Caso Clóvis Abreu: pode um advogado ser acusado de cúmplice de fuga do seu cliente?

20 set 2023, 08:00
“Não quero falar, com vocês (jornalistas) estou nervoso”, as palavras de Clóvis Abreu antes de se entregar

Suspeito da morte do agente da PSP Fábio Guerra à porta de uma discoteca entregou-se esta semana, ao fim de um ano

Aníbal Pinto, o advogado que só esta semana assumiu que representa Clóvis Abreu, pode ser considerado cúmplice da fuga do seu cliente que esteve um ano sem se apresentar à Justiça. Segundo João Massano, advogado e presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, se Aníbal Pinto “de alguma forma tiver ajudado” Clóvis Abreu a fugir pode haver cumplicidade e lugar para crime. 

O envolvimento, esclarece Massano, passa por participar na elaboração do plano de fuga, ou dar-lhe, por exemplo, “ um passaporte”. 

Clóvis Abreu suspeito do homicídio de um agente da PSP à porta de uma discoteca de Lisboa, em co-autoria com dois ex-fuzileiros, esteve em fuga durante um ano. E Aníbal Pinto, que só agora assumiu representar o suspeito, chegou a dizer à Justiça, ao longo desse mesmo ano, que queria negociar a rendição de Clóvis Abreu, sem, no entanto, mostrar a procuração que faria dele advogado do fugitivo. 

Se se provar que Aníbal Pinto ajudou Clóvis Abreu nesta fuga pode ser até acusado de obstrução à justiça.  “Neste caso em concreto, o advogado estará a realizar o crime se praticar atos materiais em que esteja a obstruir a justiça”, explica o responsável da Ordem.

E aí as consequências seriam criminais e disciplinares: “Prisão até três anos ou pena de multa.  Já as consequências disciplinares dependerá do juízo que vier a ser feito pelo conselho de deontologia da ordem dos advogados” . Mas “pode ir até à expulsão”, sublinha João Massano.

Para que um advogado seja acusado de cúmplice no plano de fuga à Justiça tem de ser o Ministério Público a atuar e a investigar, diz António Raposo Subtil, advogado e comentador da CNN. E João Massano acrescenta que além do Ministério Público, qualquer entidade pode apresentar queixa se se sentir lesada.

Também António Raposo confirma que os advogados podem “como qualquer pessoa” ser acusados de obstrução à Justiça. No caso de fuga de um cliente, na sua opinião, um advogado pode ser acusado de cometer um crime se a sua intervenção no plano  de fuga for essencial. "Ou seja, depende do nível de intervenção na fuga", diz, explicando que caso seja para ajudar em questões de “saúde ou alimentação",  será uma situação diferente, em que não faz sentido falar de cumplicidade.

A proteção dada pelo direito ao sigilo

Se não existir qualquer envolvimento na alegada fuga, o advogado está protegido. “Nesta situação em concreto caso o seu advogado soubesse durante todo este tempo do paradeiro do seu cliente", não tinha de o dizer, avisa João Massano: "Aníbal Pinto não era obrigado a confessar o paradeiro de Clóvis e isso não faz dele um criminoso”. 

Aliás, grande parte da ação dos advogados está sujeita ao sigilo profissional. “Tudo o que é dito deve ser sigiloso” lembra João Massano, garantindo que “o advogado não é obrigado a fazer a denúncia”. “Imagine que o advogado até está a convencer o cliente a entregar se, tem de saber onde ele está e isso não faz dele um criminoso.”

Segundo João Massano tem sempre de prevalecer o sigilo profissional, a menos que haja alguma obstrução à Justiça e o advogado contribua para isso. “A profissão dá-nos a prerrogativa do sigilo profissional  que tem a ver com a confiança entre o cliente e advogado.” Mas há exceções: “Se o advogado tiver conhecimento que o seu cliente irá cometer um crime, é óbvio que o sigilo tem de recuar.”

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