Etnia em vez de raça e direitos humanos em vez de direitos do homem. O que pode mudar na Constituição

Agência Lusa , AG
23 fev 2023, 23:53
Parlamento (Lusa/Tiago Petinga)

Processo de revisão constitucional foi desencadeado pelo Chega e tem projetos dos oito partidos

A maioria dos partidos quer alargar na Constituição a lista das tarefas fundamentais do Estado para incluir princípios como erradicação da pobreza ou justiça intergeracional e o PS sugeriu que se pondere trocar a expressão raça por etnia.

Estes foram dois dos artigos discutidos ao longo das mais de quatro horas da reunião de hoje da comissão eventual para a revisão constitucional, em que o PCP ficou isolado na defesa de eliminar a aceitação da jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI) e da subordinação do direito português ao direito comunitário.

Pelo contrário, mereceram unanimidade na discussão – a votação só será feita numa segunda fase – as propostas que visam substituir na Constituição a expressão “direitos do homem” por “direitos humanos”, registando-se também abertura para incluir a proteção do ambiente no artigo relativo às relações internacionais.

O artigo que mais propostas de alteração mereceu – de seis dos oito partidos que apresentam projetos de revisão – foi o que detalha quais devem ser as tarefas fundamentais do Estado.

Pelo PS, Pedro Delgado Alves defendeu a introdução de novos conceitos como a promoção de laços das comunidades no estrangeiro ou a erradicação da pobreza, a par da constitucionalização do princípio da coesão territorial.

Também o PSD quer colocar entre estas tarefas primordiais as necessidades dos territórios de baixa densidade e a justiça entre gerações, com o deputado Alexandre Poço a defender que seria “uma garantia para as populações seniores e para as gerações mais novas”.

Na mesma linha, o Chega quer também incluir neste artigo a solidariedade intergeracional, mas também “o livre desenvolvimento de personalidade de cada cidadão”, o que segundo André Ventura teria implicações diretas “na escolha de modelos de educação” e de desenvolvimento pela “comunidade familiar”.

Outra proposta do Chega para incluir a proteção de fronteiras como parte das tarefas fundamentais do Estado mereceu críticas quase gerais, enquanto a do PAN para colocar neste ponto da Constituição a proteção animal teve o aplauso do PSD.

O PS não se pronunciou quanto às propostas dos outros partidos neste artigo – são necessários dois terços para aprovar qualquer mudança à Constituição, ou seja, o voto de socialistas e sociais-democratas – e apenas a IL e o BE, que não propuseram alterações, alertaram para os perigos de alargar em demasia as tarefas do Estado.

“Quanto mais longa é uma lista de princípios fundamentais, mais os banalizamos”, disse o ex-lider da IL João Cotrim Figueiredo, enquanto o bloquista Pedro Filipe Soares considerou que algumas preocupações podem encontrar melhor lugar noutros artigos da Constituição.

Também longa foi a discussão quanto ao princípio da igualdade, com PS, BE, PAN e Livre a quererem detalhar o artigo que enumera as características pelas quais ninguém pode ser prejudicado ou beneficiado.

Os socialistas, pela voz da deputada Isabel Moreira, querem acrescentar neste rol a “identidade de género” e sugeriram uma reflexão para substituir nesse artigo da Constituição a expressão raça pela de etnia.

“Todos sabemos que raça só há uma, a raça humana”, disse Isabel Moreira, embora considerando que o assunto precisa de reflexão, no que foi acompanhada pela deputada do PSD Mónica Quintela, com o BE a sugerir a expressão “pertença étnico-racial” e Alma Rivera, do PCP, a apoiar uma eliminação da referência a raças.

Os bloquistas querem incluir a deficiência e o estado de saúde entre as características não discriminatórias, com o PAN a propor também a idade e o Livre a acrescentar a estas as “características genéticas”, propostas que mereceram dúvidas por parte do PSD e a oposição do Chega na parte das questões de género.

Na reta final da reunião, o PCP propôs a inclusão na Constituição de um “conselho consultivo eleito por sufrágio universal” para matérias relativas a cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, com o Chega a manifestar apoio imediato, mas PS e PSD a deixarem algumas dúvidas.

Também uma proposta do BE para dar capacidade eleitoral ativa aos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal não recolheu, por enquanto, apoio expresso dos partidos necessários aos dois terços para ser aprovada.

O 12.º processo de revisão constitucional foi desencadeado pelo Chega (só sete foram até hoje concluídos) e conta com projetos dos oito partidos com assento parlamentar, que, no total, apresentaram 393 propostas de alteração, revogação e aditamento de artigos da Constituição.

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