Acabámos a época, conseguimos a manutenção e voltámos para Portugal com quatro meses de salários em atraso. Aí, nem a FIFA nos valeu, ao contrário do que aconteceu no Irão.

E o que aconteceu ao clube?

A patente do clube foi vendida. Passou a ter o nome de outra empresa associado ao Dalian. Mas o clube nunca mais voltou a ser o que foi em tempos. Quando lá chegámos ainda era o clube com mais estrelas de campeão na China.

Estive a ver no mapa que Dalian fica na parte oriental da China e relativamente perto da Coreia do Norte.

É paralelo à Coreia do Norte.

Chegou a ir lá?

Não, mas quando estivemos na Coreia do Sul houve uma troca de tiros entre uma fragata norte-coreana e sul-coreanos que estavam na costa. Eles estão sempre em alerta máximo e nós, portugueses, estávamos com algum receio. Mas eles, já habituados, até se riam com aquilo, sabendo que não se ia passar nada. Mas eu, o professor Nelo Vingada e outro adjunto chegámos a ir com um guia turístico ao Paralelo 38, a linha que separa as Coreias e que é onde os militares da Coreia do Sul estão a controlar o Norte. É um ponto turístico. Nos anos 80, a Coreia do Norte tentou invadir a Coreia do Sul quatro vezes através de túneis subterrâneos e nós entrámos num deles. Dois desses túneis seriam construídos para chegarem a Seul para tomarem a capital e a partir daí controlarem o país. Só que os sul-coreanos, com a ajuda dos Estados Unidos e com toda a tecnologia de ponta que têm, conseguiram detetar sempre antecipadamente a construção desses túneis.

Depois da China, volta para Portugal e esteve no comando de equipas do Campeonato de Portugal, então terceiro escalão.

Em 2014/15 trabalhei na AD Oliveirense. Entrei com a época a decorrer para substituir o Paulo Vida, antigo ponta de lança que chegou a ser jogador do Benfica. À 7.ª jornada, o clube estava nos últimos lugares e deixei-o em 5.º na primeira fase. Ganhei aos primeiros na altura. Fora ao Famalicão do Daniel Ramos, em casa ao Vizela do Ricardo Soares e em casa ao Varzim do Vítor Paneira. Equipas que estavam a lutar para subir. Foi um ano em que tivemos grandes dificuldades.

Que dificuldades?

Cheguei a pagar para que os jogadores comessem. Por exemplo, bolachas e marmelada que o massagista me pedia antes dos jogos. Por haver dificuldades para meter gasóleo, houve vezes em que chegámos aos jogos meia-hora antes de começarem. Mas com todas essas dificuldades e salários em atraso, cumpri o objetivo da manutenção naquela que foi a minha experiência como treinador principal.

Segue para o Tirsense na época seguinte há três anos sem registos seus até assumir o Merelinense em 2019/20.

Foram três anos sabáticos. Não percebi porquê. Foram três anos muito difíceis na minha vida. Tinha expetativas, depois de tantos anos como treinador-adjunto, a investir nas minhas habilitações e por ter feito os trabalhos que fiz como treinador principal em dois clubes com grandes dificuldades. O Ricardo Soares e o Daniel Ramos conduziam Porsches e eu andava num Fiat Punto e muitas vezes não tinha sequer gasóleo, tinha pneus furados e mesmo assim lá ia andando. Foram três anos sempre na expetativa de entrar.

Teve de fazer outras coisas durante esses três anos?

Consegui subsistir com o dinheiro que fui juntando nos anos anteriores e a minha mulher também tem a estabilidade dela. Tive momentos difíceis em que pensei mesmo abandonar o futebol. Não conseguia perceber porque é que eu, com as habilitações e experiência que tinha, não conseguia entrar em lado nenhum. O futebol é um mundo muito instável gerido por muitos interesses e onde muitas vezes colocam-se outros interesses acima da qualidade. Senti isso durante esses três anos e ainda hoje sinto. Para poder estar a trabalhar e a ajudar a minha família, estou longe da minha mulher e dos meus três filhos. Sinto alguma tristeza pelo meu país por nunca me terem dado uma oportunidade, ao contrário do que vejo com outros colegas meus que sem habilitações e sem experiências como adjuntos, começam logo como treinadores principais na Liga e na II Liga e 24 horas depois de saírem de um clube arranjam logo outro. Eu já fui preletor de cursos de treinadores, tenho o IV nível desde os 33 anos, aos 23 era licenciado em desporto sob a orientação do professor Vítor Frade, tirei o mestrado e estive ao mais alto nível como adjunto muitos anos em diferentes continentes. E o meu país nunca me deu a oportunidade de crescer e de evoluir como treinador principal. Hoje em dia, sem querer pôr nomes, mas facilmente vemos quem são, vemos treinadores que por terem sido jogadores começam logo nos Guimarães, nos Paços de Ferreiras e noutros clubes profissionais.

Têm-lhe faltado contactos no meio? Com empresários, por exemplo?

Eu não estou contratualmente ligado a nenhum empresário. Não tenho nenhum vínculo de agenciamento nem nunca tive. O que construi foi através das pessoas. De um dirigente ou outro que aconselhou o meu nome aqui ou acolá. Hoje em dia estão a apostar muito em ex-jogadores e como muitos dos agentes de hoje são ex-jogadores, se calhar apostam em quem partilhou o balneário com eles em tempos. Como eu nunca fui jogador profissional, nunca dei milhões a ganhar a agentes FIFA e não partilhei balneários com agentes que foram jogadores, pode ser por isso que nunca tive oportunidades em Portugal e tive de esgravatar cá fora. Mas estou contente e tenho é de olhar para a frente.

A orientar um treino da Guiné-Bissau (arquivo pessoal)

Sente que teria potencial para chegar a um patamar profissional como Ricardo Soares ou Daniel Ramos, treinadores que foram seus adversários no Campeonato de Portugal?

Se não acreditasse em mim e no trabalho que eu faço, nunca poderia estar onde estou nem onde já estive. Você já viu o que é assumir a responsabilidade de ser selecionador nacional? Com todo o respeito pelos clubes portugueses de I e II Liga, é muito mais prestigiante e envolve muito mais responsabilidade e variáveis ser selecionador de um país. Em 300 candidatos, eu fui a pessoa escolhida. Por alguma razão foi. E ter sido escolhido para ser adjunto do selecionador da Guiné-Bissau no último CAN também deve significar alguma coisa: fui a pessoa escolhida para planificar todo o processo. Mas nunca me deram a oportunidade de conduzir Porsches e Ferraris. Mas pus um Fiat Punto a andar. Em 2018/19, o Merelinense apostou para subir e teve quatro treinadores. Eu entrei na época seguinte com um plantel do zero e um orçamento mais baixo e fizemos uma grande época. O objetivo era a manutenção, mas estávamos em quinto lugar quando a covid interrompeu o campeonato. E ainda queria ter ido ao terceiro lugar. Joguei contra o Vizela do Álvaro Pacheco.

E também tinha o Sp. Braga B e o V. Guimarães B na mesma série.

Exatamente! Apanhei o Ruben Amorim como treinador do Sp. Braga B e o primeiro treinador a ganhar em Portugal ao Ruben Amorim até perto do final da época 2019/20: 1-0 no dia 12 de dezembro de 2019. Uns meses depois até estive na capa d’A Bola, com uma página só dedicada à minha pessoa.

Estava à espera de receber convites após essa época no Merelinense?

Estava à espera, sim. Modéstia à parte. Também pelo trabalho que fiz pela formação do clube, que foi distinguida como entidade formadora da FPF de 4 estrelas. Sei que o meu clube foi lançado por agentes para clubes – as Académicas, Leixões, Farense. Sei que o meu nome foi colocado, mas passaram-se uns meses e fiquei desanimado. Via o meu nome a circular, mas outros treinadores é que eram colocados. Até que apareceu a seleção da Guiné-Bissau.

Gostava de voltar a Portugal em breve?

[Silêncio]

Está desiludido com o futebol português?

De certa forma, sim. Por tudo o que lhe expliquei. Comecei a treinar com 19 anos nas camadas jovens do Moreirense e na semana passada fiz 46 anos. São 27 anos a trabalhar em quatro continentes diferentes, em clubes com grandes dificuldades e por vezes em grandes clubes. Sinto-me triste. Desvalorizado é a palavra certa.

As fotografias do arquivo pertencem ao arquivo pessoal de Orlando Costa, que as cedeu para este artigo

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