opinião
Jornalista especialista em assuntos internacionais

O escândalo de Letizia e os Jaimes

27 jan, 15:01

O telefone tocou no gabinete do diretor do Jornal espanhol El Mundo.

Era Jaime Peñafiel, o jornalista que há mais de 20 anos tem uma coluna semanal no jornal. 

Peñafiel estava indignado com o artigo violento que tinha sido escrito por outro jornalista do jornal a criticá-lo. 

O diretor disse-lhe que devia escrever uma carta, mas Jaime Peñafiel queria usar o seu próprio espaço de opinião para responder ao ataque direto que o apanhou desprevenido. Ouviu um não do diretor que acabou por informá-lo também que o jornal dava por terminada a prestigiada colaboração com o jornalista monárquico de 92 anos.

Jaime Peñafiel foi dispensado. O caso da Rainha Letizia tinha ido demasiado longe.

Os pormenores desta conversa foram contados pela jornalista Pilar Eyre, numa entrevista ao canal público de televisão catalão.

No final de 2023, Jaime Peñafiel publicou um livro com o sugestivo título “Letizia e eu”. Nos primeiros dias, a publicação deu pouco que falar. Em Espanha é sabido que Jaime Peñafiel tem uma antipatia de estimação pela atual Rainha, a plebeia, a jornalista divorciada que casou com a Casa Real dos Borbons. Como se atreveu! 

Foram precisos alguns tweets para que as redes acordassem e explodissem, tudo ao mesmo tempo.

No livro “Letízia e Eu”, o protagonista é Jaime del Burgo, um empresário e advogado, filho do primeiro presidente democraticamente eleito de Navarra. Jaime del Burgo era também ex cunhado de Letízia. 

Depois de bater muitas portas para contar a história que tinha para contar, acabou por ter sorte e encontrar um velho inimigo da Rainha. Os Jaimes juntaram-se, um como única fonte, o outro com o seu prestígio.

No livro contam-se muitas histórias que descrevem uma mulher vivida, ambiciosa, fria… e adúltera! 

Jaime del Burgo conta ao velho Jaime que foi amante de Letiza no tempo em que ela era ainda Princesa das Astúrias, que teve quarto na Zarzuela, que chegaram a programar a fuga de Letízia e que apenas não o fizeram porque o Rei Juan Carlos abdicou e Letízia preferiu ser Rainha e acabou a aventura.

Jaime del Burgo diz que já era namorado da jornalista quando ela conheceu Felipe e que, para além dele, haveria um terceiro namorado. Conta também  que a pretendente fez um aborto antes de se casar e que Felipe sabia de tudo.

Isto e muito mais num livro que, segundo o autor, só conta 1% daquilo que ouviu do suposto ex-amante. 

A imprensa espanhola fez um pacto de silêncio e durante semanas não pegou no assunto, mas as histórias dos Jaimes ferveram nas redes sociais como eucalipto no verão. 

O assunto foi embalado e ganhou grande velocidade destrutiva em inúmeros canais de YouTube - todo um mundo de comunicação “Del corazón” em espanhol.

A revista francesa “Paris Match” pegou no assunto sem filtros, a imprensa britânica também não se fez rogada e, aos poucos, a imprensa da América Latina cedeu às revelações e foi contando como a Rainha de Espanha teria vivido um amor proibido no palácio.

O choque misturou-se com piadas jocosas, muitos compraram o livro e fizeram episódios a contar cada capítulo, e o velho Jaime não faltou a nenhum convite para dar entrevistas.

Silêncio da imprensa tradicional e silêncio também do Palácio da Zarzuela que até hoje não escreveu uma linha sobre a polémica.

O pano de fundo deste livro foi para muitos evidente: a filha mais velha dos Reis de Espanha, a Princesa Leonor, cumpria 18 anos, jurava a Constituição e, em simultâneo, rebentava a bomba que prometia expulsar a mãe republicana do Palácio, mesmo que isso significasse envergonhar publicamente o Rei  e fragilizá-lo num momento político crucial em que o Governo de Pedro Sanchez prepara a Amnistia aos revoltosos catalães. 

O escritor, o velho Jaime, não é um monárquico qualquer. É um assumido Juancalista, que desde o primeiro momento falou mal da plebeia Letizia, ao ponto de ser expulso do grupo de jornalistas que esteve durante décadas presente nos prémios Príncipe das Astúrias. O velho Jaime nunca perdoou. 

Para além disso, faz parte do grupo que acredita que Juan Carlos é o único Rei, e que o filho Felipe é fraco por não ter feito frente a Pedro Sanchez, cumprindo aliás o que lhe reserva a Constituição no que diz respeito à defesa da unidade de Espanha.

Um detalhe: em plena polémica, o jornalista Jaime Peñafiel disse numa entrevista que o Rei Juan Carlos o tinha convidado para a sua grande festa de 86 anos em Abu Dhabi.

O problema tornou-se demasiado sério numa das últimas entrevistas que Jaime Peñafiel deu antes de ser dispensado do El Mundo.

Nessa entrevista, o velho Jaime aventurou-se a falar de como teriam sido concebidas as filhas de Felipe VI, e de como foi essa a razão para o suicídio de uma das irmãs de Letizia.

Com uma fonte apenas, o livro de Peñafiel abriu uma caixa perigosa. Del Burgo criou entretanto uma editora para escrever ele próprio um livro este ano para contar o que Peñafiel não arriscou contar. E diz que tem provas de tudo.

Para esta parte vertiginosa da história fica apenas uma fotografia de Letizia com uma mensagem de amor que Del Burgo publicou na rede X. A fotografia da pashmina, um registo impossível de verificar.

A foto da polémica, publicada por Jaime del Burgo. (Foto: Twitter/X)

Mas que importa haver ou não várias fontes e provas concretas quando o mexerico e o machismo podem fazer tanto estrago à reputação da mulher mais poderosa de Espanha.

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