opinião
Cineasta

Ao senhor ministro Duarte Cordeiro

27 set 2023, 18:38

Senhor Ministro do Ambiente e da Acção Climática,

Não falta pontaria às manifestantes que acertam em cheio em quem têm de acertar. Quem não acerta na cor é este Governo.

Todos sabemos bem que cor têm tido as suas políticas. Sabemos que têm tido a cor do dinheiro, dos interesses dos grandes grupos económicos, das grandes petrolíferas, empresas de energia, das farmacêuticas, da agro-indústria, a cor que tem alimentado os motores das políticas desastrosas que nos levaram à crise climática que atravessamos.

Mas também sabemos que estes interesses têm vingado graças a uma certa apatia colectiva, ao desinteresse da sociedade nas políticas ambientais nacionais e internacionais, à nossa perigosa inconsciência face ao futuro que se avizinha.

Entre interesses e desinteresses, a par da sustentabilidade ambiental, também a democracia tem sido posta em causa, e o verde é que não tem vingado além da retórica e da propaganda política.

Sabemos que os discursos banhados de verde não reflectem as urgentes e necessárias acções concretas, que com as actuais políticas estamos longe de mitigar o problema. Sabemos que estamos a comprometer o nosso futuro e ainda mais o das gerações mais novas.

Qualquer acção humana contra a Natureza comporta uma dimensão suicida. Trata-se, antes de mais, da destruição do nosso habitat. E quando esse habitat é comum?

Que sonambulismo é este que nos faz caminhar para o abismo e o colapso climático?

É dessa dormência que as pessoas activistas climáticas nos têm vindo a despertar.

As suas acções envergonham a nossa inacção.

Sorte nossa estarem cá para nos lembrarem que todas as pessoas são responsáveis e estamos todas convocadas a agir.

Atirar tinta verde à cara de um ministro não é nada, quando comparado ao discurso verde que nos atira todos os dias ao chão. É mais grito.

E foi ouvido, porque provocou reflexão e até revelou os habituais "iluminados" reaccionários que falam de microfone aberto para a nação.

Quem não está de acordo com estas manifestações, demonstre-nos o porquê do seu desajuste. Apresente-nos melhores formas de finalmente percebermos enquanto comunidade que esta é uma questão central das nossas vidas. Mas falemos menos das formas de protesto e mais das motivações.

Senhor Ministro Duarte Cordeiro, não se diga intimidado por activistas que fizeram voar sobre a sua cabeça balões de tinta verde... não lhes queira vestir a pele lobo mau.

Foi eleito para nos representar, esteja por favor à altura do problema e das funções que exerce, de forma a que ninguém tenha de o lembrar disso. Aprove nova legislação que imponha limites à ganância das empresas e ao extermínio em massa a que estão a condenar o planeta. Reforce a Lei de Bases do Clima no respeito pelas Leis da Natureza e do Universo. Defenda-a nas políticas nacionais e internacionais e está a defender a comunidade.

Não se sente à mesa com os CEO's da GALP, da EDP e da CIP que defendem os interesses dos grupos económicos que representam e que estavam presentes na Summit da CNN. Sente-se antes à mesa com estas activistas climáticas que se manifestam na defesa dos interesses de todas as pessoas e representam o futuro. Sente-se à mesa com a comunidade científica, com associações ambientalistas e acolha os seus contributos para uma transição a curto, médio e longo prazo.

Vá lá, relativize e ponha na balança: de um lado, a sua camisa branca agora suja de tinta, e do outro, a biodiversidade, vidas humanas e de várias outras espécies, em suma, a vida do planeta.

É preciso de facto saber distinguir formas "intrusivas", "intimidantes" e "bloqueantes". Mais uma vez, a balança: de um lado é interrompido o discurso de um ministro, de outro, são  interrompidas vidas.

Sinta-se antes intimado a responder-nos a todos, a apresentar-nos um plano de transição energética muito mais eficiente e realista, atenuando ao máximo os prejuízos ambientais e sociais e que seja consequente para com o presente e o futuro.

É claro, sabemos, que serviram estes balões de tinta verde precisamente para denunciar a promíscua relação entre as políticas públicas e os interesses das grandes empresas que este Governo tem vindo a defender e favorecer.

Enquanto nós assistimos, estas activistas climáticas têm posto vezes demais a sua juventude de lado para se manifestarem das mais diversas formas ao longo destes anos contra as políticas ecocidas e genocidas. Estão a exigir o que toda a comunidade tem de exigir e a lutar pelo que colectivamente temos de lutar.

Intolerável é o paternalismo com que as reivindicações sérias, sustentadas e concretizáveis das jovens activistas climáticas têm sido ouvidas e até distorcidas.

Senhor Ministro do Ambiente e da Acção Climática, é reveladora a resposta que dá ao moderador Pedro Santos Guerreiro, quando este lhe pergunta se quer fazer uma pausa depois de lhe ter caído um pouco tinta verde em cima: "Acho que devemos continuar."

Não continue, por favor, Sr. Ministro Duarte Cordeiro. Experimente parar para pensar.

Pense que passámos seis dos nove limites planetários.

Pense na seca extrema que ameaça os solos.

Pense na fome e na sede de pessoas, animais e plantas.

Pense nas milhares de espécies que já desapareceram e nas que estão em vias de extinção.

Pense em nós, nas gerações futuras.

Pense porque é o pensamento que faz de nós humanos.

Pense porque é essa é a nossa responsabilidade ética e moral.

Pense porque é a acção humana que está a comprometer a humanidade e o futuro do planeta e com a acção humana que pode mudar o rumo da história.

Pense que acção climática é o nome da sua pasta e do seu Ministério.

Pense, com peso e medida, no verde simbólico da tinta e no impacto real das políticas ambientais.

E enquanto esfrega a marca de tinta verde do corpo, pense onde está e para onde nos levar.

 

Texto escrito na antiga ortografia.

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