Di Stéfano treinou o Sporting e exigiu 'onze andares' de distância do Benfica

12 nov 2016, 00:06

Contaram-me como foi a passagem de Di Stéfano pelo Sporting

Cristiano Ronaldo viveu a «melhor semana da sua vida» devido às renovações com o Real Madrid e com a sua marca desportiva, assumiu ele, e ficará para sempre como uma ou a figura de proa do clube merengue.

Já bateu quase todos os recordes, é o melhor marcador de sempre, soma títulos atrás de títulos e Florentino Pérez, como forma de reconhecimento do seu valor e da sua importância desportiva, ofereceu-lhe um contrato que vai até aos 36 anos.

Mas não é o último, avisou CR7.

Quer prosseguir e no Real Madrid, «clube do coração» como afirmou. Ficará para sempre, e isto é inegável mesmo que venha a ser ultrapassado nos números no futuro, na história de um dos melhores clubes do mundo ao lado de figuras como Raúl e Di Stéfano.

Ora, é precisamente em Di Stéfano que encontrámos uma curiosidade que o liga a Cristiano Ronaldo.

Para além do Real Madrid e dos golos ao serviço do clube, 324 para o português, 307 para o argentino, os dois têm o Sporting no currículo.

O passado de leão de Ronaldo é conhecido por todos, a passagem de Di Stéfano é um episódio menos mediático.

Foi fugaz, mas deixou histórias para contar.

Recuámos até ao verão de 1974, João Rocha decide tentar a contratação de Di Stéfano para treinar a equipa principal dos leões. Vai a Benidorm e convence o «Flecha Dourada» a vir para Lisboa, prosseguir a carreira em Alvalade.

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Já tinha treinado o Elche, o Boca Juniors e o Valencia, com sucesso, e a expectativa com a vinda para o Sporting era grande. Carlos Pereira, jogador desse plantel, recorda a altura.

«Di Stéfano foi uma figura de tamanha dimensão como jogador e treinador, mais ainda como jogador. Foi para nós Sporting, enquanto clube, importante ter a presença de uma pessoa com uma dimensão desta natureza», começou por dizer.

Apesar do entusiasmo quase nada correu como devia, a começar pela pré-temporada.

«Iniciámos a pré-época com grandes expectativas por ter uma pessoa desta dimensão à frente dos destinos do clube, mas logo na pré-época no Brasil os resultados não foram muito bons, alguns até bastante desnivelados. As coisas não foram satisfatórias.»

Derrota atrás de derrota era desmotivante, mas o que mais lamentou Carlos Pereira não foi a nível desportivo.

«Era uma pessoa um bocado distante, tinha um relacionamento mais direto como Damas e o Yazalde, mas com os outros era distante, o que para nós foi uma surpresa porque ele foi jogador e sabe da proximidade que deve haver entre treinador e jogador.»

«Este é o único clube do mundo que o presidente também é roupeiro’»

Episódios que demonstram isso não faltam. Carlos Pereira contou um que aconteceu após um duelo com o Vasco da Gama, no Brasil, num jogo entre os atuais campeões dos dois países.

«Os tempos eram difíceis e não foi um roupeiro na viagem para ser substituído pelo Oswaldo Silva [antigo jogador do Sporting e treinador da formação na época], que era um brasileiro que já não ia ao Brasil há muitos anos. Então, nós jogadores prescindimos que fosse o roupeiro, e em vez de ir o roupeiro foi o Oswaldo Silva e nós assumimos a parte dos equipamentos, pôr no saco e mandar para a lavandaria. Estávamos no Estádio do Vasco da Gama, o São Januário, perdemos o jogo e no fim começamos a arrumar a roupa e o João Rocha por uma questão de colaboração também estava a pôr a roupa e as toalhas nos sacos. O Di Stéfano estava mais à parte e disse para o Yazalde, houve até jogadores que ouviram: ‘Este é o único clube do mundo que o presidente também é roupeiro’.»

O plantel não gostou: «Foi caricato e a nós não nos caiu bem porque tínhamos feito aquilo de uma forma singular porque gostávamos muito do Oswaldo Silva.»

«Isto não veio nos jornais mas é verídico», reforçou Carlos Pereira.

Só que não ficou por aqui, nessa mesma pré-época conseguiu ‘embirrar’ com o rival Benfica.

«Chegámos ao Brasil para jogar com o Benfica, Cruzeiro e Atlético Mineiro num torneio e ele exigiu que o Sporting e o Benfica ficassem separados onze andares no hotel, exigiu na receção», revelou.

Dentro do hotel, especificamente nas refeições, era controlador.

«Ele é que servia o vinho nas mesas, andava com a garrafa no meio da sala a servir os jogadores, a controlar o que bebiam, só dava um copo a cada jogador, aqueles que bebiam.»

O Sporting regressou a Portugal para iniciar a época, só que tudo continuou a correr mal.

A primeira jornada ditou um Olhanense-Sporting, num jogo que Di Stéfano não foi para o banco de suplentes porque o seu contrato ainda não tinha sido assinado, estava só apalavrado.

Os algarvios venceram por 1-0 e conseguiram a sua primeira vitória de sempre frente aos leões. Di Stéfano sairia a seguir ao jogo, uma passagem que não deixou muita saudade para Carlos Pereira: «Dececionou um bocado na relação treinador-jogador, não foi uma persona muito grata para nós.»

«Don Stéfano» continuou a sua carreira de treinador em clubes como Rayo Vallecano, Castellón, River Plate, até chegar ao «seu» Real Madrid, somando mais títulos.

Como treinador venceu uma liga espanhola, uma segunda divisão espanhola, uma supertaça de Espanha, uma Taça das Taças, uma taça da Argentina e dois campeonatos argentinos: um pelo Boca Juniors (1969) e outro pelo River Plate (1981), tendo sido o primeiro técnico a fazê-lo pelos dois rivais.

Como jogador são ainda mais os títulos, quase todos ao serviço do Real Madrid.

Representou como futebolista o River Plate, Huracán, Millionarios (Colômbia), Real Madrid e Valencia, onde terminou a carreira em 1966.

Conquistou dois campeonatos na Argentina, quatro na Colômbia, uma taça colombiana, oito campeonatos espanhóis, duas Taças Latinas, cinco Taças dos Campeões Europeus, uma Taça Intercontinental, uma taça de Espanha e um campeonato sul-americano.

Os títulos falam por si, quem viu descreve-o como um jogador «completíssimo», um dos melhores de sempre.

Por exemplo, Eusébio idolatrava-o, tanto que acabado de ganhar a Champions pelo Benfica frente a Di Stéfano, o português só quis saber da camisola do Flecha Loura, aquela que escondeu na sua roupa interior para ninguém roubar.

Apesar do insucesso no reino do leão, ficará para sempre o nome de Di Stéfano na história do Sporting... o nome de um dos melhores de sempre do futebol.

Saudades, Viejo!

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