Síndrome de Havana: os misteriosos sintomas que fazem adoecer espiões e diplomatas americanos pelo mundo inteiro

CNN , Katie Bo Lillis
29 jan 2022, 22:00
CIA. Saul Loeb/AFP/Getty Images

Numa conclusão provisória, a CIA avaliou que a onda de misteriosos incidentes que fazem adoecer o pessoal diplomático americano pelo mundo inteiro, conhecida coloquialmente como Síndrome de Havana, provavelmente não representará “uma campanha mundial” orquestrada pela Rússia ou por qualquer outro ator estrangeiro com o intuito de prejudicar os EUA, disseram funcionários da CIA.  

A agência não descartou a hipótese de um subconjunto menor de incidentes poder ser um ataque, e a comunidade de informações continua a investigar “se algum dispositivo ou mecanismo poderia efetivamente causar os sintomas relatados”, disse um alto funcionário da CIA.

Contudo, nas conclusões provisórias entregues ao presidente Joe Biden e apresentadas ao Congresso nas últimas semanas, a CIA ainda não encontrou qualquer evidência de que um país esteja por trás de qualquer um dos cerca de mil episódios relatados por todo o mundo.

As descobertas representam a primeira grande atualização de uma task-force da CIA criada pelo diretor Bill Burns para investigar os incidentes, que em alguns casos atingiram de forma tão grave os funcionários norte-americanos que estes se viram obrigados a reformar-se.  

A avaliação é em parte baseada no facto de a task-force ter descoberto que a maioria dos casos relatados pode ser atribuída a outras causas conhecidas - algo esperado depois de a CIA e de outras agências federais terem obrigado os seus funcionários a relatar quaisquer sintomas fora do comum, disseram atuais e antigos funcionários familiarizados com a investigação. Essas fontes dizem que as autoridades previram um aumento nos incidentes relatados, e nem todos seriam suspeitos da Síndrome de Havana.

“Esta descoberta não põe em causa o facto de os nossos funcionários relatarem experiências reais e sofrerem sintomas reais, nem explica todos os relatórios”, disse o alto funcionário.

Na maioria dos casos, os sintomas relatados foram atribuídos a “condições médicas ou fatores ambientais e técnicos, incluindo doenças nunca diagnosticadas, e muitos outros relatos feitos por excesso de zelo”, disse o funcionário.

Mas há casos que desafiam as explicações. As autoridades recusaram-se a dizer exatamente quantos relatórios não foram atribuídos a outras causas, mas desse número desconhecido, a task-force concentrou-se num conjunto central de cerca de duas dúzias nos quais vai intensificar a investigação. Os analistas da CIA acreditam que essas duas dúzias de casos oferecem à agência a melhor probabilidade de descobrir pistas sobre quem ou o que está por trás dos episódios.

Estes são também os casos “mais difíceis”, disse outro funcionário da CIA. Até agora, os analistas não conseguiram descobrir quem causou esses sintomas e como – ou mesmo se esses casos podem ser realmente chamados “Síndrome de Havana”.

“Este tem sido um dos enigmas e o que fez deste caso, provavelmente, o mais difícil que já analisámos na história da agência”, disse o mesmo funcionário. “Estamos a analisar os dados numa dezena de direções diferentes e simplesmente não vemos padrões, nesta fase, que nos permitam tirar conclusões mais amplas no que diz respeito à origem”.

Durante cinco anos, espiões, militares e diplomatas dos EUA em serviço no estrangeiro foram alvo deste conjunto obscuro de sintomas, conhecidos dentro do governo como “incidentes anómalos de saúde". As vítimas queixavam-se de vertigens, náuseas, pressão na cabeça e, em alguns casos, um ruído direcional penetrante. Alguns foram posteriormente diagnosticados com lesões cerebrais traumáticas. Os episódios foram registados pela primeira vez em Havana, Cuba, e depois na China, na Áustria e noutros locais. Pelo menos dois potenciais incidentes foram relatados em território dos Estados Unidos, perto da Casa Branca, conforme a CNN relatou anteriormente.

Uma possível teoria é que a Rússia - ou talvez uma força a agir em nome do país – esteja a usar uma arma de energia direcionada para recolher informações secretas ou assediar funcionários norte-americanos no estrangeiro, dizem fontes familiarizadas com a investigação. Mas, embora as autoridades não tenham descartado essa possibilidade, também não foram capazes de comprová-la.

“Neste momento, não descartamos qualquer hipótese”, disse o segundo funcionário da CIA. “Estamos a analisar toda a gama de explicações possíveis para cada um dos casos. São todos diferentes.”

A ambiguidade levou a uma crescente frustração entre algumas vítimas, legisladores e funcionários do governo que rastreiam o problema – inclusive dentro da própria CIA, disseram à CNN duas fontes familiarizadas com o problema.

“Eles não têm nada”, disse outra fonte informada sobre o assunto. “É tão frustrante.”

Uma fonte familiarizada com as descobertas da agência enfatizou que as avaliações representam apenas “descobertas provisórias de um elemento de uma agência”.

“Surgirão mais relatórios de todas as fontes do governo, incluindo de analistas externos onde for adequado, que reflitam os casos que ainda estão em análise, enquanto avaliam explicações alternativas e razoáveis ​​para os outros relatórios”, disse a mesma fonte.

Um funcionário familiarizado com o assunto disse que um painel isolado de especialistas externos, criado pela Administração Biden para estudar as tecnologias que, teoricamente, poderiam causar os sintomas associados à Síndrome de Havana, está a finalizar o seu trabalho.

A divulgação das descobertas gerou um breve alvoroço entre algumas autoridades americanas que trabalham na questão, bem como entre as vítimas. Duas fontes familiarizadas com o assunto disseram que a CIA não coordenou com a Casa Branca a decisão inicial de apresentar as suas descobertas ao Capitólio, nem as descobertas da agência tiveram em conta o trabalho do painel de especialistas.

Nas semanas que se seguiram aos briefings iniciais, a determinação da CIA de que a maioria dos casos poderia ser atribuída a causas conhecidas foi interpretada por alguns funcionários como uma evidência de que a task-force estava a lançar dúvidas sobre a existência da Síndrome de Havana. Alguns cientistas vieram a público apresentar dúvidas sobre a sua existência e, no passado, as vítimas criticaram a CIA, na pessoa da antiga diretora Gina Haspel, acusando-a de não encarar a sério os relatos e, em alguns casos, de não providenciar a assistência médica adequada.

“O relatório recém-publicado da CIA pode ser rotulado como ‘interino’ e pode deixar a porta aberta para alguma explicação alternativa, em alguns casos, mas para dezenas de funcionários públicos dedicados, as suas famílias e os seus colegas, parece ter um caráter definitivo e de negação”, disse em comunicado o grupo de Defesa das Vítimas da Síndrome de Havana. “Temos motivos para acreditar que o relatório provisório nem sequer reúne o consenso de toda a CIA, e reflete apenas as opiniões de um subconjunto de funcionários mais interessados ​​na sua conclusão".

Até agora, as vítimas elogiaram amplamente a forma como Burns lidou com a questão, e a Administração Biden teve o cuidado de evitar qualquer indício de que não está a levar as vítimas a sério.

Um porta-voz da CIA recusou-se a comentar o conflito.

Um dos funcionários da CIA disse que o trabalho da task-force vai continuar e com todos os recursos.

William Burns, diretor da CIA

"Embora tenhamos alcançado algumas conclusões provisórias significativas, ainda não terminámos", disse Burns em comunicado. "Continuaremos a missão de investigar estes incidentes e de fornecer cuidados de excelência àqueles que precisam. Embora as causas subjacentes possam diferir, o nosso pessoal está a sofrer sintomas reais. O nosso empenho nos cuidados é inabalável".

O Secretário de Estado Antony Blinken abordou o relatório provisório da CIA sobre a Síndrome de Havana, dizendo que "não tem dúvidas" de que houve funcionários do Departamento de Estado afetados por "experiências reais, sintomas reais e sofrimento real".

"Vamos continuar a fazer tudo o que pudermos, com todos os recursos disponíveis, para entender o que aconteceu, porque aconteceu e quem pode ser responsável", disse Blinken numa conferência de imprensa na Alemanha. "E não vamos deixar nenhuma pedra por virar."

Blinken disse que "como Secretário, não tem maior prioridade do que a saúde e a segurança de todos os nossos colegas e suas famílias".

Blinken também procurou tranquilizar diretamente os funcionários do Departamento de Estado garantindo que continua a dar prioridade à questão, fazendo alusão ao alvoroço que a descoberta da CIA causou nos bastidores.

"Estas descobertas não põem em causa o facto de os nossos colegas estarem a relatar experiências reais e a sofrer sintomas reais", disse Blinken num memorando da task-force a que a CNN teve acesso. "Vamos continuar a aplicar todos os nossos recursos para descobrir mais sobre estes incidentes, e seguir-se-ão relatórios adicionais".

E.U.A.

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