O dilema de Lagarde. Irá o BCE subir juros pela décima vez consecutiva? A única certeza é que a prestação da casa vai continuar a aumentar

14 set 2023, 07:00
Christine Lagarde - Banco Central Europeu

A acontecer uma nova subida de taxas, será a décima consecutiva, e colocará a taxa de depósitos da zona euro no nível mais alto de sempre. A incerteza sobre o que vai acontecer é a nota dominante. Mas as taxas Euribor continuam a dar sinais de que já atingiram o seu ponto máximo. Ainda assim, não é suficiente para impedir novas subidas da prestação a pagar ao banco

Os dados da inflação em agosto foram uma deceção, com a taxa a manter-se inalterada face a julho. Os dados sobre a atividade económica têm mostrado que a zona euro se aproxima de uma recessão. Vários economistas, entre os quais Vítor Constâncio, antigo vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), não escondem que a zona euro pode estar à beira de um episódio de estagflação, com a economia em recessão e, ainda assim, com os preços descontrolados.

Quando esta quinta-feira Christine Lagarde e os restantes membros do Conselho de Governadores do BCE se reunirem em Frankfurt, na Alemanha, será este o dilema que terão pela frente: subir ou não subir novamente as taxas de juro. Se subir pode acentuar ainda mais o cenário de recessão, sem a certeza de que traz a inflação para os desejados 2%. Se não subir, aumenta a probabilidade de os preços se manterem descontrolados, sem garantir que a economia se salva de uma recessão.

A agência Reuters, como é habitual antes das reuniões do BCE, colocou a questão a 69 economistas: 39 disseram que o BCE iria fazer uma pausa na reunião desta quinta-feira e manteria as taxas inalteradas; os restantes 30 disseram que o BCE subiria as taxas em mais 0,25 pontos percentuais. E mesmo quando questionados como estariam as taxas de juro no final do ano, a divisão é notória. Trinta e seis dos 69 inquiridos anteciparam que a taxa de juro de depósito se mantenha inalterada até ao fim do ano nos 3,75% e 33 apostam numa subida até aos 4%.

Lagarde tem dito sempre que as decisões do BCE são baseadas em dados. Mas desde a última reunião do BCE, em julho, onde voltou a subir as taxas de juro, os dados também não permitem conclusões definitivas. Se por um lado os dados de atividade do setor privado têm dado mostras de que a zona euro se aproxima de uma recessão, as previsões da Comissão Europeia divulgadas na segunda-feira, apontam para um abrandamento do crescimento económico para 0,8% na zona euro, mas sem uma recessão no horizonte. E mesmo olhando para as maiores economias do euro, apenas a Alemanha está perante um cenário de recessão em 2023, com a economia a recuar 0,4%.

Do lado dos preços, os dados de agosto mostram que a taxa de inflação, que até vinha a desacelerar, estagnou face a julho nos 5,3%. E para piorar o cenário, o petróleo, que no final de junho estava ligeiramente acima dos 70 dólares por barril, está agora acima dos 90 dólares por barril aumentando as pressões inflacionistas.

Dados não faltarão ao BCE que também esta quinta-feira irá publicar novas previsões para a zona euro depois de as discutir internamente. Nas últimas, publicadas em junho, a autoridade monetária da zona euro apontava para que a economia crescesse 0,9% este ano, 1,5% em 2024 e 1,6% em 2025. Para a evolução dos preços, a instituição liderada por Christine Lagarde apontava para uma taxa de inflação de 5,4% este ano, 3% em 2024 e 2,2% em 2025, ainda acima da meta desejada.

Mas também aqui o cenário é pior. A agência Reuters, citando uma fonte com conhecimento direto sobre o assunto, garante que as novas projeções do BCE colocam a previsão de inflação para 2024 acima dos 3% anteriormente previstos, aumentando a pressão para uma subida de juros.

Sandra Utsumi, diretora-executiva do Haitong Bank, diz à CNN Portugal que o BCE ainda tem espaço para subir mais as taxas de juro, apontando para uma subida até ao final do ano de 0,25 pontos percentuais e sublinha mesmo que “caso venham a manter a taxa inalterada, será uma decisão de pausa temporária para avaliar a necessidade de aperto mais à frente em outubro ou dezembro”.

Para Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, atualmente, os mercados atribuem uma probabilidade de 66% de que ocorra uma subida de taxas de juro na reunião desta quinta-feira. “As perspetivas de uma subida das taxas de juro pelo BCE têm-se intensificado na última semana, devido aos receios de uma inflação mais alta por um período mais longo do que o esperado. Receios esses impulsionados pela subida do barril de petróleo brent após a manutenção do corte de produção pela Arábia Saudita e Rússia por mais dois meses, até ao final do mês”, alerta o economista.

 

NOTA | O BCE tem três taxas de juro de referência:

- A taxa das principais operações de refinanciamento, sob a qual os bancos podem contrair empréstimos junto do BCE pelo prazo de uma semana: está nos 4,25%, mas esteve fixada em zero entre março de 2016 e julho do ano passado;

- A taxa de depósito, que determina os juros que os bancos recebem pelos depósitos realizados junto do BCE: está em 3,75%. Mas entre julho de 2012 e junho de 2013 era de zero. E entre junho de 2013 e julho do ano passado era negativa, obrigando os bancos a pagar pelos depósitos que faziam no BCE;

- E a taxa de cedência de liquidez, que determina o juro que os bancos pagam quando contraem empréstimos junto do BCE pelo prazo de um dia (overnight). Está atualmente em 4,50%.

 

Política do BCE já levou a aumentos de 80% nas prestações a pagar ao banco

Independentemente do que vier a ser decidido esta quinta-feira pelo BCE, a evolução das Euribor já dá sinais de que a subida das taxas que servem de indexante ao crédito à habitação está perto do fim.

Em agosto, a média da Euribor 12 meses, a taxa mais utilizada nos contratos de crédito em Portugal, já foi inferior a julho. Já a Euribor 6 meses apenas aumentou duas milésimas de ponto percentual entre julho e agosto e a Euribor 3 meses aumentou 0,108 pontos percentuais, ainda assim, o aumento mais baixo desde junho do ano passado.

Os dados de setembro já conhecidos, apenas dos primeiros 13 dias do mês, parecem confirmar a tendência de estagnação das taxas. A média da Euribor 12 meses está a subir face a agosto, mas apenas três milésimas de ponto percentual, na Euribor 6 meses a subida é de nove milésimas e mesmo na Euribor 3 meses a subida é de apenas 0,026 pontos. Ou seja, as três taxas estão praticamente inalteradas face ao mês anterior.

Estes dados não significam, no entanto, que as prestações a pagar ao banco também estejam a estagnar. Isto porque a comparação não é feita mês a mês, mas face à última revisão do contrato. Para quem tenha como indexante a Euribor 12 meses, por exemplo, e que o seu contrato seja revisto em outubro, a taxa de juro relevante a considerar será a média de setembro. Com os dados já conhecidos, a taxa está nos 4,074%, mas este valor terá de ser comparado com a taxa praticada em setembro do ano passado, ou seja, 2,233%. É por isso que os titulares de contratos revistos em outubro ainda vão sentir um aumento significativo da prestação a pagar ao banco.

Pegando no exemplo de um crédito à habitação de 150 mil euros a 30 anos, com um spread de 1%, indexado à Euribor 12 meses, e tendo por base apenas os dados conhecidos de setembro, a prestação passará a ser de 812,21 euros quando há um ano era de apenas 651,41 euros, um aumento de mais de 160 euros.

Os aumentos variam consoante o indexante e o montante do empréstimo, mas a tendência é a mesma. Mesmo que as taxas de juro estejam a estagnar, ainda serão precisos mais meses em que se mantenham estagnadas ou que comecem a descer para que as prestações a pagar também venham a estagnar ou a descer.

Quanto já aumentou e quanto poderá subir em outubro a prestação da casa 

Empréstimo a 30 anos com spread de 1%

(Dados das Euribor de setembro apenas até dia 13)

EURIBOR 3 MESES

  Empréstimo
de 25 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 92,54  
Janeiro de 2023 106,25 13,71
Abril de 2023 118,07 11,82
Julho de 2023 127,21 9,14
Outubro de 2023 131,26 4,05
Aumento face há um ano   38,72

 

  Empréstimo de 50 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 185,08  
Janeiro de 2023 212,50 27,42
Abril de 2023 236,15 23,65
Julho de 2023 254,41 18,26
Outubro de 2023 262,51 8,10
Aumento face há um ano   77,43

 

  Empréstimo de 75 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 277,63  
Janeiro de 2023 318,76 41,13
Abril de 2023 354,22 35,46
Julho de 2023 381,62 27,40
Outubro de 2023 393,77 12,15
Aumento face há um ano   116,14

 

  Empréstimo de 100 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 370,17  
Janeiro de 2023 425,01 54,84
Abril de 2023 472,30 47,29
Julho de 2023 508,83 36,53
Outubro de 2023 525,03 16,20
Aumento face há um ano   154,86

 

  Empréstimo de 125 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 462,71  
Janeiro de 2023 531,26 68,55
Abril de 2023 590,37 59,11
Julho de 2023 636,03 45,66
Outubro de 2023 656,29 20,26
Aumento face há um ano   193,58

 

  Empréstimo de 150 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 555,25  
Janeiro de 2023 637,51 82,26
Abril de 2023 708,45 70,94
Julho de 2023 763,24 54,79
Outubro de 2023 787,54 24,30
Aumento face há um ano   232,29

 

EURIBOR 6 MESES

  Empréstimo de 25 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 100,03  
Abril de 2023 123,23 23,2
Outubro de 2023 133,5 33,47
Aumento face há um ano   33,5

 

  Empréstimo de 50 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 200,07  
Abril de 2023 246,47 46,4
Outubro de 2023 267,01 66,94
Aumento face há um ano   66,9

 

  Empréstimo de 75 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 300,1  
Abril de 2023 369,7 69,6
Outubro de 2023 400,51 100,41
Aumento face há um ano   100,4

 

  Empréstimo de 100 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 400,13  
Abril de 2023 492,94 92,81
Outubro de 2023 534,01 133,88
Aumento face há um ano   133,9

 

  Empréstimo de 125 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 500,16  
Abril de 2023 616,17 116,01
Outubro de 2023 667,52 167,36
Aumento face há um ano   167,4

 

  Empréstimo de 150 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 600,2  
Abril de 2023 739,4 139,2
Outubro de 2023 801,02 200,82
Aumento face há um ano   200,8

 

EURIBOR 12 MESES

  Empréstimo de 25 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 108,57  
Outubro de 2023 135,37  
Aumento face há um ano   26,8

 

  Empréstimo de 50 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 217,14  
Outubro de 2023 270,74  
Aumento face há um ano   53,6

 

  Empréstimo de 75 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 325,71  
Outubro de 2023 406,11  
Aumento face há um ano   80,4

 

  Empréstimo de 100 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 434,27  
Outubro de 2023 541,48  
Aumento face há um ano   107,2

 

  Empréstimo de 125 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 542,84  
Outubro de 2023 676,85  
Aumento face há um ano   134,0

 

  Empréstimo de 150 mil euros
  Pagava Aumento
Outubro de 2022 651,41  
Outubro de 2023 812,21  
Aumento face há um ano   160,8

 

E se as subidas de taxas de juro provocaram aumentos significativos no último ano, se se analisar o aumento verificado desde que as taxas Euribor começaram a subir, sensivelmente em janeiro de 2022, então, o aumento das prestações é ainda mais significativo.

Seguindo o mesmo exemplo de um contrato de 150 mil euros a 30 anos, com um spread de 1%, os aumentos ficam em redor dos 80%.

Um contrato indexado à Euribor 3 meses em janeiro do ano passado obrigava a uma prestação de pouco mais de 444 euros e, em outubro deste ano, poderá ultrapassar os 787 euros, uma subida de mais de 340 euros ou 77%. Para o mesmo exemplo, mas com a Euribor 6 meses como indexante, a prestação passa de 447 euros para 801 euros, um aumento de 354 euros ou 79%. E para um contrato indexado à Euribor 12 meses, o aumento é ligeiramente superior a 80%, com a prestação a passar de 450 euros para 812 euros, mais de 361 euros de diferença.

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