BCE deve manter juros em máximos (pelo menos) mais quatro meses

ECO - Parceiro CNN Portugal , Nuno Carregueiro
26 jan, 08:01
Christine Lagarde (AP)

Lagarde não fechou a porta a um corte de juros em abril, tal como estão a prever os investidores, mas o discurso da presidente do BCE está mais alinhado com uma descida em junho ou nos meses de verão

Quase tudo na mesma. Após a reunião de política monetária do Banco Central Europeu (BCE) e a conferência de imprensa da presidente Christine Lagarde, as perspetivas para a evolução das taxas de juro da Zona Euro praticamente não se alteraram. Os investidores continuam a estimar o primeiro corte em abril, enquanto o consenso dos economistas aponta para o início do alívio da política monetária em junho.

Após a reunião em que manteve os juros pela terceira vez, o BCE reiterou que as taxas de juro têm de permanecer nos atuais níveis “por um período suficientemente longo” e que a política monetária vai continuar restritiva “pelo tempo que for necessário”. Validou assim que não tem pressa em remover a política monetária restritiva, ao mesmo tempo que mantém várias opções em aberto.

Na conferência de imprensa, Lagarde reiterou o discurso das últimas semanas. O banco central considera prematuro o debate sobre o timing da descida das taxas de juro, reconhece a evolução positiva da inflação em direção à meta dos 2% e que o crescimento económico da Zona Euro é mais frágil do que o estimado (PIB terá estagnado no quarto trimestre).

A presidente do BCE destacou que o banco central vai continuar “dependente dos dados” e “não quer ficar dependente nas datas”. Contudo, também reiterou a declaração efetuada em Davos na semana passada, quando classificou de “provável” um corte de juros no verão. A conferência de imprensa foi dominada pelo debate sobre a evolução dos salários, que tem uma grande importância para o BCE devido ao impacto na evolução da inflação. E o calendário para o corte de juros está diretamente ligado a esta dinâmica nos salários e a inflação.

Na reunião de 7 de março o staff do BCE vai atualizar as suas projeções económicas, que podem abrir caminho para uma alteração de política monetária, pois devem passar por uma revisão em baixa nas perspetivas para a inflação e atividade económica, que dará maior conforto para uma descida de juros. Contudo, na reunião seguinte (7 de abril), o BCE ainda não terá na sua posse todos os dados sobre a evolução dos salários e os acordos entre patrões e trabalhadores para 2024. Daí que junho comece a ganhar cada vez mais força como a data chave para a inversão da política monetária.

A confirmar-se a descida de juros a 18 de junho, só daqui a quatro meses o BCE vai retirar a taxa dos depósitos do atual máximo histórico de 4%. O espaço temporal em que vai persistir a atual política monetária dependerá da evolução da inflação, mas é certo que atividade económica continuará a ser restringida pelos juros altos em todo o ano de 2024, uma vez a transmissão da política monetária demora a ter impacto na economia e potenciais cortes de juros só serão sentidos na plenitude em 2025.

Enquanto a inflação estiver mais perto de 3% do que de 2%, o BCE não vai pensar em cortes de juros. Será necessária uma recessão severa, ou uma queda acentuada nas perspetivas de longo prazo da inflação claramente abaixo de 2% para assistirmos a um corte de juros nos próximos meses.

Carsten Brzeski, economista do ING

Investidores esperam corte em abril

A mensagem transmitida por Lagarde e seus colegas do BCE nos últimos dias conseguiu demover os investidores de aguardarem por cortes de juros já em março. Apesar do discurso adotado esta quinta-feira não ter trazido surpresas, os investidores ficaram um pouco mais agressivos nas expectativas para a evolução dos juros do BCE.

O mercado está a descontar um corte de mais de 50 pontos base até junho (42 pontos base antes da reunião de quinta-feira), com a probabilidade de a primeira redução surgir em abril a subir de 60% para 80%. Os investidores aguardam um total de 140 pontos base de descidas de juros em 2024 (130 pontos base antes), o que implica cinco cortes de 25 pontos base e a probabilidade de 60% de um sexto.

Além desta perspetiva agressiva no mercado de futuros, as yields das obrigações aliviaram de forma significativa (taxa dos títulos da Alemanha a dois anos recuou quase 10 pontos base) e o euro perdeu terreno face ao dólar. Sinal de que os investidores gostaram do que ouviram a partir de Frankfurt e continuam convictos de que o BCE vai ser célere a começar a reduzir os juros apesar da narrativa atual do banco central não apontar nesse sentido.

“Embora os cortes de juros ainda não estejam em discussão, Lagarde deixou a porta aberta para o BCE mudar rapidamente de rumo se os dados o justificarem. Se a nossa visão de um crescimento e inflação mais baixos do que o esperado pelo BCE se concretizar, prevemos que os cortes terão início em abril.

Peter Sidorov, economista sénior do Deutsche Bank

Economistas apontam a junho

Entre os economistas o posicionamento é mais cauteloso. “O BCE manteve o argumento de que um primeiro corte nas taxas é mais provável no verão. Um alívio mais precoce ainda é possível se os dados de inflação forem fracos nos próximos meses, mas os riscos estão a mudar no sentido de que as taxas permaneçam no nível atual por mais tempo do que os investidores preveem”, comenta Jack Allen-Reynolds, vice economista-chefe da Capital Economics.

“Como se esperava, não houve qualquer surpresa e o BCE manteve as taxas de juro inalteradas” e Lagarde “manteve o discurso assertivo que tem marcado as suas intervenções públicas dos últimos tempos”, assinalando que “é prematuro discutir cortes nos juros”, refere Ricardo Evangelista.

O diretor executivo da ActivTrades Europe destaca que Lagarde foi “algo evasiva” quando confrontada com cenários específicos de cortes em março ou abril, preferindo vincar que o Conselho do BCE analisa a situação e decide “uma reunião de cada vez”, no que “terá sido talvez o comentário mais bem recebido por aqueles que desejam o início dos cortes nas taxas de juro”.

David Brito, diretor-geral da Ebury em Portugal, considera que o “tom das mensagens da reunião do BCE foi ligeiramente mais dovish”, realçando que Lagarde “não tentou explicitamente lutar contra as expetativas do mercado, nem fechado a porta a uma descida na primavera”. Embora o corte de juros em abril seja uma “possibilidade realista”, David Brito salienta que “a falta de progressos no combate à inflação durante os próximos meses pode adiar o primeiro corte até à reunião de junho”.

O Deutsche Bank também interpretou o discurso do BCE como mais suave (dovish), pois o banco central reconheceu a evolução negativa da inflação e do crescimento económico face ao previsto em dezembro. “Embora os cortes de juros ainda não estejam em discussão, Lagarde deixou a porta aberta para o BCE mudar rapidamente de rumo se os dados o justificarem”, refere Peter Sidorov, economista sénior do banco alemão, assinalando que “se a nossa visão de um crescimento e inflação mais baixos do que o esperado pelo BCE se concretizar, prevemos que os cortes terão início em abril”.

O BCE manteve o argumento de que um primeiro corte nas taxas é mais provável no verão. Um alívio mais precoce ainda é possível se os dados de inflação forem fracos nos próximos meses, mas os riscos estão a mudar no sentido de que as taxas permaneçam no nível atual por mais tempo do que os investidores preveem.

Jack Allen-Reynolds, vice economista-chefe da Capital Economics

Só “recessão severa” vai antecipar cortes de juros

O ING tem uma perspetiva diferente. “Enquanto a inflação estiver mais perto de 3% do que de 2%, o BCE não vai pensar em cortes de juros. Será necessária uma recessão severa, ou uma queda acentuada nas perspetivas de longo prazo da inflação claramente abaixo de 2% para assistirmos a um corte de juros nos próximos meses”, refere Carsten Brzeski, economista do banco dos Países Baixos, que continua a prever a “primeira redução não antes do verão”.

Lagarde reiterou a importância dos desenvolvimentos nos salários para os próximos passos do BCE e assinalou que alguns indicadores já apontam para um abrandamento. “Declarações que podem ser vistas como uma alteração para um posicionamento mais suave”, mas “Lagarde também enfatizou a necessidade de a inflação seguir uma tendência descendente sustentável”, acrescenta Brzeski, que “não vê motivos para o BCE reagir a um crescimento económico mais lento com corte de taxas”.

Se um corte de juros em abril significará que a economia da Zona Euro está a enfraquecer a um ritmo acentuado em 2024, adiar para depois de junho poderá indicar que a região recuperou da provável recessão da segunda metade de 2023. Se o alívio da política monetária só chegar em setembro, a Zona Euro estará um ano completo com a taxa de juro em máximos.

As dinâmicas que condicionam a política monetária do BCE podem alterar-se rapidamente e na próxima reunião de 7 de março o número de meses que se espera faltarem para o primeiro corte de juros pode ser diferente dos atuais quatro. Para cima, ou para baixo. E o discurso que o BCE transmitiu esta quinta-feira estará sempre alinhado com qualquer um dos cenários.

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