O que acontece nos Açores não fica só nos Açores. Montenegro é quem mais arrisca perder se AD formar governo com apoio do Chega

4 fev, 08:00
Luís Montenegro discursa na Convenção da Aliança Democrática (Lusa)

Este domingo os açorianos vão às urnas. O governo regional, de direita, caiu por falta de apoio. Mas quem o lidera, o social-democrata José Manuel Bolieiro, não fecha a porta a reeditar uma geringonça de direita. Precisamente com quem o fez cair. Com que exigências? Quem fica a ganhar e a perder, nos Açores e no Continente?

É uma tentação a que é difícil fugir. O cenário de eleições regionais tão em cima das legislativas leva à procura de paralelismos entre o cenário açoriano e o nacional. Os politólogos deixam o aviso: nunca é possível extrapolar os resultados de uma eleição para outra.

Todavia, tal não significa que não existiam “repercussões”. “Tudo o que se passar nos Açores não fica apenas nos Açores: vai condicionar o que se passa no continente”, traça José Filipe Pinto.

“Vai ser um dos primeiros elementos concretos, além das sondagens, a dar-nos uma base de alinhamento eleitoral”, completa Paula do Espírito Santo.

Independentemente dos resultados deste domingo, há três coisas que parecem certas para quem faz da análise política a sua vida: Luís Montenegro fica a perder mesmo que ganhe nos Açores, o PS não se pode vitimizar por ganhar eleições, mas não formar governo e o Chega reforça posição.

(Lusa)

PSD. Partido a duas vozes

As últimas sondagens indicavam que o PS venceria as eleições, mas que apenas à direita seria possível formar uma maioria parlamentar nos Açores. A Aliança Democrática (AD) iria precisar do Chega para cumprir esse domínio. O líder do PSD/Açores, José Manuel Bolieiro, não fecha a porta a alianças com o Chega – o mesmo partido que contribuiu fortemente para a queda deste seu Governo.

E é aí que as coisas ficam feias para Luís Montenegro. “Bolieiro, para se manter no poder, está aberto a todas as possibilidades. É algo para o qual Montenegro não está minimamente vocacionado. Esse possível acordo açoriano vai ter reflexo no continente, onde grande parte dos eleitores do PSD continua a tentar criar um cordão sanitário à volta do Chega”, aponta José Filipe Pinto.

E continua: “não tenho dúvida se os resultados nos Açores forem os previstos, com uma maioria de direita, que Bolieiro formará governo e o Chega exigirá ter secretarias regionais”.

Resultado: o PSD fica a falar a duas vozes. E Montenegro com dificuldades em deixar claro como se posiciona o partido em relação ao Chega e à extrema-direita.

“Aquilo que assistiremos será Montenegro procurando alegar essa especificidade do ambiente político nos Açores. Mas o cerne será que o PSD terá duas caras nesse contexto específico. Isso cria um problema na passagem de mensagem a Luís Montenegro e dá um argumento fortíssimo aos que consideram que o PSD e Chega acabarão, se necessário, por se entender”, realça Bruno Ferreira Costa.

Em resumo: mesmo assegurando o poder nos Açores, e reclamando uma vitória eleitoral, o PSD e Luís Montenegro ficam a perder. Porque, dizem os politólogos, os eleitores nunca estarão seguros quanto àquilo que defende verdadeiramente o partido.

“Os Açores estão a começar a apagar a linha vermelha com o Chega”, resume João Pacheco, lembrando que as eleições nos Açores acontecem por falta de apoio parlamentar, uma situação que tende a beneficiar quem já está no poder. “Temos um governo que tem oportunidade de se vitimizar por falta de compromisso político”, diz.

O problema é que, neste caso, o PSD está disposto a alinhar novamente com quem o fez cair.

“A AD está refém do Chega. Está-se à espera de um milagre político no PSD, de eleitores que no último minuto transfiram o seu voto. Seria mais fácil definir previamente o que pode acontecer depois, enquanto a AD tem a faca e o queijo na mão. E não quando estiver nas mãos do Chega para poder governar”, reage Paula do Espírito Santo.

José Filipe Pinto realça que a reedição de uma geringonça de direita nos Açores poderia contagiar ainda mais a discussão das legislativas no continente. Mas, tendo em conta o prazo de praticamente um mês entre as duas eleições, não haverá grande margem para saber se ela será um fator de estabilidade ou instabilidade – alimentando argumentos de ambas as partes.

“Se fosse no final do ano, já teríamos margem para perceber como funcionaria essa coligação”, refere.

(Lusa)

PS. Motivos para atacar

As últimas sondagens colocam o PS à frente nos Açores, mas sem condições para formar a tão desejada maioria parlamentar. Os politólogos ouvidos pela CNN Portugal dizem que o partido pode, ainda assim, ficar a ganhar a nível nacional com este cenário regional - por duas vias.

Primeiro, o candidato socialista Vasco Cordeiro apoiou Pedro Nuno Santos na corrida interna. Ao afirmar-se como o candidato mais votado, tal poderá ser aproveitado em termos nacionais para demonstrar a vontade dos portugueses num novo PS. “Haverá uma tentativa de ganhar as eleições, precisamente para demonstrar capacidade de mobilização”, realça Bruno Ferreira Costa.

Depois, com uma nova aliança de direita nos Açores, o PS ganha mais um argumento para o ataque a Montenegro, lançando um “clima de suspeição”. “O discurso de toda a esquerda, a começar pelo PS, será usar o caso dos Açores como exemplo do que Montenegro se prepara para fazer, mesmo que negue todos os dias que essa não é a sua intenção. Será a retórica de que o PSD não é confiável”, refere José Filipe Pinto.

“Pedro Nuno Santos tem insistido, desde o início, na tecla de que a AD vai fazer um acordo com o Chega. Não está a dizer que é tudo a mesma coisa, mas que um voto na AD é um voto no Chega”, reforça João Pacheco.

Mas, mesmo que o PS fique em primeiro nos Açores e se veja impossibilitado de governar, como aconteceu nas últimas eleições, os especialistas são unânimes nesta crença: o PS não vai poder vitimizar-se deste estado de coisas.

“O PS não tem motivo par se queixar ou vitimizar porque inaugurou, em 2015 [com António Costa] uma nova forma de ver a política”, onde conta mais o jogo da maioria parlamentar do que o resultado nas urnas por si, aponta Paula do Espírito Santo.

Chega. O peso na balança

Para estes quatro politólogos é inequívoco: quem tirará (e bem) proveito dos resultados nos Açores é o Chega. “Irá aproveitar o crescimento que tem nos Açores para mostrar que tem maior influência”, resume João Pacheco.

E acrescenta: “Os eleitores do Chega gostam desta ideia de serem precisos, de serem necessários. Quanto mais esta incoerência existir na AD, e isto for assunto, mais o Chega cresce”.

Para mostrar que, sem eles, a direita não forma governo. Nem na autonomia açoriana. Nem na República.

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