"Neste momento temos sete modalidades de populismo": como os acordos de Pedro Sánchez com a extrema-esquerda dão um sinal para toda a Europa

16 nov 2023, 09:07
O primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sanchez, e o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, em Lanzarote (EFE/POOL/ Moncloa/Borja Puig de la Bellacasa)

Governar a solo é algo cada vez mais improvável para os partidos do arco do poder. Pedro Sánchez foi reeleito presidente do Governo espanhol e há lições a tirar - dentro e fora de Espanha (incluindo Portugal)

Como tantos outros países na Europa, o que Espanha se prepara para fazer é quebrar o “cordão sanitário” que separava os partidos do sistema dos chamados partidos populistas. Pedro Sánchez vai continuar a ser primeiro-ministro e, para isso, precisou de ceder às pretensões de partidos conotados com a extrema-esquerda, como o Sumar, além de outros com reivindicações nacionalistas, como os catalães do Junts e da ERC ou os bascos do EH Bildu e PNV.

Esta foi a única forma de encontrar uma solução governativa em Espanha, e seria igual caso fosse a direita a formar governo – o PP juntar-se-ia aos partidos à sua direita, nomeadamente ao Vox, seguindo os passos do que já aconteceu em Itália, Suécia ou Finlândia, onde partidos extremistas apoiam os governos. A única diferença neste caso é que a coligação surge à esquerda e não à direita.

Para o investigador do ISCTE Riccardo Marchi esta é a evolução natural da “descrença do eleitorado em relação aos partidos tradicionais das democracias europeias”, o que vai levar a que seja cada vez mais difícil que os chamados partidos mainstream consigam governar sozinhos.

“Não há uma descrença no modelo democrático. Há uma insatisfação, mas não com a democracia em si, é com o sistema”, diz à CNN Portugal o especialista em populismos.

Isto porque os eleitores se aproximam dos partidos mais radicais para “lançar uma mensagem em relação aos partidos tradicionais, mas não em relação ao regime”, pelo que não existe uma ameaça à democracia liberal.

O professor catedrático José Filipe Pinto diz que tudo isto surge depois de várias décadas em que os partidos tradicionais controlaram o sistema. À exceção daquilo que aconteceu em Itália, onde um escândalo político e judicial provou a corrupção instalada em vários partidos, levando a uma maior preponderância dos partidos antissistema, no resto da Europa "os partidos populistas estão a caminhar das margens para o centro do sistema".

"Os partidos deixaram de ser antissistema para se começarem a colocar no âmbito do espetro político. Neste momento temos sete modalidades de populismo, que explicam que os governos no sul da Europa, os últimos a fazer transição democrática, começam a copiar a regra do norte da Europa, em que governos de coligação são a regra", explica à CNN Portugal.

É o caso de países como Suécia ou Finlândia, onde os partidos da direita moderada se coligaram com a extrema-direita. Nesses países a extrema-direita deixou de ser antissistema, passando a fazer parte do sistema político vigente. É aquilo a que José Filipe Pinto chama de quebra do "cordão sanitário, que deixou de fazer sentido".

"Das três estratégias para lidar com a extrema-direita - o cordão sanitário, o desapossar populistas das suas bandeiras ou integrá-los no sistema e deixá-los usufruir dos benefícios - os partidos mainstream descobriram que só as duas últimas são viáveis", acrescenta, dizendo que os partidos tradicionais têm de se habituar a conviver com esses partidos, "entendendo que podem moderar o discurso e fazer parte da solução, em vez de serem parte do problema".

Por isso mesmo os partidos dos extremos começam a mudar o seu discurso, adaptando-se a uma maior franja do eleitorado. Riccardo Marchi diz que o objetivo passa por uma mudança do discurso, sobretudo para "chamar eleitorado do centro, mas principalmente para se tornar um parceiro de governação". No fundo, um "partido moderado não pode jogar introduzindo radicais indiscriminadamente". É essa moderação que procuram pessoas como Marine Le Pen, que procura agora Giorgia Meloni e que, mais tarde ou mais cedo, vai procurar André Ventura.

"Quando estes partidos passam de 2% ou 3% para 20% sabem que o eleitorado já não é hiper-radical, mas também tem conservadores zangados. Isto acontece tanto à esquerda, como à direita", conclui.

Um Costa "visionário"

Os partidos tradicionais já entenderam que será sempre muito difícil conseguirem formar governos de minoria, mesmo quando ganham. Riccardo Marchi destaca que, como acontece um pouco por toda a Europa, os partidos do arco da governação já “não são o único jogador na praça”.

Nesse sentido, diz o investigador, é necessário “encontrar ligações” com outros pontos, e são os extremos que aparecem com mais força para fazerem parte das soluções governativas, seja através de apoio parlamentar, como aconteceu em Portugal com a geringonça, seja como acontece em Itália, onde a Liga Norte faz parte do governo liderado pelos Irmãos de Itália.

É quando os partidos mainstream entendem que “passou o tempo do cordão necessário”. Para Riccardo Marchi foi isso que aconteceu em 2015 em Portugal. “De certa forma foi visionário”, considera o investigador, apontando os consensos que António Costa reuniu com PCP e Bloco de Esquerda para criar uma maioria parlamentar que suportasse um governo.

A "inevitável" aceitação do Chega

Pode não ser já, mas o PSD terá, muito provavelmente, de ceder e também baixar o tal “cordão sanitário” ao Chega. Luís Montenegro continua repetidamente a negar um entendimento com o partido de André Ventura após as eleições legislativas, algo que José Filipe Pinto vê como um erro.

“O que acontece é que Montenegro definiu linhas vermelhas ao dizer que não se coliga com o Chega, mas temos o exemplo dos Açores, em que depois das eleições se percebeu a importância do Chega para viabilizar um governo”, sublinha o politólogo.

Riccardo Marchi concorda, referindo que “o PSD vai ter de ceder ao Chega, é inevitável”. O investigador acrescenta que, mesmo que os sociais-democratas consigam um governo minoritário com a Iniciativa Liberal, e até na hipótese de o PS não fazer cair esse governo, o Chega sairá sempre beneficiado. Se não a curto, a longo prazo.

“Isso seria uma prenda ao Chega, que ficaria na oposição e na próxima eleição capitalizaria esse momento, arriscando-se a ser o partido mais votado à direita, se o PSD tiver uma governação fraca e uma queda eleitoral”, reitera, antevendo a possibilidade de, nesse cenário, o Chega se tornar um partido “hegemónico” na direita portuguesa.

Naturalmente que pode haver uma conjuntura como a de 2022 em Portugal, em que um partido do centro, no caso o PS, obtém, sozinho, a capacidade de governar. Mas Riccardo Marchi diz que se trata disso mesmo: de um momento conjuntural, que dificilmente se repetirá muitas vezes na Europa.

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