Os relatos de queda de cabelo entre pessoas infetadas rapidamente chamaram a atenção da comunidade médica no início da pandemia. Este ano, diz o tricologista Rui Oliveira Soares, há quatro vezes mais queixas
Fadiga, névoa mental, anosmia e ageusia são algumas das sequelas associadas ao pós-infeção por Sars-Cov-2, mas há outra que rapidamente chamou a atenção da comunidade médica: a queda de cabelo.
Logo na primeira fase da pandemia, chegaram aos médicos relatos de perda de fios e volume capilar dois a três meses após a infeção aguda por Sars-Cov-2. Embora a comunidade científica tenha alertado para os sinais dermatológicos que poderiam ser tidos como sintomas de covid-19 (como o caso do chamado dedo covid), desde cedo que percebeu que a queda de cabelo não era um sintoma, mas sim uma consequência direta da infeção e do impacto do vírus no organismo.
O que está em causa é o chamado deflúvio telógeno, um tipo de queda de cabelo que tende a ser limitada e reversível algumas semanas depois. Esta condição é caracterizada pela queda de fios de cabelo acima do normal e que pode ser impulsionada por vários fatores, incluindo a febre (um dos sintomas mais comuns da covid-19), stress, perda de peso, toma de determinados medicamentos ou evento traumático. É também o tipo de queda de cabelo que afeta muitas mulheres depois de darem à luz.
Um dos primeiros estudos, levado a cabo pelo Albert Einstein College of Medicine, nos Estados Unidos, em julho de 2020, dava conta de que a queda de cabelo acontecia em pessoas que tinham sido infetadas, independentemente do quão ligeiros ou severos foram os sintomas sentidos.
Por cá, o cenário foi idêntico: “logo na primeira vaga, em 2020, comecei a aperceber-me de que vinham muitas pessoas com queda de cabelos pós-covid. Umas cerca de três meses depois, outras duas ou três semanas depois da infeção”, diz à CNN Portugal Rui Oliveira Soares, médico dermatologista e tricologista e autor do estudo Deflúvio telógeno agudo em pacientes recentemente infetados com Sars-Cov-2, que levou a cabo juntamente com a médica Ângela Rosa.
Publicado na Revista da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia, o estudo português acompanhou 27 pessoas com infeção por Sars-Cov-2 laboratorialmente identificada que foram seguidas na Unidade de Cabelo do Centro de Dermatologia do Hospital CUF Descobertas, entre março e outubro de 2020. No entanto, as queixas de queda de cabelo associada à covid-19 aumentaram este ano. Segundo o especialista, “em 2021, tive quatro vezes mais doentes do que em 2020 e houve um pico em janeiro de 2021”.
Uma queda de cabelo que pode ser resolvida
“O deflúvio telógeno ocorre quando um maior número de cabelos entra em simultâneo na fase telogénica (de queda) do ciclo do cabelo, provocando uma queda prematura de cabelo”, explica a dermatologista Helena Toda-Brito, que deixa claro que “não é uma queda de cabelo preocupante e é habitualmente totalmente reversível mesmo sem tratamento”.
Na maioria dos casos de deflúvio telógeno, a queda de cabelo “começa dois a três meses após o evento desencadeante, podendo prolongar-se por seis a nove meses até parar”, esclarece a dermatologista, que diz que, “no caso da covid-19, pensa-se que os efeitos citopáticos virais e respostas inflamatórias (inflamação dos pequenos vasos papilares ou peripapilares) ou imunes (estimulação por citocinas e depósito de imunocomplexos) podem afetar os folículos pilosos e explicar a queda de cabelo”.
Apesar de a queda de cabelo ter vindo a ser associada à long-covid, Rui Oliveira Soares diz que se está “a confundir sintomas de covid-19 que se prolongam no tempo” – como o cansaço, a dificuldade respiratória e a perda de olfato e/ou paladar – com uma consequência da doença que, pelas próprias características da condição, já iria acontecer semanas após o fator que a desencadeou (neste caso, o próprio vírus ou a febre).
E quando a queda de cabelo afetou quem não foi infetado?
Uma vez que o ciclo natural do cabelo pode ficar suscetível a vários fatores, até mesmo quem escapou à infeção por Sars-Cov-2 pode ter notado uma perda mais acentuada de fios e volume capilar. Em causa, dizem os dois especialistas entrevistados pela CNN Portugal, está o stress causado pela pandemia.
Também os confinamentos e a mudança repentina de hábitos – seja laborais ou alimentares -, aliados a más rotinas de sono e a um maior sedentarismo, podem ter sido determinantes para levar uma maior queda de cabelo nos últimos meses.
“O stress emocional é uma causa conhecida de deflúvio telogénico, podendo forçar a entrada de mais cabelos do que o normal na fase de queda. Também neste caso, a queda de cabelo começa dois ou três meses após o início do stress e resolve apenas após o término do stress”, esclarece Helena Toda-Brito.