Tese: "Ponho a hipótese de o Chega passar o PSD se houver novas eleições". Outra tese: "O Chega atingiu o tecto"

13 mar, 18:00
André Ventura, do Chega (Lusa/ Miguel A. Lopes)

12x4=48 deputados, uma crise política quadruplicou o tamanho do Chega no Parlamento. Se o próximo Governo cair antes do tempo como caiu o anterior, há quem veja o Chega a multiplicar-se de novo mas há quem anuncie que o Chega vai bater com a cabeça no tecto. Fomos ver como os argumentos se multiplicam

São 48 deputados num cenário que, pelo menos por enquanto, se perspetiva de governabilidade complexa. E são 48  deputados que surgem depois de um cenário em que um Governo caiu de forma também ela complexa: tinha maioria absoluta mas teve ainda várias demissões e polémicas sucessivas, implosões constantes que terminaram de vez com a explosão de um caso judicial sem desfecho e de dinheiro vivo, muito dinheiro vivo encontrado no chefe de gabinete do primeiro-ministro. Posto isto: houve uma crise política, há a ameaça de outra - por motivos diferentes porque a aritmética parlamentar mudou e a aprovação do próximo Orçamento vai ser uma experiência alucinante. Mas com crises destas costumam vir eleições. Outra vez.

“Não é automático que novas eleições favoreçam o Chega. Desde que André Ventura entrou na Assembleia da República já houve duas dissoluções e em ambos os casos o Chega subiu, mas não é automático”, começa por dizer o historiador Manuel Loff, dizendo que, olhando para todas as eleições - das autárquicas às presidenciais -, o partido de André Ventura tem oscilado. “Nas autárquicas teve um resultado muito fraco. É muito provável que o Chega tenha atingido um determinado tecto.”

Para Paula do Espírito Santo, sociológica política e eleitoral, “o poder que o Chega tem de ser visto em perspetiva”. A professora de Ciência Política no ISCSP explica que o Chega tem, de facto, “muito poder do ponto de vista sociológico, há um crescimento social, até esperado e que se enquadra na onda de crescimento dos fenómenos mais radicais”, mas, “por enquanto, e num plano aritmético, isso pode não ser consequente”. 

Mas uma nova ida às urnas a curto prazo pode, na verdade, beneficiar André Ventura. Paula do Espírito Santo considera que o Chega “vai fazer muito ruído e ampliar muito a mensagem”. Se entretanto formos novamente a eleições, o aumento do número de deputados é “uma das consequências prováveis”, mas, ainda assim, pouco clara. “Ainda não temos bem a noção” onde o Chega foi buscar tantos votos (mais de um milhão e cem mil), “mas uma parte da força do Chega vem de uma abstenção de longa duração e esses abstencionistas são os que deram agora a maior previsibilidade”, podendo ditar o "tecto máximo" de crescimento do Chega.

“Esse crescimento [do Chega], que vem desses abstencionistas que não votavam há muitos anos, pode ter estabilizado. Mas tal não significa que o Chega não vai buscar votos a todos os partidos da esquerda à direita, mas a amplitude do crescimento pode ser limitada”, explica Paula do Espírito Santo.

O historiador Riccardo Marchi vê o Chega a crescer mais. “Não creio que o Chega tenha chegado ao seu limite, hoje em dia até ponho uma hipótese que não punha há um ano, que é o Chega passar o PSD. E esta dinâmica pode acontecer se a AD continuar a cometer erros de estratégia que fazem perder cada vez mais eleitores.”

Mas o historiador italiano considera que há um fator determinante que vai determinar se o partido de André Ventura poder crescer ainda mais se Portugal for novamente a votos nos próximos meses: ser ou não responsável pela queda do governo de Luís Montenegro. 

Na terceira semana de abril, a AD apresenta o seu programa de Governo, que não tem de ser votado. Mas arrisca-se a uma moção de rejeição, algo que o PCP já disse que vai fazer. Só que o Chega tem de votar a ao lado da esquerda (ou abster-se), algo extramente improvável (e ainda há a questão de o PS ter dito que não viabilizaria uma moção de rejeição).

“André Ventura pode até aceitar a queda do Governo, mas não quer ser o provocador disso: primeiro porque iria radicalizar o eleitorado o PSD como anti-Chega - e são já quase 70% os eleitores do PSD que não querem um acordo com o Chega; como o André Ventura tem de conquistar estes eleitores, para isso não pode dar uma facada nas costas da AD”, diz Riccardo Marchi, também investigador no ISCTE-IUL e que se tem dedicado ao estudo das direitas radicais na democracia portuguesa.

André Ventura já disse que está disposto a negociar medida a medida do Orçamento do Estado que virá a ser apresentado pela Aliança Democrática. Ainda assim o presidente do Chega, em entrevista à TVI e CNN Portugal, admitiu chumbar o documento - e isso pode fazer com que haja eleições já em janeiro, uma vez que o Orçamento é discutido em outubro e a Constituição diz que são precisos cerca de dois meses entre a queda do Executivo e uma nova ida às urnas.

Tal como Riccardo Marchi, também Manuel Loff acredita que uma queda do Governo conduzida por André Ventura pode tirar votos ao partido. “Vamos imaginar que o Chega, no próximo Orçamento do Estado ou no seguinte, é tido pelo eleitorado de direita como o responsável pela queda do governo. Nessa altura é o Chega quem paga a fatura”, diz, dando como exemplo o que aconteceu ao Bloco de Esquerda e PCP, que fizeram cair o governo de Costa e que nas eleições seguintes perderam votos, enquanto o PS conquistou uma maioria absoluta.

Fidelização e volatilidade

Se para as eleições deste ano André Ventura já teve de fazer algum jogo de cintura - beneficiou de dissidentes liberais e sociais-democratas, mas teve de recorrer a nomes dentro do partido que tinham sido ‘despromovidos’, como Bruno Nunes -, a verdade é que quanto mais crescer maior será esse mesmo jogo. 

Riccardo Marchi defende que um crescimento mais exponencial do Chega, que até o permita ser a primeira força política à direita, “é um perigo também para o Chega”. Em causa, diz, está “o eleitorado dos partidos populares e da direita radical”, que caracteriza como “muito volátil”. É um eleitorado que, no fundo, “uma vez conquistado não é para sempre fidelizado”. 

“Aqui, também André Ventura, apesar da posição avantajada, tem de ter cuidado com aquilo que faz, sob pena de contrariar parte do eleitorado que ele próprio conhece só até certo ponto - não sabe exatamente o que querem”, continua o historiador italiano, embora reconheça que o líder do Chega é “tático” e “sabe interpretar o eleitorado” . Prova disso é “a mudança da estratégia política” durante a campanha, em que os seus chavões pouco ou nada foram mencionados. “Ventura foi ouvindo ao longo dos meses e dos anos o crescimento do seu eleitorado” e da própria base militante do partido e “percebeu quais os novos inputs e mudou a comunicação política, daí ter parado de falar dos ciganos, castração química e prisão perpétua”, exemplifica Marchi.

Sobre o discurso de André Ventura e a mudança de tom e postura, Manuel Loff defende que “nem tudo o que André Ventura diz significa mais votos”. “André Ventura bem se pode vestir das formas que quiser como se fosse moderado, mas é o partido com maior grau de rejeição apesar de ter sido dos mais votados. Dos 82% de votantes que não votaram nele [no Chega], a maioria deles rejeita o Chega”, diz, sublinhando que pode ser difícil ao partido ir buscar muitos mais votos aos concorrentes.

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