Até lá fora mostram mais entusiasmo com Costa no Conselho Europeu do que Montenegro. E há três razões para isso

21 mar, 22:00

Luís Montenegro está a tentar “ganhar tempo” antes de se pronunciar sobre se dará ou não, enquanto chefe do Executivo, apoio a António Costa caso este se candidate a presidente do Conselho Europeu

António Costa tem uma “espetacular carreira política” e “agora” só tem de “limpar o seu nome a tempo de se tornar presidente do Conselho Europeu”, escreve o Politico na rede social X. “O aparente sucesso de Costa em Lisboa e a popularidade em Bruxelas fizeram dele um favorito na corrida pelos principais cargos do bloco, que deverão ser atribuídos pouco depois das eleições para o Parlamento Europeu, em junho”, lê-se na notícia que fez, no início do mês, capa da edição europeia deste jornal.

Nomes como Emmanuel Macron e Olaf Scholz já vieram mostrar a sua preferência pelo político português, mas por cá, Luís Montenegro, agora primeiro-ministro indigitado, mantém o tabu sobre o tema, apenas dizendo que “é prematuro” comentá-lo. E quem diz comentar, diz expressar ou não o apoio a António Costa.

Para Paula do Espírito Santo e José Filipe Pinto, há três razões pelas quais Luís Montenegro adotou uma postura de prudência: garantir uma “moeda de troca”, tentar controlar eventuais críticas internas dentro do partido e, sobretudo, não querer antecipar-se a qualquer decisão judicial.

Luís Montenegro só apoia António Costa se sentir que há da parte do PS uma predisposição para negociar, para não dificultar a vida ao Governo”, começa por dizer o politólogo José Filipe Pinto, defendendo que, com esta posição - que, a seu ver, “verdadeiramente faz sentido” - , o líder do PSD e primeiro-ministro indigitado coloca o ónus da “responsabilidade em Pedro Nuno Santos”, devolvendo-lhe aquilo a que chama “chantagem”.

A socióloga política e eleitoral partilha da mesma opinião e afirma mesmo que “tudo na política é uma moeda de troca” e que Luís Montenegro pode estar “a ser tático”. “Não significa que não venha a fazer um compromisso formal de apoio, mas quer garantias. Não há apoios grátis. Tudo na política é uma moeda de troca”, vinca Paula do Espírito Santo.

“A moeda de troca pode valer bastante. A política faz-se de apoios e de contrapartidas”, destaca a sociológica política.

O secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, já disse estar disposto a viabilizar o orçamento retificativo que a AD poderá vir a apresentar, mas garante que será uma “oposição forte” e insta Luís Montenegro a apresentar uma solução governativa “estável”. Nesta perspetiva”, e segundo José Filipe Pinto, “não há paz negocial, há uma tentativa do que chamo intimidação, uma tentativa quase de chantagem de parte a parte”. 

“Com esta prudência, Luís Montenegro devolve a Pedro Nuno Santos a estratégia de chantagem”, vinca o especialista em Política.

João Pacheco, politólogo, entende que “antes de tudo é prematuro que o primeiro-ministro recém indigitado faça qualquer tipo de declaração quando no calendário político há outras grandes decisões” com impacto na estabilidade política do país, referindo-se à composição do governo, ao programa de governo e ao orçamento retificativo ou do Estado que “vai apresentar”. No entanto, o também comentador da CNN Portugal destaca que “é curioso” que Luís Montenegro “não tenha dito ainda categoricamente” que não apoia uma eventual candidatura de António Costa, dando a “entender que há abertura” para um diálogo.

Iremos ter o governo mais minoritário de sempre na Assembleia da República, vai exigir muito diálogo, muita concertação, pode ser um sinal de abertura, pode ser interpretado como sinal de abertura ao PS, mas temos de ver qual a posição do PS”, afirma João Pacheco, embora defenda que “reduzir isto a uma moeda de troca, por mais que percebamos a lógica da negociação política, é menorizar o que está em causa: seja António Costa ou não, [um português a liderar o Conselho Europeu] é uma oportunidade de Portugal estar representado ao mais alto nível”.

Uma outra possível razão para a reação de Luís Montenegro esta manhã em Bruxelas prende-se com a “questão ideológica”. Paula do Espírito Santo destaca a “posição de resguardo” de Luís Montenegro ao “não avançar com respostas sobre as quais o núcleo central do PSD não discutiu”. A socióloga diz mesmo que o líder do PSD está a tomar uma “posição politicamente correta”, não para inglês ver, mas para os sociais-democratas verem.

No entanto, Paula do Espírito Santo crê que “a visão institucional, de Estado”, levará a melhor à “visão partidária”.

José Filipe Pinto também considera que o social-democrata “está a ser prudente”, pois uma ida de Costa para o Conselho Europeu “valoriza Portugal, mas simultaneamente valoriza a situação partidária, neste caso a do Partido Socialista” em detrimento do PSD. Além disso, continua o politólogo, “esta concessão do apoio ao socialista iria veicular todo um partido, o PSD, e é evidente que surgirão vozes no PSD que contestarão este apoio a António Costa, uma vez que sentem que o PSD dispõe também de nomes passíveis de serem indigitados para esta função”.

Segundo o Politico, “poucos em Bruxelas argumentariam que Costa não tem talento para o trabalho, mas começa a perceber-se que viria com um camião cheio de bagagem”. E essa bagagem poderá ser também uma questão determinante para Luís Montenegro ainda não ter dito se o seu governo irá ou não apoiar uma eventual candidatura de Costa ao Conselho Europeu, diz José Filipe Pinto. 

“A justiça é uma escapatória para Luís Montenegro, ele entende que não se justifica apoiar um candidato que, apesar da presunção da inocência, tem um processo em curso. Esta pode ser uma justificação, a escapatória, o politicamente correto”, diz o politólogo.

“Pode estar a querer ganhar tempo”, considera Paula do Espírito Santo, defendendo que Luís Montenegro pode querer aguardar para saber se há ou não “desenvolvimentos nas próximas semanas” antes de se pronunciar sobre um eventual apoio. E o mais certo é que demore. A procuradora-geral da República admitiu esta quinta-feira ser possível que o processo autónomo no Supremo Tribunal de Justiça que visa o primeiro-ministro cessante António Costa, no âmbito da Operação Influencer, possa passar para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, acrescentando que não faz ideia de quando pode estar concluída a investigação.

Luís Montenegro não tem as cartas todas em cima da mesa e a questão judicial é um elemento importante. Não nos podemos sobrepor à justiça e ele, como primeiro-ministro [ainda indigitado e não em funções], pode perder se apostar erradamente na figura”, considera a especialista.  

E com isto pode Luís Montenegro ser acusado de falta de patriotismo ao não apoiar um português à candidatura a um alto cargo na Europa? Sim. Mas, mais uma vez, pode argumentar a seu favor, diz José Filipe Pinto. 

“Se não apoiar, [Luís Montenegro] vai ser acusado de falta de patriotismo, mas pode sempre replicar com a questão da justiça, dizendo que não confunde patriotismo com patrioteirismo”, conclui o politólogo.
 

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