O Espinho sagrou-se campeão e subiu ao Campeonato de Portugal, dois anos depois. Carlos Manuel está na quarta passagem pelos Tigres e ao Maisfutebol falou sobre o seu amor ao clube, sobre o que mudou para este ressurgimento e elogiou o bairrismo que tem dinamizado a equipa. Nem quando jogou na II Liga viu algo assim, admite.
Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.
Estádio Comendador Manuel de Oliveira Violas. Domingo, 7 de maio de 2017.
O Sporting de Espinho recebia o Oliveira do Bairro e tinha a oportunidade de garantir a subida aos Campeonatos Nacionais. Há um ano, no mesmo palco e frente ao mesmo adversário, os Tigres também tiveram essa possibilidade, mas empataram a uma bola e a euforia passou a desilusão.
Agora o filme foi outro.
Casa cheia novamente, entrada em campo completamente falhada e desvantagem de dois golos. O cenário de 2015/16 podia pairar, mas os adeptos ajudaram a inverter a situação.
O capitão Carlos Manuel, de 37 anos, que é um dos mais experientes e com maior currículo, contou ao Maisfutebol como viveu esse jogo e falou deste reerguer dos Tigres.
«A perder 1-0 sentimos os nossos adeptos a pôr-se a pé, a puxar para cima e parecia que tínhamos sido nós a marcar.»
O Espinho conseguiu mesmo dar a volta com um golo no último minuto (3-2), o que levou à loucura do Comendador Manuel de Oliveira Violas.
«Costuma-se dizer que quanto mais difíceis as coisas são, mais saborosas se tornam. Foi complicado, mas já não foi o primeiro jogo que demos a volta e penso que o resultado foi justo», explicando depois o motivo para uma entrada apática no jogo:
«Não entramos bem por todo o aparato à nossa espera. Entrámos e o estádio já estava quase cheio, custou aqueles primeiros momentos para deitar o «bafo» cá para fora. Tivemos a pontinha de sorte, mas fomos uns justos vencedores.»
O jogo era de I Divisão Distrital, mas parecia de I Liga. São os adeptos do Espinho, que acompanham o clube para todo lado, que dão outra dimensão aos jogos.
«Costumo dizer que o Espinho é especial, porque independentemente do campeonato onde participa, para o melhor ou para o pior, há sempre exigência. Acompanham o clube para todo o lado, a onda foi crescendo, crescendo... o Espinho mete muita gente mesmo, os resultados ajudaram e com o trabalho da direção as pessoas acreditaram que o Espinho está de volta e começaram a aparecer em força.»
VEJA MAIS VÍDEOS DESTA FESTA, CLICANDO AQUI
Faltam ainda quatro jornadas para o fim e o título está assegurado com este triunfo. São mais 12 pontos que o segundo União de Lamas, única equipa que conseguiu bater o Espinho em 30 jogos.
Se a vantagem e os números indicam uma liderança tranquila, o início de época nada fazia prever isto: eliminação da Taça de Portugal e três empates e uma derrota nas primeiras quatro jornadas do campeonato.
«Houve mudança de treinador, de ideias, mas o plantel manteve-se. Passamos a jogar de outra forma e de encontro com as ideias do novo treinador. Passado essas jornadas olhamos uns para os outros e dissemos: ‘O que se passa? Temos de começar a arrepiar caminho. Somos os mesmos’. A qualidade estava aqui e podíamos fazer muito mais. Foi um clique que houve. As coisas custaram e está ai a prova que afinal fomos os mesmos.»
Dois anos depois, o Espinho está de regresso aos Nacionais e o capitão acredita que desta vez é para durar, até pelo trabalho que tem sido feito pela nova direção.
«O clube estava à deriva, não tinha crédito em lado nenhum. Falavam das pessoas que estavam à frente, que não pagavam, o clube estava mal visto. Penso que a primeira coisa que fizeram foi limpar a imagem do clube, mas tiveram a infelicidade em descer de divisão no primeiro ano, porque o barco já vinha de outros anos e mal eles sabiam como estava», começou por explicar.
«Pensavam que o barco estava à deriva, mas sem buracos. Tinha muitos e estava a entrar água por todo lado», sentenciou.
«Fomos ao Beira-Mar e levamos cerca de 2 mil pessoas. É uma coisa incrível!»
Carlos Manuel é o atual capitão do Sp. Espinho, já fez 270 jogos pelos Tigres e marcou 78 golos. A história de amor ao clube é longa, mas não é de sempre. Natural de Viseu e com passagem pela formação do Belenenses, clube que representou na I Liga em 2000/01, chegou a Espinho apenas em 2003, aos 24 anos.
«Tenho forte ligação ao Espinho desde o primeiro momento. Fui bem tratado, criei forte ligação ao clube e depois casei em Espinho, o meu filho nasceu aqui. No primeiro ano subimos logo de divisão, para a II Liga. É a segunda subida que tenho a contar com esta», começou por dizer.
«Se antes de vir para aqui jogar tinha ido a Espinho uma vez ou duas foi muito», revelou, por entre risos.
Continuou em Espinho, jogou na II Liga, mas o clube regressou de imediato à II Divisão B. Na época seguinte mudou-se para o Pinhalnovense, só que seis meses depois voltou a «casa». Estávamos na época 2005/06.
Sairia novamente do Espinho no final dessa temporada, regressando ao Fátima, equipa na qual já tinha jogado em 1998/99. Seguiu-se Portimonense e União da Madeira e em 2008 voltou para o Espinho.
Terceira passagem pelos Tigres, esta seria a mais longa. Quatro anos no Comendador Manuel Violas, sempre na II Divisão B e a lutar pela subida à II Liga. O rendimento levou-o para o Sp. Covilhã e nos serranos esteve de 2012 a 2015, inclusive a lutar pela subida à I Liga.
Foi então que regressou a Espinho, onde está há duas épocas.
«Queria terminar a carreira lá e eu para o Espinho não podia ir numa fase em que não pudesse acrescentar nada. Tinha que vir numa fase em que pudesse ajudar. Depois desta direção ter entrado, acreditei que era possivel. Acredito no trabalho da direção, no que está a ser feito, sinto-me válido, dentro de campo tenho dado o contributo da melhor maneira, sinto-me no auge das faculdades e acho que foi o momento certo para regressar.»
Não esconde que jogar com a camisola do Espinho é «especial».
«Foi um orgulho enorme representar o Belenenses, tive a felicidade de me estrear na I Liga, tenho carinho enorme por todos os clubes que representei, mas o Espinho é especial, aprendi a gostar. Estou a construir uma história bonita.»
O médio deparou-se com a grandeza do clube logo no primeiro ano que chegou, apesar de nunca ter jogado na I Liga pelo Espinho. Às histórias que lhe contam dessas alturas, responde assim:
«Esta época bateu todos os recordes. Eu tenho muito conhecimento do clube por causa da família da minha mulher, contam-me histórias antigas, que seguiam o clube para todo lado. Nesses anos que me falam, o Espinho estava na I Liga, agora está na I Distrital. Isto é que é de valor, na I Divisão é normal que esteja cheio, frente a Benfica, FC Porto ou Sporting. Agora nós vamos jogar com clubes que, na maior parte das vezes, ninguém conhece. Ainda fomos ao Beira-Mar e levamos cerca de 2 mil pessoas. É uma coisa incrível!»
E se das outras vezes que jogou no Espinho fê-lo sempre em divisões nacionais, este regresso foi feito nas distritais.
«Quando vim estava na expectativa, mas sabia que podíamos fazer coisas bonitas, com trabalho sustentado. O bichinho estava adormecido e acho que isto é só o começo. As melhores coisas ainda estão para vir.»
Mas hesitou na hora de vir para as distritais?
«Fiz mais de 120 jogos no Sp. Covilhã e tirando a última época em que lutamos para subir, nunca jogamos nem com metade dos adeptos que o Espinho mete. O pessoal diz: ‘Vais para a Distrital...’. Eu disse: ‘Mas vou jogar no Espinho’.»
«‘Quando é que vamos receber?’ é pergunta que nem se faz agora»
Carlos Manuel aponta o regresso do bairrismo como a grande causa para o ressurgimento do clube em força e isso deve-se à atual direção, na sua opinião.
«Os jogadores tem o seu mérito, mas não podemos tirar mérito à direção. Em tão pouco tempo conseguiu limpar a imagem do clube, que estava suja em praça pública, e trazer de volta aquilo que caracterizava o clube: o bairrismo. O clube está com muito mais adeptos e sócios pagantes. A direção entrou e o clube estava no nível -1 e agora já entra em saldo positivo.»
E o capitão dá mesmo o exemplo de uma mudança que faz muitos jogadores quererem jogar no Espinho.
«Em dois anos e meio desta direção conseguiram uma mudança radical. Hoje ‘ordenados’ é palavra que nem se fala. ‘Quando é que vamos receber?’ é pergunta que nem se faz. A mensagem passa rápido e há muitos jogadores interessados em vir e até mesmo treinadores. O Espinho é uma montra muito boa.»
Apesar dos ordenados estarem sempre em dia, são poucos os que vivem do futebol: «Mais de 80 por cento dos jogadores tem o seu trabalho e jogam à noite, alguns têm negócios próprios, outros trabalham em empresas. Só eu e mais dois é que nos dedicamos apenas ao futebol.»
O Espinho voltou a acordar e está de regresso aos Campeonatos Nacionais. Quando saiu, Carlos Manuel deixou o clube a lutar pela subida à II Liga, mas um ano depois caiu aos Distritais.
«Nunca me passou pela cabeça ver o Espinho na divisão onde está, mesmo com todas as condicionantes e problemas. Para quem já vestiu aquela camisola, para quem já esteve naquela casa, é impensável.»
Apesar disso, encontra o ponto positivo que espera que não se afaste com a subida a divisões superiores: «Todos gostaríamos que o Espinho estivesse na I ou na II Liga, mas nesta divisão se calhar vivemos coisas que em mais nenhuma divisão se vive, o bairrismo. Quando se sobem patamares, as coisas são mais profissionais e começa-se a pensar noutras coisas e eu espero que isso no Espinho não aconteça.»
Quase na casa dos 38 anos, Carlos Manuel vai fazer pelo menos mais uma temporada e depois será passo a passo, enquanto se sentir útil e importante.
O capitão dá a receita para o sucesso do Espinho nos próximos anos: «O mais importante é ganhar o título que vamos disputar em junho, a Supertaça. Depois pensar na próxima época, o mais importante é criar infra-estruturas e uma boa base para dentro de um futuro muito próximo alcançar outros patamares.»
«Tenho a certeza absoluta que o Espinho vai voltar a uma II Liga, mais ano menos ano», concluiu.
OUTROS TEXTOS DA RUBRICA «DOMINGO À TARDE»
Tuck: o «eterno capitão» que liderou o «sonho» do Sacavenense
O «chico» que partia pratos foi herói em Oliveira de Azeméis
A «remontada» em Massamá (ou como tornar um sonho Real)
Triunfou em Setúbal, recusou o FC Porto e agora paga para jogar
O pupilo de Mourinho e Jesus rejuvenesceu em Fátima
Uma aventura no Vietname contada pelo homem que ama o Moreirense
O Klysman de Viseu levou os Trambelos à loucura
Sonho de Belém teve pesadelo em Guimarães mas ainda dura em Faro
Aos 28 anos tornou estas águias invencíveis nos distritais
Vila Fria 1980: o primeiro ponto ao fim de 19 jornadas
Jorge Ribeiro: da Luz à Rússia, o pé esquerdo com Faro de golo
Cresceu com o «patinho feio» de Alvalade, agora renasce no Barreiro
Do título à chamada de Mourinho: «Miúdo, logo vais à conferência»
De dia faz cadeiras, à noite é goleador em Gandra
Kadú: «No FC Porto tinha quem limpasse as botas, no Trofense não»
Amigo de Neymar corre atrás do sonho partilhado com Talisca
Amigo de Marco Silva foi herói em Sintra por um penalti
O amigo «galático do Campeonato de Portugal» de Cristiano Ronaldo
«Irmão» de Horta quer tombar Benfica: «Não pode ficar a rir»
Acidente quase lhe matou o sonho, Paulo Fonseca foi «anjo da guarda»
Há um Sócrates que lê livros de Ronaldo e fez dupla com Lucas João
Foi «menino de ouro» no Benfica e renasceu no Oeste
Jogou com Gelson, agora é Iniesta por culpa das miúdas
Rui Rêgo: a palestra de Jardim, uma alegria em Oblak e o sonho concretizado
Mortágua dos amores e golaços, inspirado pelos grandes
Tombou o Benfica, agora funde metal e brilha nos distritais
A melhor defesa da Europa, culpa de um «chato»
Um Mitroglou que quer bater Casillas com ideias de Jesus
Cresceu na sombra de Eto’o e fez um milagre em Fátima
Amigo de Óliver revê-se em Renato: «Uma chance e vou explodir»