O primeiro discurso de Xi Jinping no congresso que o vai reconduzir como líder chinês dá pistas sobre o que vai na cabeça de Xi e do PArtido Comunista Chinês, que se prepara para o eternizar no poder
Xi Jinping abriu os trabalhos do congresso que o vai reconduzir como líder chinês - e, agora, sem limite de mandatos, podendo ficar no poder de forma vitalícia - com um discurso de 1:45. Muito aquém das três horas e meia do discurso de há cinco anos. Há um significado neste facto? Talvez. O discurso de ontem foi uma versão condensada do relatório de atividades dos últimos 5 anos, em vez da sua leitura integral, como é tradição. Ao fazê-lo, Xi sinalizou o seu poder sobre o partido, diz Yu Jie, investigador do think tank Chatham House, especialista em China.
“O discurso do relatório de atividades do 20.º congresso foi significativamente mais curto do que o do 19º congresso, uma indicação clara do sucesso de Xi na centralização do poder”. Segundo este observador, a leitura completa do relatório resulta, normalmente, da necessidade de consensos e compromissos entre facções do partido. Se Xi não o fez, foi porque não sentiu necessidade disso - antes dele, só Deng Xiaoping se deu a tal luxo.
Ao longo de mais de uma hora e meia, Xi falou de muitos assuntos e omitiu outros quantos. Eis os 25 principais destaques do que Xi disse, o que isso revela sobre os seus planos para a China e sobre o que o partido espera dele.
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A espinha. Taiwan está atravessada na garganta de Xi Jinping, que prometeu resolver essa “questão”, se necessário pela força, e sem dar qualquer relevo à vontade do povo taiwanês. A dita “reunificação” de Taiwan de facto não o é, pois Taiwan nunca esteve sob controlo de Pequim desde a criação da República Popular da China, mas a sua inevitabilidade é indiscutível, segundo Xi. "As engrenagens históricas da reunificação nacional e do rejuvenescimento nacional estão a avançar. A reunificação completa da nossa pátria deve ser realizada e pode definitivamente ser realizada", declarou. E as engrenagens históricas, acrescentou, são alheias à vontade dos taiwaneses, pois “a resolução da questão de Taiwan é um assunto para o próprio povo chinês, a ser decidido pelo povo chinês". Ou seja, ao contrário de Joe Biden, que disse recentemente que o futuro de Taiwan só pode ser decidido pela sua população, Xi coloca essa decisão apenas nas mãos da China continental.
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A força. Embora prefira uma “reunificação” pacífica, Xi reafirmou o que já havia dito no passado: "Não renunciaremos ao uso da força e tomaremos todas as medidas necessárias para deter todos os movimentos separatistas".
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O aviso. Os recados de Xi, explicou o próprio, têm destinatários precisos: "Isto é dirigido unicamente à interferência de forças externas e dos poucos separatistas que procuram a 'independência de Taiwan' e as suas atividades separatistas; não é de modo algum dirigido aos nossos compatriotas de Taiwan".
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A ovação. O maior aplauso do primeiro dia de trabalhos foi para a promessa de Xi Jinping de “resolver” a “questão de Taiwan”. A garantia de não abdicar do uso da força foi o que mais entusiasmou os congressistas.
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A resposta. Do outro lado do Estreito de Taiwan, as autoridades de Taipé já responderam que o território nunca abdicar da sua soberania, liberdade e democracia.
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O precendente. Hong Kong é o claro precedente daquilo que poderá acontecer a Taiwan sob a autoridade chinesa. Do ponto de vista da democracia e das liberdades, Pequim esmagou-as nos últimos anos naquele território, acabando com o regime de democracia liberal herdado dos tempos em que era uma colónia britânica. Mas, do ponto de vista de Xi, o “controlo total” sobre Hong Kong permitiu a "grande transição do caos para a governação". O congresso do PCC celebrou o facto de Pequim ter assumido o maior controlo alguma vez exercido sobre Hong Kong. Por “caos”, Xi entende uma democracia plural, com liberdade de expressão, de imprensa, de associação, de manifestação. Por “governação”, Xi entende a supressão de todas essas liberdades, e eleições em que só se podem candidatar partidos e candidatos autorizados pelo regime comunista.
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Os patriotas. "Face à turbulenta e mutável situação em Hong Kong, exercemos efetivamente o poder da governação abrangente (...) e implementámos o princípio dos 'patriotas que governam Hong Kong'". Ou seja, só os candidatos considerados “patriotas” (leia-se: que concordam com o PCC) podem ir a votos e ser eleitos. Os restantes são impedidos de se candidatar e, em muitos casos, têm sido perseguidos e presos sob acusações de subversão, secessão, corrupção, traição ou formas várias de conluio com potências estrangeiras.
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O sistema. Apesar de a democracia ter sido na prática esmagada em Hong Kong e em Macau, Xi Jinping continua a elogiar o modelo de “um país, dois sistemas”, e reiterou que esse é o melhor mecanismo institucional para aquelas duas antigas colónias ocidentais. Segundo Xi, ambos os territórios gozam de elevada autonomia e são administradas pelos dirigentes escolhidos localmente… de entre os “patriotas” aprovados por Pequim.
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O léxico. A agência Reuters fê-las e chegou à conclusão de que Xi Jinping fala mais hoje de segurança do que em 2017, e fala menos de reformas. A comparação é entre momentos semelhantes: o discurso de ontem e o discurso de abertura do anterior congresso. Há cinco anos, Xi pronunciou 55 vezes a palavra “segurança”, ontem, usou-a 89 vezes; em 2017, referiu 68 vezes a palavra “reforma”, ontem, só 48 vezes. Conclusão linear: o discurso de Xi tornou-se mais securitário e menos reformista.
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O tumor. Foi a bandeira da corrupção que fez de Xi Jinping uma figura cimeira do PCC, e essa continua a ser uma das suas prioridades. Foi essa luta que lhe deu prestígio popular e poder partidário, permitindo-lhe afastar centenas de figuras de facções adversas dentro do partido, algumas delas de altíssimo perfil. Agora, ficou a garantia de que o PCC continuará a melhorar e a "limpar-se". "A corrupção é o maior tumor que danifica a vitalidade do partido e o seu poder de combate". Contra a corrupção, a luta continua.
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A Covid. Não está para breve o relaxamento das políticas repressivas para controlar a covid-19. Xi fez um balanço vitorioso da política de “covid zero”, considerando que protegeu vidas e, ao mesmo tempo, a economia. "Aderimos ao princípio de 'as pessoas primeiro, a vida primeiro'", disse Xi, congratulando-se porque “[a política] protegeu ao máximo a vida e a saúde das pessoas, e alcançou grandes resultados na coordenação da prevenção e controlo da epidemia e do desenvolvimento económico e social".
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A economia. Xi, que durante a última década liderou um país cuja economia crescia a dois dígitos por ano, prometeu continuar a melhorar a qualidade de vida e o bem-estar da população chinesa. "Garantiremos pagamento mais alto para quem trabalha mais, e encorajamos as pessoas a alcançar a prosperidade através do trabalho duro”, disse o líder chinês. No entanto, não traçou um plano para voltar a fazer a economia crescer ao ritmo do passado. Este ano a China previa um crescimento do PIB de 5,5% (que seria o mais baixo das últimas décadas), mas dificilmente irá além dos 2,5%. A principal causa do abrandamento da economia chinesa são os confinamentos e lockdown impostos pela política de “covid zero. A guerra comercial com os EUA e o impacto global da invasão da Ucrânia também se tem refletido no desempenho da economia chinesa, que regista atualmente um nível inaudito de desemprego jovem, na casa dos 20%.
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Os militares. Sob a liderança de Xi Jinping as Forças Armadas da China conheceram um crescimento e modernização sem paralelo na história recente. Para o futuro, Xi promete reforçar ainda mais os militares, melhorando o seu equipamento, tecnologia e capacidade estratégica. O líder supremo da China quer também continuar a aumentar controlo do partido sobre o Exército Popular de Libertação, que formalmente responde perante o PCC. O objetivo é garantir que os militares estejam sempre alinhados com as prioridades da liderança partidária. "Precisamos de reforçar de forma abrangente o treino militar e a preparação para a guerra, melhorar a capacidade do Exército Popular de Libertação para vencer (...) através da atualização da tecnologia de defesa", assumiu Xi.
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A promessa. Apesar de ter declarado o objetivo de reforçar e modernizar as suas capacidades militares, cuja presença é cada vez mais afirmativa em várias áreas do Indo-Pacífico, Xi prometeu que a China não se envolverá em qualquer tipo de "expansionismo". Os últimos anos têm sido de crescente tensão entre a China e diversos países vizinhos, nomeadamente com Pequim a reivindicar como suas águas internacionais, mas o líder chinês diz que o seu país se tem oposto “a qualquer unilateralismo, protecionismo e intimidação”. Disse também estar empenhado numa política de abertura ao mundo.
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A Rússia. Não foi assunto.
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O amigo. Coincidindo com a abertura do 20º congresso do PCC, foi divulgada uma carta enviada por Xi Jinping a Kim Jong-un, o líder supremo da Coreia do Norte. A China e a Rússia são dos poucos aliados do regime de Pyongyang, e têm-no protegido de novas sanções da ONU por causa dos sucessivas testes de mísseis realizados ao longo deste ano. Na carta, divulgada pela agência de notícias norte-coreana, Xi defendeu o aumento da comunicação estratégica, unidade e cooperação entre os dois países, face a “mudanças sérias e complicadas” na situação regional e internacional. Sobre a relação entre a China e a Coreia do Norte, Xi garantiu que É mais sólida a cada dia que passa, e usou uma metáfora reveladora: é “tão próxima como dentes e lábios”.
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A Carta. Embora nunca tenha referido a invasão russa da Ucrânia, Xi puxou dos galões em defesa da Carta das Nações Unidas enquanto quadro regulador da governança global. Pang Zhongying, professor de política internacional na Ocean University of China, considera que neste momento é "muito significativo [Xi] mencionar a Carta das Nações Unidas, porque a invasão russa da Ucrânia viola a Carta em termos de soberania. E ao reiterar isto, a China traça algumas linhas entre si e a Rússia e basicamente diz que a China tem uma visão diferente da Rússia em relação à Ucrânia".
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A chantagem. O secretário-geral do PCC também nunca mencionou os EUA, principal adversário estratégico da China, com quem as relações se têm degradado nos últimos anos. Mas deixou vários recados para Washington. Isso foi notório quando falou de Taiwan, mas também na passagem em que falou da forma como o partido tem defendido os interesses chineses apesar da "chantagem externa, contenção, bloqueio e pressão extrema". Segundo os especialistas em política chinesa e em Xi Jinping, “chantagem” não é uma palavra comum no seu vocabulário.
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A antecipação. Xi falou de muitos “desafios” e “tempestades” pela frente, a avisou que a China deve preparar-se para todas as crises. "Devemos ter um sentido apurado de crise e fazer preparativos minuciosos. Só assim poderemos estar à altura dos desafios que temos pela frente". Ouvindo-o, Xi parecia estar a refletir sobre as lições que tem retirado da guerra russa na Ucrânia, e das sanções ocidentais sobre o regime de Putin. O líder chinês destacou a importância de reforçar a segurança nacional e melhorar a proteção das infraestruturas e redes, bem como a segurança de dados, a biossegurança, e os recursos nucleares e espaciais. "Temos de melhorar a nossa capacidade de combater as sanções estrangeiras, as interferências e a jurisdição de braço longo" - uma referência às sanções ditadas pelos EUA em relação a países adversários. Xi também realçou a urgência de trabalhar para a autossuficiência nos sectores alimentar, energético e tecnológico - neste caso, uma necessidade tornada mais evidente pelas sanções dos EUA em relação à exportação de chips e tecnologia de ponta norte-americana para clientes chineses.
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As minorias. Xi diz que a China deve reforçar a unidade de todos os grupos étnicos, e que a principal tarefa do PCC é “liderar os chineses de todos os grupos étnicos” rumo a um “grande país socialista moderno”. Apesar das várias referências às diversas etnias que compõem a China, Xi nunca se referiu concretamente às minorias que têm sido perseguidas por Pequim, nomeadamente os muçulmanos uigur de Xinjiang, que segundo diversos relatórios internacionais têm sido alvo de uma política de genocídio.
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A natalidade. Primeiro, foi a política férrea de filho único. Depois, a abertura, e a seguir o incentivo, para que os casais tivessem um segundo filho. Agora, confrontado com o envelhecimento e declínio da população, o governo chinês promete políticas para que nasçam mais bebés no país. "Estabeleceremos um sistema político para aumentar as taxas de natalidade e prosseguir uma estratégia nacional pró-ativa em resposta ao envelhecimento da população", prometeu o líder comunista.
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O cromossoma. Basta ver as imagens do congresso, rigorosamente coreografadas, para se perceber que o PCC é, como sempre foi, um “clube de rapazes” - e de rapazes vastamente grisalhos, apesar de Xi não ter um único cabelo branco aos 69 anos. Segundo dados oficiais, atualmente há apenas 30 mulheres entre os 371 membros do Politburo, e nenhuma integra a Comissão Permanente, o órgão mais exclusivo da direção partidária. Segundo os analistas, dificilmente isso mudará neste congresso. A China tem uma vice-primeira-ministra (Sun Chunlan), e já teve outra nos anos 90 (Wu Yi). Sun é também a governante com a tutela do combate à Covid-19, mas deverá ser afastada do Politburo no fim desta semana.
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Os anciãos. Muitos dos dirigentes partidários mais velhos, que costumam ser um dos mais relevantes grupos de pressão na vida interna do PCC, assistiram ao discurso de Xi. Terá sido para os poupar a uma sessão excessivamente longa que o secretário-geral optou por um discurso que era uma versão condensada do relatório de atividades dos últimos 5 anos. Hu Jintao, o antecessor de Xi que abriu caminho à sua liderança, mostrou-se bastante frágil, e Jiang Zemin, o líder antes de Hu, não esteve presente. Segundo o jornal South China Morning Post, o friso de dirigentes mais velhos era essencialmente simbólico, pois apesar de os ter escutado antes do congresso, Xi teve carta branca para tomar todas as decisões mais importantes.
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O mistério. Quem serão os futuros membros da Comissão Permanente do Politburo, a pequena elite que de facto governa a China e da qual sairá o eventual sucessor de Xi, quando quer que essa sucessão aconteça? Xi não dá sinais de pensar em abandonar o poder, e permanece o mistério sobre quem o acompanhará na cúpula do poder.
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A glória. Será “incomparável”, prometeu Xi ao seu partido e ao seu país. Apesar das “tempestades perigosas” que se avizinham, Xi prometeu terminar o que outros começaram e conseguir mais do que qualquer dos seus antecessores alcançou. A modernização do país estará concluída até 2035, altura em que a China deixará de ser a maior economia em desenvolvimento do mundo para se situar entre os países de médio e alto rendimento. Em meados do século, a China será a maior potência global, não só na economia como nas frentes tecnológica e militar. Nada menos do que “glória incomparável”.