Exclusivo: como os diamantes africanos do contrabando chegam às lojas

15 dez 2021, 18:00
Diamantes em Angola

O presidente do Conselho Africano de Diamantes M’Zée Fula Ngenge explica, em exclusivo à CNN Portugal, como funciona o contrabando de pedras preciosas naquele continente

Um terço dos diamantes extraídos em países africanos é desviado para contrabando. Em declarações exclusivas à CNN Portugal, o presidente do Conselho Africano de Diamantes (CAD), M’Zée Fula Ngenge, avança que entre 24% a 28% da produção diamantífera circula em fluxos financeiros ilícitos. Mas, para o responsável do CAD, “o mais grave é que mais de 92% dos diamantes em bruto confiscados em solo estrangeiro nunca são devolvidos aos seus países africanos de origem”, uma prática que reforça o argumento segundo o qual “o contrabando é encorajado por países que albergam grandes centros diamantíferos”, denuncia.

Zimbabué, Serra Leoa, República Democrática do Congo, República Centro-Africana e Angola são os países onde se regista a maior parte das atividades de contrabando de diamantes, denuncia Ngenge. Segundo dados apresentados pelo Conselho Africano de Diamantes, uma parte considerável de bens extraídos ilegalmente da República Democrática do Congo e de Angola, bem como uma quantidade incalculável proveniente do Zimbabué, Serra Leoa, Libéria e Guiné, têm surgido, de forma recorrente, nos principais centros diamantíferos de Ramat Gan (Israel), Dubai (Emirados Árabes Unidos), Surat (Índia) e Antuérpia (Bélgica) desde há já bastante tempo.

“Na República Centro-Africana, o tráfico não sancionado de diamantes em bruto continua a ter lugar, tanto dentro como fora das zonas muito frágeis de conformidade do Sistema de Certificação do Processo de Kimberley (KPCS)”, denuncia. Segundo o presidente da CAD, o deficiente controlo e patrulhamento das fronteiras aéreas, terrestres e fluviais é um dos fatores facilitadores do tráfico de diamantes e de branqueamento de capitais. E à qual acresce a fraca cooperação transfronteiriça porque os supervisores dos destes países nem sempre dispõem dos recursos necessários para a gestão eficaz do garimpo e do comércio ilegal que estes geram.

O Botswana é o maior exportador de diamantes de qualidade em África. A África do Sul e a Namíbia são os países que possuem uma legislação diamantífera mais bem estruturada, explica Ngenge à CNN Portugal. “O recente esforço de Angola para erradicar o estigma negativo tipicamente associado às suas atividades de extração de diamantes levou à introdução de legislação favorável e esta dificulta significativamente a atividade de extração ilegal”, acrescenta, mas esse contrabando ainda se regista.

O circuito ilegal dos diamantes dos garimpeiros

António João (nome fictício dado a um garimpeiro que prefere o anonimato), residente na zona mineira do Cafunfo, na província da Lunda-Norte, explica como se mantém a exploração dos garimpeiros, o elo mais fraco da cadeia da extração ilegal e do tráfico de diamantes. “Os garimpeiros não sabem o preço real de venda dos diamantes.  Levam-nos a um comprador que, regra geral, é o patrocinador da atividade de garimpo”, explica.

O comprador distribui alguns bens ao grupo de garimpeiros por si previamente. A lista habitual inclui “uma motorizada, um telemóvel, um pequeno rádio, uma coluna de som com Bluetooth, desodorizantes, coletes e botas”, descreve. O valor dos bens distribuídos são posteriormente deduzidos da percentagem que cabe aos garimpeiros. Após a venda dos diamantes, o comprador, na qualidade de patrocinador, cativa 50% do valor da venda para si. Por sua vez, os garimpeiros dividem entre si os outros 50% do valor pago pelo comprador-patrocinador.

António João, dá como exemplo, uma pedra de diamantes que os garimpeiros vendem por 20 mil dólares (cerca de 17,7 mil euros) e é revendida pelo comprador-patrocinador, a um estrangeiro pelo preço de 100 mil dólares (cerca de 88,5 mil euros).

O empresário local Bento Pedro explica à CNN Portugal como é que cidadãos do Líbano, Senegal, Guiné e Congo dominam, em Cafunfo, o mercado clandestino da compra de diamantes provenientes do garimpo. Simplesmente, atravessam a fronteira com o Congo para a revenda e trânsito para outros destinos.

Os compradores estrangeiros não licenciados foram expulsos da Lunda na sequência da “Operação Transparência”, realizada pelo governo para combater o tráfico de diamantes na região. No entanto, como conta Bento Pedro, os compradores expulsos apenas atravessam a fronteira. “Encontram-se aqui ao longo da fronteira com o Congo e os diamantes do garimpo continuam a encontrá-los”.

David Reinous, especialista em geopolítica dos diamantes, a rota do tráfico entre Angola e o Congo é clássica. “No lado congolês, o diamante angolano é certificado e exportado de forma legal, mas como tendo origem congolesa, na maioria dos casos para o Dubai”, explica o especialista.

Já no Dubai, o mesmo diamante recebe outra identidade de origem e um Certificado de Kimberley, de forma a poder ser distribuído para outros mercados internacionais. Entre o momento em que o diamante deixa ilegalmente Angola e a sua chegada a um dos mercados mundiais, o valor pode ser facilmente quatro vezes mais”.

Ainda que o mercado de contrabando de diamantes esteja longe de estar resolvido, o papel do Conselho Africano de Diamantes faz um balanço positivo do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido. Foram recuperados “mais de metade dos diamantes que normalmente escapariam à deteção e seriam transportados para fora das nações produtoras”, sublinha M’Zée Fula Ngenge.

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