Conor McGregor: como a estrela de MMA se tornou cabeça de cartaz da extrema-direita

CNN , Caolán Magee
14 mar, 23:30
Conor McGregor Foto Ilusração de Alberto Mier _ CNN _ Getty Images

Estrela das artes marciais mistas chega a ser tratado como "Presidente McGregor". A Irlanda, país de emigração, vê crescer os movimentos anti-imigração.

"Irlanda, estamos em guerra". 

Não se sabe exatamente a que é que Conor McGregor se estava a referir quando fez esta declaração aos seus milhões de seguidores nas redes sociais a 22 de novembro de 2023.

Mas esta publicação da estrela da UFC [Ultimate Fighting Championship, organização americana de artes marciais mistas] foi vista mais de 19 milhões de vezes no X, antes conhecido como Twitter. Depois, seguiu-se uma série de tweets sobre imigração que circularam nos canais do Telegram, que a CNN considerou terem ligações à extrema-direita.

Já em 2022, McGregor tinha manifestado o seu apoio às pessoas que protestavam contra a imigração.

No dia seguinte ao tweet de guerra de McGregor, um esfaqueamento à porta de uma escola no centro de Dublin deixou três crianças e um adulto feridos. Horas mais tarde, desordeiros ligados à extrema-direita invadiram a cidade.

Embora os meios de comunicação social locais tenham noticiado mais tarde que o alegado agressor era um cidadão irlandês naturalizado que foi da Argélia para a Irlanda em 2003, rapidamente se espalhou na Internet a informação falsa de que o agressor era um cidadão estrangeiro.

Ciarán O'Connor, analista sénior do Instituto para o Diálogo Estratégico, um grupo de reflexão que investiga o ódio e a desinformação online, disse à CNN que a extrema-direita cresceu na Irlanda devido a plataformas de redes sociais como o X e o Telegram, que são normalmente utilizadas por extremistas.

"A extrema-direita está a promover McGregor como a voz do povo, tirando partido das suas plataformas para impulsionar a sua ideologia", disse O'Connor à CNN, acrescentando que acredita que os "tweets de McGregor antes do motim eram um apelo à ação contra a imigração ilegal".

Os canais de Telegram que fizeram circular a declaração de guerra de McGregor na noite anterior ao esfaqueamento afirmam que os requerentes de asilo representam uma ameaça inata e existencial para os cidadãos irlandeses.

De acordo com o Governo irlandês, cerca de 500 desordeiros invadiram as ruas de Dublin e o tumulto tornou-se rapidamente violento. Carros da polícia, autocarros e eléctricos foram incendiados. Os manifestantes lançaram fogo de artifício, foguetes e garrafas, ferindo agentes da polícia, e várias lojas foram saqueadas, causando prejuízos de "dezenas de milhões" de euros.

Num vídeo de então pode ver-se um manifestante a segurar um cartaz onde se lê "Irish Lives Matter"  [à letra, "Vidas Irlandesas Importam", referência ao movimento Black Lives Matter, de defesa dos direitos civis dos negros], enquanto outros foram ouvidos a entoar slogans anti-imigração, enquanto o "get them out" ["corram com eles"] reverberava pela capital do país numa noite de violência.

Chamas de um carro e de um autocarro, incendiados no cruzamento da Bachelors Walk com a O'Connell Bridge, em Dublin, a 23 de novembro de 2023, quando pessoas saíram à rua em protesto contra os esfaqueamentos ocorridos no início do dia. Petery Murphy/AFP/Getty Images

Paul Murphy, um TD - membro do parlamento irlandês - do partido People Before Profit [à letra, Pessoas Antes de Lucros], que já teve membros da extrema-direita a protestar à porta da sua casa em Dublin devido ao seu apoio declarado aos refugiados, afirma à CNN que "em termos de membros activos da extrema-direita, há entre 200 a 300 entre todas as organizações de extrema-direita: nacional, partido da liberdade, Ireland first - formam uma multiplicidade de micro partidos de extrema-direita".

Apesar de os dois partidos de extrema-direita da Irlanda, o Partido Nacional Irlandês e o Partido da Liberdade Irlandês, terem recebido, respetivamente, cerca de 0,2% e 0,3% dos votos nas eleições gerais de 2020, Murphy diz que a extrema-direita é uma minoria pequena, mas em crescimento.

Isto acontece depois de a Garda - como é conhecida a polícia irlandesa - ter dito à CNN que, em 2023, se registaram 231 reuniões públicas relacionadas com anti-imigração.

Após o motim de 23 de novembro de 2023, o comissário de polícia Drew Harris disse: "O que está claro é que as pessoas foram radicalizadas por meio das redes sociais", antes de descrever os manifestantes como "uma fação hooligan lunática completa movida pela ideologia de extrema direita".

Enquanto os tumultos se sucediam em Dublin, McGregor publicou no X: "Colhe-se o que se semeia".

Os meios de comunicação social locais noticiaram que este facto desencadeou uma investigação policial contra a estrela da UFC, bem como a outros, por alegadamente "incitarem online ao ódio". A Garda disse à CNN que não iria comentar o caso de McGregor.

McGregor também usou as redes sociais para sugerir que poderia concorrer à presidência da Irlanda. A seriedade da sua alegação online continua por esclarecer, embora num post posterior McGregor se tenha posicionado como "a pele nova no jogo".

"Estes partidos governam-se a si próprios e não governam o povo... Eu ouço. Eu apoio. Eu adapto-me. Não tenho qualquer filiação/preconceito/favoritismo em relação a qualquer partido. Eles seriam verdadeiramente responsabilizados no que diz respeito à atual influência do sentimento público... Não seria eu a estar no poder como Presidente, povo da Irlanda. Seria eu e vós", escreveu McGregor.

McGregor não respondeu ao pedido de comentário da CNN. No entanto, após o motim de Dublin, McGregor, de 35 anos, declarou ao Guardian: "Nós, irlandeses, somos conhecidos pelos nossos belos corações e temos uma história orgulhosa de não aceitar o racismo".

Conor McGregor, da Irlanda, caminha no octógono antes do combate contra Dustin Poirier durante o UFC 264 na T-Mobile Arena em 10 de julho de 2021 em Las Vegas, Nevada, nos EUA. Stacy Revere/Getty Images

"O notório Conor McGregor"

A ascensão de McGregor é uma das mais famosas histórias no desporto de ascensão da pobreza à riqueza.

Rapaz da classe trabalhadora de Dublin, McGregor foi movido pelo desejo de se tornar campeão mundial num desporto relativamente desconhecido na Irlanda.

Quando McGregor começou a ganhar combates, o octógono de MMA tornou-se o seu coliseu. Divertia os espectadores com o seu estilo de boxe preciso e a sua inteligência rápida encantava uma base de fãs cada vez maior.

Nasceu assim a marca "The Notorious" Conor McGregor e, em pouco tempo, ele foi a primeira pessoa na história a deter simultaneamente dois cinturões do UFC, tornando-se a estrela do desporto mais bem paga do mundo em 2021, de acordo com a Forbes.

No entanto, McGregor foi perseguido por acusações de agressão sexual, que ele negou, enquanto uma série de derrotas para Khabib Nurmagomedov, Floyd Mayweather Jr. e Dustin Poirier deixou o lutador com apenas uma vitória de título nos últimos oito anos.

Com a sua carreira de lutador em declínio, McGregor tem-se concentrado em debater com pessoas nas redes sociais, o que tem afetado o establishment político irlandês.

Analistas políticos e especialistas em extrema-direita disseram à CNN que o patriotismo irlandês único de McGregor, que lhe granjeou apoiantes enquanto lutador, se transformou numa vertente do nacionalismo irlandês de "extrema-direita".

"As figuras de extrema-direita que promovem o etnonacionalismo - da Irlanda para os irlandeses - celebram o facto de McGregor estar a ficar mais alinhado com a sua marca de nacionalismo", afirma O'Connor.

McGregor tornou-se "um influenciador anti-imigração e está a usar o seu enorme alcance e influência para encorajar a hostilidade e a suspeita em relação aos imigrantes e aos requerentes de asilo", acrescenta.

McGregor tem sido acusado por alguns políticos irlandeses de alimentar as chamas do descontentamento online, exprimindo a sua raiva contra a política de imigração da Irlanda e colocando questões que atingem o cerne da consciência irlandesa: será que a Irlanda, um país com uma longa história de emigração, continua a ser um país que acolhe bem pessoas que procuram refúgio?

"Penso que estes tweets são incrivelmente irresponsáveis para alguém que tem dez milhões de seguidores só no Twitter e que está a incitar a este nível de veneno e ódio", disse o porta-voz do Partido Trabalhista para a Justiça, Aodhán Ó Ríordáin, à RTÉ News no ano passado. McGregor respondeu que está a ser transformado num "bode expiatório".

O ex-campeão da UFC parece ter escolhido o seu canto na luta pela alma da Irlanda, mas ainda não se sabe se está a promover as opiniões da "extrema-direita" de livre vontade ou não.

"Quando ele se tornou proeminente em 2012, chamou a atenção agindo como um palhaço - e as pessoas receberam-no bem", diz à CNN Ewan MacKenna, autor do livro "Chaos is a Friend of Mine: The LIfe and Crimes of Conor McGregor [à letra, "O Caos é um Amigo Meu: A Vida e os Crimes de Conor McGregor"].

"Ele transforma-se naquilo que a multidão quer que ele seja e molda-se naquilo que lhe dá mais atenção. Com a política, seria semelhante".

McGregor já afirmou anteriormente que apaga regularmente as suas mensagens no X por razões "pessoais", mas também disse: "As minhas declarações, amplamente divulgadas, mantêm-se".

McGregor assiste ao evento de artes marciais mistas Ultimate Fighting Championship (UFC) 285 na T-Mobile Arena, em Las Vegas, Nevada, a 4 de março de 2023. Patrick T. Fallon/AFP/Getty Images

"Todos nós vamos para a guerra"

O slogan de McGregor no UFC já foi: "Quando um de nós vai para a guerra, todos nós vamos para a guerra". E o lutador de MMA tem continuado a evocar imagens de guerra nos últimos meses.

"McGregor, quando entrou pela primeira vez na cena [MMA], utilizou o seu sentido de irlandês para retratar a imagem de um guerreiro irlandês em luta, mas, nos últimos meses, orientou essa imagem para o etno-nacionalismo e para a ideia de que a Irlanda tem de se proteger dos refugiados", afirma O'Connor.

Numa publicação posterior, agora apagada por McGregor, o lutador reagiu a imagens de um autocarro com requerentes de asilo, escrevendo: "As pessoas da comunidade não são informadas de quem são estes homens. Ou porque é que eles estão aqui. É a isto que me refiro quando digo que estamos em guerra. Não se pode esperar que o povo da Irlanda tolere isto. Não vamos tolerar".

Num post separado, agora apagado no X, a estrela do UFC disse: "Não deixem que nenhuma propriedade irlandesa seja tomada sem aviso. Evaporem essa propriedade. É uma guerra".

Desde novembro de 2018, houve uma série de casos em que propriedades ou locais ligados ao alojamento de pessoas que procuram asilo ou proteção internacional foram incendiados, de acordo com a análise dos meios de comunicação irlandeses.

A estrela do UFC, num post agora apagado, disse: "Estou com o povo de East Wall", em referência aos protestos que começaram no bairro de East Wall, em Dublin, em novembro de 2022, sobre os planos para alojar refugiados num bloco de escritórios desativado. O tweet de McGregor foi depois amplamente difundido nos canais do Telegram com ligações à extrema-direita.

A Irlanda, um país com pouco mais de cinco milhões de habitantes, viu 141 600 imigrantes chegarem às suas costas no ano que antecedeu abril de 2023 - o número mais elevado em 16 anos, com alguns atraídos pelo seu forte desempenho económico (9,4% de crescimento real do PIB em 2022), de acordo com o Central Statistics Office Ireland (CSO).

Em 2020, a Irlanda foi classificada no top 10 do Migration Policy Index por ter "uma abordagem abrangente à integração, que garante plenamente a igualdade de direitos, oportunidades e segurança para imigrantes e cidadãos".

Mas, para muitos trabalhadores comuns, os benefícios não estão a chegar aos seus bolsos e estão a ter dificuldades para pagar os elevados preços da habitação e das rendas.

Isto deixa muitos sem um papel na sociedade, ou uma casa para viver, e por isso a Irlanda é muitas vezes vista como uma nação de exilados, com mais de 64 mil pessoas a deixarem as suas costas para tentarem a sua vida noutro lugar durante o mesmo período.

Matthew Donoghue, professor de política social na University College Dublin, disse à CNN que a desigualdade socioeconómica pode criar um "sentimento de insegurança de que a extrema-direita se tornou adepta de explorar para seu próprio benefício, fazendo de bode expiatório pessoas e grupos que enfrentam exatamente as mesmas pressões".

"As pressões que as pessoas sentem podem resultar de factores políticos, económicos e sociais complexos, mas, em vez disso, a extrema-direita oferece uma narrativa simples - mas incorrecta - de culpa", acrescenta.

Conor McGregor na quadra de basquetebol durante um intervalo de um jogo da NBA de 2023 entre o Denver Nuggets e o Miami Heat no Kaseya Center, a 9 de junho de 2023, em Miami, Flórida. Megan Briggs/Getty Images North America/Getty Images

Em novembro, McGregor partilhou (e depois cancelou a partilha) um post no X do influenciador irlandês anti-imigração Mick O'Keefe sobre residentes na Irlanda rural que colocaram um posto de controlo para impedir os requerentes de asilo de entrarem nas áreas locais.

O'Keefe escreve regularmente a McGregor no X, chamando-lhe "Presidente McGregor". O'Keefe não respondeu ao pedido de comentário da CNN.

Circulam também online imagens geradas por IA de McGregor mostrando-o de tronco nu, a segurar uma espingarda e a liderar uma multidão de irlandeses armados.

Num vídeo publicado no X, Keith Woods, um influenciador irlandês anti-imigração, critica as novas leis irlandesas sobre discurso de ódio, afirmando que são uma forma de silenciar as pessoas que se manifestam contra a imigração.

O mesmo vídeo mostra depois uma imagem de McGregor, gerada por inteligência artificial, com uma coroa na cabeça, envolta numa bandeira irlandesa.

Imagem fita com inteligência artificial retirada do vídeo

Woods apareceu no programa "America First", do agitador de extrema-direita Nick Fuentes. Num outro programa, Fuentes - um nacionalista branco americano que nega o Holocausto - afirmou que McGregor deveria "erguer-se" e "salvar [a Irlanda] porque ou vão ser os irlandeses ou vão ser os negros", antes de acrescentar: "Só um lado vai sair vivo desta história".

McGregor, que segue Woods no X, gostou das suas publicações no passado, incluindo uma em que Woods citava o patriota irlandês de 1916, Padraig Pearse, dizendo: "A Irlanda pertence aos irlandeses".

A frase tornou-se o novo slogan do Partido Nacional Irlandês, de extrema-direita, pelo qual Woods tem sido visto a fazer campanha e a segurar a bandeira do partido.

Woods não respondeu ao pedido de comentário da CNN.

Paul Murphy, político irlandês do Solidariedade Pessoas Antes do Lucro, falando à comunicação social no exterior da Leinster House, em Dublin, na terça-feira, 30 de março de 2021, em Dublin, Irlanda. Artur Widak/NurPhoto/Getty Images

Aproveitar as redes sociais

Ainda em 2019, a Foreign Policy afirmou que a Irlanda era um dos "últimos países da Europa sem nacionalistas extremistas no parlamento".

Mas os motins de Dublin e os protestos que se seguiram lançaram as atenções para o surgimento de uma nova linha política de direita e a sua amplificação nas redes sociais.

Heidi Beirich, co-fundadora do Projeto Global Contra o Ódio e o Extremismo, diz à CNN que "os grupos de extrema-direita na Irlanda estão a utilizar o Twitter (agora conhecido como X) para divulgar as suas mensagens da mesma forma que os grupos de extrema-direita o fazem noutras partes da UE".

É verdade que a extrema-direita irlandesa está menos desenvolvida do que em países como a Alemanha e a França, onde há partidos políticos em ascensão, ou em Itália, na Suécia e noutros países onde a extrema-direita faz parte da maioria governamental", adita.

Donoghue acrescenta que "existe uma base maior (ainda que pequena) de ativistas empenhados que utilizam as redes sociais, especialmente porque são capazes de se organizar de forma mais eficaz do que antes. No entanto, é muito importante notar que eles são rejeitados pela grande maioria da população irlandesa".

 

Imagem no topo: Foto-ilustração de Alberto Mier/CNN/Getty Images

 

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