Acusa Medina de chantagem e reclama "o melhor resultado de sempre" da TAP. Entrevista a Christine Ourmières-Widener

13 fev, 00:40

ENTREVISTA || Foi despedida da TAP depois do escândalo da indemnização dada a Alexandra Reis. Fala num caso político, e por isso mesmo pediu uma indemnização milionária ao Estado. Pelo meio também aborda as relações com o Governo

A Christine saiu da TAP há quase um ano e agora reclama uma indemnização de quase seis milhões de euros. Estamos a um mês das eleições legislativas em Portugal. A minha primeira pergunta para si é: porque decidiu falar publicamente sobre isto agora?

Bem, primeiro decidi não falar, porque queria que fossem os advogados a tratar deste processo. E a razão pela qual convenci a minha advogada a deixar-me falar hoje era porque eu só queria falar após a resposta da TAP à minha ação. E a resposta da TAP estava cheia de mentiras, ataques e insultos e pareceu-me que era a altura certa para falar.

Como sabe, o atual dirigente do PS é Pedro Nuno Santos que, enquanto ministro, foi o responsável pela sua contratação para gerir a TAP. Há uns meses, ele disse que não a demitiria do cargo de CEO da TAP e que a Christine é uma grande mulher.  O que pensa desta declaração?

Antes de mais, é importante relembrar como foi o meu processo de recrutamento. Esse processo foi organizado por um recrutador e, durante esse processo, fui entrevistada por várias pessoas, incluindo o secretário de Estado das Finanças, o secretário de Estado das Infraestruturas e a Parpública, com o recrutador. Estas foram as primeiras pessoas que me entrevistaram neste processo. Após esse primeiro passo, reuni-me pela primeira vez com o ministro das Infraestruturas. Foi um processo muito longo, que começou no final de 2020 e terminou em 2021. Por isso, Pedro Nuno Santos decidiu fazer essa declaração que é uma declaração muito positiva, mas não posso dizer mais do que isso. Talvez ele reconheça todo o trabalho que fiz para a empresa, e os resultados que apresentei, e que foram baseados em factos.

Deixe-me perguntar-lhe uma coisa que eu acho que a maioria dos portugueses ainda não sabe e que é muito importante, porque é o início de toda esta confusão que aconteceu na TAP. Qual foi a origem do conflito entre a Christine e a Alexandra Reis?

Acho que já respondi várias vezes a essa pergunta durante o processo e não me parece que seja o tema central desta entrevista. Eu já disse tudo. Não sei se posso acrescentar alguma coisa à história e nem sei se essa história é a mais importante. Essa é uma história política e nada mais.

Uma história exclusivamente política? 

Claro. 

E quem beneficia dessa história política? Deve ter a sua opinião sobre isso.

Eu não sou uma pessoa política, sabe disso.

Sim, eu sei...

Sou apenas uma mulher de negócios. A única coisa que posso dizer, e que disse ao longo deste processo, é que sou um bode expiatório de uma história política, que começou muito antes de este caso vir parar aos media.

Não é o suficiente, deixe-me dizer-lhe. Não basta dizer que é bode expiatório de uma história política, preciso que desenvolva um pouco mais essa afirmação. Até onde puder ir, claro.

Muito bem. Como sabe, este plano não era fácil de cumprir. Era um plano muito difícil, com muitos desafios, não era um caminho nada fácil. E neste plano tínhamos de apresentar vários resultados e estávamos pressionados por muitos acionistas. Sobretudo, o corte de salários, que tinha de ser mantido tanto quanto possível. E isso criou pressão nas várias partes envolvidas, internas e externas, pois pode imaginar que não é fácil ter de cortar salários.

Quase um ano depois, compreende agora a inquietação que se levantou depois de ter sido revelado o pagamento envolvido na demissão de Alexandra Reis? Compreende a causa da agitação popular e a surpresa à volta disso?

Acho que a maneira como foi apresentado e comentado e o burburinho à volta disso empolaram as coisas. Lembro que foi tudo feito com o aval dos advogados. Os mesmos advogados que me recrutaram para a TAP foram os que me aconselharam nesse processo, tal como expliquei nas audiências. Compreendo a reação mas, ao mesmo tempo, lembro que foi aprovado por várias pessoas.

Mas depois houve alguém que deu informações erradas à CMVM. Sabe quem deu ordem para ser enviada informação falsa à CMVM?

Quer mesmo voltar a falar desse processo e voltar a essa história?

Há pontas soltas. Passou um ano desde que isto aconteceu. Há coisas que ficaram resolvidas, outras não. É por isso que está em litígio com a empresa e vice-versa.Não me lembro de já ter dito isto a não ser no Parlamento.

Sim, já respondi a isso. Portanto…

E mantém a resposta?

Sim, claro.

Foi demitida numa decisão conjunta do ministro das Finanças e do ministro das Infraestruturas, na altura, com base nas conclusões da IGF, sobre a alegada gestão errada das regras impostas pelo estatuto dos gestores públicos. Disse que a sua posição foi por motivos políticos. Demiti-la foi uma questão política?

O que já expliquei é que, no dia antes, tive uma reunião com o ministro das Finanças. Ele disse-me que não fiz nada de mal, mas ele tinha de o fazer por motivos políticos. Eu já tinha dito isso. Foi isso que discutimos e ele aconselhou-me veemente a demitir-me pela minha reputação. Chamo a isso chantagem e estar a ameaçar-me e foi o que ele fez.

O que respondeu ao ministro das Finanças na reunião no dia anterior?

Perguntei-lhe porque queria que eu me demitisse. Quando nos demitimos em qualquer situação, perdemos todos os direitos. Depois ele disse-me que podia receber um bónus e que esse bónus seria discutido depois de eu me demitir. Mas como podemos confiar em alguém que nos pede para nos demitirmos, que ameaça a nossa reputação? Senti-me humilhada, insultada, foi horrível.

Então, não se arrepende, passado um ano?

É claro que não. Disse a mim mesma que nunca faria isso. Nunca irei demitir-me, porque é isso que eles esperam com o poder que querem exercer sem terem de fazer o que é correto. Portanto, não o quis fazer. Não sou assim. 

Sente que a chantagem e as ameaças ainda estão a acontecer? E a vontade de tentar destruir a sua reputação, conforme disse?

Estou aqui hoje porque, se ler a resposta escrita da TAP, é exatamente isso. Estão a tentar destruir a minha reputação, o meu passado. Dizem todo o tipo de coisas a meu respeito que não são verdade, que não tive nada que ver com o sucesso da empresa e com os resultados positivos. Como acha que se sente uma diretora-executiva que trabalhou 24 horas, sete dias por semana, quando dizem que não tive nada a ver com isso, porque a indústria estava muito bem? Não foi a primeira vez que a indústria esteve muito bem, mas foi a primeira vez que a TAP teve resultados tão positivos. Portanto, essa correlação não funciona. Em segundo lugar, em 2021, pouco antes de a última versão do plano ter sido apresentada à CPI, tivemos uma longa discussão sobre qual seria a capacidade da estratégia após 2022. Foi uma longa discussão em 2021 comigo na administração. Fui eu que defendi o aumento da capacidade em 2023, contra outras perspetivas na mesa. E deu resultado.

Qual foi o seu papel no sucesso da TAP no ano que passou? Foi o melhor resultado de sempre.

Foi o melhor resultado de sempre e, repito, fi-lo com a minha equipa, mas acho que é uma mentira dizerem que não tive nada que ver com isso porque está nos documentos. Dizem que foi apenas o impacto da indústria na empresa. Isso é errado, porque é preciso uma estratégia, é preciso a execução, é preciso a organização, e é preciso que todos estejam alinhados para o mesmo objetivo, que foi o que fizemos. 

Li alguns pontos da resposta da TAP ao processo, ao litígio que está em curso. Eles dizem também que o que foi crucial foi a negociação que aconteceu entre as autoridades portuguesas e a TAP e a Comissão Europeia, antes da sua chegada. Eles afirmam que houve uma espécie de… Chegou no baile de inauguração, permita-me usar esta expressão. É isso que a TAP diz.

Está completamente errado. Lembro que entrei em junho de 2021 e a aprovação do plano foi apenas em dezembro de 2021. Quando entrei, o plano devia ser aprovado nos dia seguintes. Demorou seis meses. Seis meses de trabalho árduo. Não foi apenas trabalho meu, mas trouxe o meu conhecimento para esse processo. Quando entrei em junho, a questão dos slots nem estava em cima da mesa. De repente, percebemos que tínhamos de negociar. Portanto, recrutei especialistas, porque conheço o ramo, estou na indústria há 30 anos. Não há muitos especialistas no mundo que consigam negociar o acordo certo para a empresa. Sou especialista em slots? Sei bastante, mas o mais importante para mim foi ter humildade para trazer os melhores do ramo para garantir que conseguíamos o melhor acordo. Foi isso que fizemos e foi por isso que, quando tivemos de ceder um número de slots, minimizámo-los o máximo possível.

A resposta da TAP, e a posição da TAP no processo, foi assinada por advogados. 

Dez advogados! Estou muito orgulhosa, porque a minha ação só foi assinada por um advogado. É um contra dez.

Bem, penso que está habituada, enquanto administradora de empresas, sabe como as empresas funcionam.

Sim.

Descreveria a resposta da TAP como sendo uma total mentira sobre si?

Acho que, em vários aspetos, sim, sem dúvida alguma. Estão a tentar convencer as pessoas de que o meu percurso na indústria está repleto de fracassos. Estão a tentar convencer toda a gente de que eu não sou uma pessoa honesta. Estão a tentar convencer… não tenho nada que ver com outra empresa. Sou um monstro para eles, um verdadeiro monstro. E a questão é: como acreditam sequer que isso é verdade quando, durante todo o tempo em que estive na TAP, só recebi felicitações de todos os acionistas, incluindo daquele que me despediu? E como explicam o facto de eu ter sido recrutada por um júri formado pela Parpública, pelas Finanças e pelas Infraestruturas, por tantas pessoas inteligentes e astutas, e que, no fim de contas, estava tudo errado? Ou seja, não é credível. Não se faz ou diz uma coisa num determinado momento para depois dizer precisamente o oposto uns meses depois. A isto chama-se política, não se chama negócios. 

E pensa que isso faz parte das ameaças que recebeu naquela reunião com o ministro das Finanças?

Sim, claro. Passados alguns meses queremos recomeçar a vida e esquecer. Exijo aquilo que acho certo porque não fiz nada errado. E eles respondem que sou um monstro. Não sou um monstro, sou uma mulher de negócios.

Compreende que a indemnização que está a pedir à TAP é quase de seis milhões de euros, o que é um recorde em Portugal. Para a maioria dos cidadãos e dos contribuintes portugueses, é um valor quase inacreditável. 

Sim, eu compreendo. Compreendo que é muito dinheiro.

Mas pensa que é o valor justo que a empresa devia pagar-lhe?

Penso que é um valor alto, mas penso que serve também para realçar todas as dificuldades por que tive de passar e os danos à minha reputação são enormes. E também me prejudicaram, a mim e à minha família, e a todos os meus amigos. As pessoas nem se apercebem de como esta experiência foi difícil. Não o desejo a ninguém, nem ao meu pior inimigo.

E o que diz sobre a resposta da TAP no mesmo documento sobre poder ter violado o contrato de exclusividade com a TAP porque teve outros interesses noutras empresas? Referem duas ou três.

Todas as ocupações que eu tinha foram reveladas quando fui recrutada e isso está no contrato. Por isso, nem percebo como é que voltam a falar disso. Até estão a tentar recrutar de uma forma muito negativa a posição que tinha na Met Office, dizem que era algo sem importância. A Met Office tem dois mil funcionários, é líder em ciência climática. E, 2021, assinou uma parceria com a Microsoft, com um investimento do governo do Reino Unido de 1,2 mil milhões para um super computador, que será um dos 25 melhores super computadores do mundo. Se as pessoas pensam que é uma empresa pequena, não me parece.

Pensa que haverá hipóteses de um acordo amigável para resolver isto ou só poderá ser resolvido em tribunal? 

Acredito na Justiça. Dito isto, penso que as pessoas razoáveis podiam ter a oportunidade de ter uma conversa adequada. Vamos ver. Eu não sei. Mas espero que este processo tenha um fim e que tenha o fim correto.

Quais são as lições mais valiosas que aprendeu até agora neste processo?

Nunca mais trabalhar para uma companhia aérea pública, talvez. Gosto de administrar negócios, é o que sei fazer, e não estou envolvida na política, nunca estive.  Então, o que eu aprendi talvez não seja o suficiente quando estamos em organizações muito políticas, e eu sei aquilo que faço bem, sei o que não gosto de fazer, e é por isso que vou garantir que fico em organizações que meçam o meu desempenho com base em factos e no que eu concretizo.

Mas está ciente de que algumas coisas que disse nesta entrevista serão contestadas, debatidas e discutidas publicamente. 

Sou uma vítima desde o ano passado. Mas é a primeira vez que eu falo. E as pessoas sabem que eu não posso ser a mais forte, porque estou sozinha. E tenho à minha frente muitas pessoas que vão tentar atacar-me, vão tentar comentar o que eu disse hoje, mas pelo menos estou aqui para contar o que fiz e para contar a minha verdade, porque é a única verdade. E não estou a concorrer a nada. Não estou a concorrer a eleições. Só tenho a minha reputação e a minha família, e também faço isto pelos meus filhos, pois espero que a minha reputação seja limpa, isso é o mais importante para mim. 

Há uns tempos disse que gostava de se tornar uma cidadã portuguesa. Continua a pensar assim?

Não tenho nada contra Portugal. É um grande país. Passei horas a aprender a língua. Tenho amigos portugueses em Portugal e em França. Também sinto falta do meu marido, porque ele ainda está em Portugal, vai e vem, o que é mais difícil para nós. Eu preciso de trabalhar, porque a minha família conta comigo. É a vida. Não sou a única pessoa que tem de fazer escolhas destas. Mas adoro este país. Penso que este país merece um bom futuro e é tudo o que eu desejo para este país.

Christine, muito obrigado.

Obrigada. 

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