Liberdade ou morte: "Pátria" é um filme sobre os perigos do totalitarismo (e o que estamos dispostos a fazer para impedi-lo)

18 out 2023, 22:00

A terceira longa-metragem do realizador português Bruno Gascon chega aos cinemas esta quinta-feira

Num futuro próximo, o planeta é dominado por um regime totalitário que controla a vida de todos os cidadãos e lhes retira as liberdades. Em Portugal, um grupo de jovens de extrema-direita que apoia o regime exerce violência sobre os mais fracos e sobre todos aqueles que ousam desafiar o poder. Nas paredes, por todo o lado, vêem-se bandeiras e cartazes vermelhos com os símbolos do regime, apelos à ordem e à submissão. Dos altifalantes soam sirenes anunciando o recolher obrigatório para os "expatriados", ou seja, aqueles que, por algum motivo, vivem como prisioneiros, sem direitos e trabalhando para o regime. Entre eles, Rocky (interpretação de Tomás Alves) e Ismael (Matamba Joaquim), dois homens sujeitos a trabalhos forçados nas obras, acabam por se tornar amigos, partilhar os seus medos e os seus sonhos. Aguentar, fugir ou lutar? Até onde se consegue suportar a submissão e a violência? Liberdade ou morte, acaba por gritar Rocky. Talvez seja preciso alguém morrer para dar início à revolução.

"Pátria", o novo filme do realizador Bruno Gascon, é uma "distopia realista", como o próprio o define. "Há uma ditadura mundial e todos estamos todos subjugados a esse regime", explica. "Baseei-me em vários regimes totalitários que já existiram, mas quis deixar no vazio, não dar muitas coordenadas, para que as pessoas percebessem que é uma realidade que pode acontecer no mundo inteiro e que estamos a caminhar para lá. A ideia é dar uma imagem do que poderia acontecer nessa situação, mas deixar em aberto [para que cada um possa imaginar]."

A história passa-se num qualquer futuro mas é inspirada nos factos do presente, afirma Gascon. "A história é cíclica e infelizmente nós temos tendência para nos esquecermos dos erros que cometemos anteriormente. Por isso, temos que lembrar as pessoas que, estando a caminhar para este tipo de extremos, isto é o que pode acontecer. Por exemplo, em Itália, hoje em dia o governo é de extrema-direita. Cada vez mais vivemos tão isolados que nos estamos a esquecer que é importante o diálogo, é importante percebermos todos os lados e que ou se faz alguma coisa ou vamos perder os nossos direitos", alerta.

"A iconografia foi baseada naquilo que já conhecemos. Queríamos que fossem símbolos facilmente identificáveis, daí a cor vermelha, e que marcassem as pessoas. Esses símbolos estão sempre presentes para nos lembrar que estamos sempre a ser vigiados e controlados, isso é que dá a força ao regime. São pessoas a controlar outras pessoas e a tirar-lhes os direitos", explica Gascon.

Gascon já conhecia o ator Tomás Alves porque já trabalhara com ele no seu anterior filme, "Sombra" (2021). Ele foi também o protagonista do filme sobre o capitão de Abril Salgueiro Maia. "Além de ser um belíssimo ator, consegue enquadrar o papel de alguém que está a implodir. É uma pessoa muito calma mas tem esse lado de implosão, que vais sentindo ao longo das cenas", explica o realizador. Além de Tomás Alves e Matamba Joaquim, o elenco inclui ainda Rafael Morais, Iris Cayatte e Raimundo Cosme, no grupo da extrema-direita, e Michalina Olszanska e João Vicente, no grupo de cidadãos que lutam na clandestinidade por uma mudança no regime. Fuma-se muitos cigarros, bebe-se muita cerveja, há murros e pontapés, palavras violentas, muita raiva de ambos os lados da barricada.

A história centra-se nas personagens de Rocky e Ismael mas, na verdade, sabemos muito pouco sobre a sua vida passada. Bruno Gascon quis deixar que muita coisa ficasse só subentendida - os pormenores serão revelados na série de seis episódios que foi feita para a RTP "em que vemos o que aconteceu antes, a implementação do regime, com personagens novos, e em que vemos o passado da personagem principal - vamos ver o Mário, não o Rocky, e tudo o que aconteceu até chegar aqui".

Depois dessa, vai estrear uma outra série, "Irreversível", que "fala sobre adoção ilegal de crianças, bullying, depressão, vários outros temas importantes para a sociedade", revela. "Gosto de tratar estes temas. Acho que como sociedade só vamos evoluir quando falarmos dos nossos problemas, não é varrer para debaixo do tapete. A ficção pode contribuir. Não para ensinar nada, mas para alertar, chamar a atenção. Existe o lado de entreter as pessoas, mas se tiver uma mensagem um pouco melhor."

Em setembro, "Pátria" foi selecionado para a competição oficial do Lucca Film Festival e foi premiado no Serbest International Film Festival, na Moldávia. Agora chega aos cinemas portugueses mas também já tem garantida a estreia noutros países.

"Não é fácil ser realizador em Portugal. É sempre uma luta pôr um filme de pé", admite Bruno Gascon. A sua primeira-longa-metragem, "Carga" foi bastante bem recebida e foi nomeada para diversos prémios, como os Prémios Sophia da Academia Portuguesa de Cinema. Mas, apesar disso, o realizador não sentiu que se abrissem mais portas ou que surgissem mais apoios. "Não se torna mais fácil, parece que é sempre a primeira vez. Todos os filmes portugueses são um ato heróico. Escrever, rodar, pô-los nos cinemas é um desafio enorme, e depois de acabarmos um filmes voltamos a fazer tudo outra ves. Somos masoquistas."

Artes

Mais Artes

Patrocinados