China manda mais polícia para as ruas, mas também prepara alívio de regras anti-covid

29 nov 2022, 05:32
Manifestante detido pela polícia, em Xangai, num protesto a 27 de novembro de 2022

A polícia está em força nas ruas e os protestos desapareceram. Ao mesmo tempo, as autoridades dão passos para aligeirar algumas regras anti-covid. “A China pode sair da sombra da covid-19 mais cedo do que o esperado”, escreve um jornalista próximo do Partido comunista Chinês

Depois de três dias de tumultos nas ruas, a aparente bonança. Na segunda-feira quase não se registaram manifestações ou vigílias contra a política de covid zero nas grandes cidades chinesas, e onde houve tentativas nesse sentido, eram mais os polícias do que os manifestantes. Após uma reação titubeante por parte das autoridades, que pareceram apanhadas de surpresa pela dimensão dos protestos deste fim-de-semana, a polícia foi em força para as ruas das cidades onde se registaram os maiores protestos, e conseguiu suprimir praticamente todas as manifestações.

Em cidades como Pequim, Xangai e Hangzhou circularam ontem convocatórias para vigílias de solidariedade com as vítimas dos excessos da política anti-covid - mas à hora marcada, era maior o aparato policial do que a afluência de manifestantes. As convocatórias tinham pontos de encontro como praças, cruzamentos e paragens de autocarros, onde seria possível juntarem-se pequenas aglomerações de protesto, mas em todos os locais previstos havia dezenas de polícias, com forte presença de viaturas e um aparato bem visível. Os agentes mostravam-se particularmente atentos a pessoas com telemóveis na mão, e exigiram a muitos transeuntes que mostrassem o conteúdo dos aparelhos - quem tinha vídeos ou fotografias foi obrigado a apagar. 

Apesar da dissuasão das forças de segurança, um pequeno grupo manifestou-se esta segunda-feira à noite numa zona comercial de Hangzhou, perto da loja da Adidas onde têm sido transmitidos jogos do Mundial de Futebol, provocando ajuntamentos de pessoas. Mas a loja da marca desportiva foi proibida de continuar a transmitir os jogos, e um cordão policial robusto tudo fez para dispersar os protestos. “Não parem, circulem”, eram as instruções da polícia.

Um vídeo publicado pelo New York Times mostra algumas dezenas de pessoas gritando palavras de ordem contra a polícia e exigindo a libertação dos que foram presos nos últimos dias. Há algumas escaramuças, com manifestantes a acusar a polícia de agredir pessoas, e mais algumas detenções. Veem-se polícias fardados, mas também supostos elementos à paisana, vestidos de preto, identificando manifestantes que questionam com que base estavam a ser feitas as prisões. Os “homens de preto” tornaram-se uma presença constante no controlo das manifestações destes dias. Com uma grande desproporção de forças, o local terá sido evacuado sem grande dificuldade. 

O princípio do fim da testagem em massa?

Ao mesmo tempo que um pesado aparato policial tomou conta das ruas e cruzamentos das cidades que foram palco dos protestos, as autoridades dão pequenos sinais de abertura para aliviar algumas medidas anti-covid, aparentando disponibilidade para ir ao encontro das reivindicações populares. O governo chinês reiterou que a política de covid zero se mantém em vigor, pois é a forma de “salvar vidas” face ao aumento de novos casos positivos, mas também tem sido anunciada a vontade de suavizar algumas medidas.

O Global Times, jornal em língua inglesa do Partido Comunista Chinês, anunciou esta terça-feira que “várias cidades chinesas, incluindo Pequim, Cantão, Chongqing e Zhengzhou, otimizaram ainda mais as suas medidas anti-covid, com alguns locais que permitem aos residentes sem atividades sociais ficarem livres de testes em massa”. Ou seja, nalguns locais, as ordens das autoridades para testagem obrigatória, que se aplicavam a toda a gente, podem deixar de se aplicar a quem opte por não sair de casa. 

Assim, é possível que nalguns locais a obrigação de se sujeitar a testes frequentes possa ser adaptada às circunstâncias de cada pessoa. Segundo o jornal, “as autoridades distritais de Yuexiu e Liwan [em Cantão] anunciaram (...) que os idosos que têm estado em casa, os estudantes que têm aulas online, os empregados que trabalham em casa e outras pessoas sem atividades comunitárias não precisam de participar no rastreio em massa se não precisarem de ir à rua” - uma medida já aplicada no rastreio de ontem. O objetivo, diz o jornal, “é reduzir os riscos de infecção e poupar recursos”. Com a vantagem adicional - que o Global Times não refere - de retirar pessoas de circulação numa altura em que as autoridades querem retomar o controlo das ruas.

A medida pode não parecer grande coisa, mas até agora não existia a opção de ficar em casa para não ter de se sujeitar a testes que, nalgumas áreas, são diários ou dia sim dia não. Segundo o jornal do Partido Comunista, esta decisão “é um passo no sentido de tomar medidas mais direcionadas e baseadas na ciência para refrear os surtos”. 

O mesmo jornal dá conta de que na cidade Chongqing (também afetada pelos protestos, tal como Cantão) os residentes que vivem comunidades sem casos positivos nos últimos cinco dias não precisam de participar na mais recente ronda de testes generalizados. E a cidade de Zhengzhou, onde fica a maior fábrica de iPhones do mundo, suspendeu o rastreio obrigatório nas áreas consideradas de baixo risco. 

Na cidade de Wuhan, onde se registaram igualmente confrontos com a polícia, uma residente contou que alguns complexos residenciais deixaram de estar sob confinamento na segunda-feira de manhã. 

Proibido bloquear casas ou prédios sob confinamento

Também o jornal South China Morning Post dá conta da “optimização” das medidas anti-covid e acrescenta que as autoridades de Pequim e Cantão emitiram um aviso diretamente relacionado com os tumultos dos últimos dias: as saídas essenciais dos prédios de habitação não devem ser bloqueadas, mesmo que esses edifícios estejam sob confinamento e alberguem pessoas em quarentena. Segundo o diário de Hong Kong, as autoridades de Pequim anunciaram no domingo à noite que a utilização de objetos sólidos para encerrar ou isolar áreas foi "estritamente proibida", assim como o bloqueio de saídas de emergência, escadas de incêndio, portas de casas ou portas de prédios ou de condomínios.

O bloqueio físico de portas e janelas de habitações onde estão pessoas em quarentena é uma prática que tem sido levada a cabo pelas autoridades em diversos locais, sendo muitas vezes denunciada por cidadãos indignados nas redes sociais. As denúncias acabam sempre por ser censuradas, e os responsáveis políticos têm negado que essa prática seja verdadeira. 

As autoridade negaram que isso tenha acontecido em Urumqi, no prédio onde morreram 10 pessoas na quinta-feira por não poderem fugir de casa durante um incêndio - foi essa tragédia que desencadeou os protestos nacionais do fim de semana passado. Apesar de os responsáveis políticos de Urumqi negarem que as vítimas do fogo tenham morrido presas em casa, ou que os bombeiros não tenham podido fazer mais devido às normas anti-covid em vigor naquele bairro, a verdade é que as autoridades de Pequim parecem agora reagir a esse caso, determinando que tem de haver sempre saídas operacionais, mesmo em habitações sob quarentena.

Para além disso, as autoridades sanitárias de Pequim anunciaram que as áreas consideradas de alto risco devem passar a ser definidas edifício a edifício, e não por bairros inteiros. Estas áreas podem ser alargadas, se houver transmissão generalizada do vírus na comunidade em causa, mas apenas após uma "avaliação rigorosa", dizem agora as autoridades sanitárias da capital, onde muitas áreas estão atualmente sob confinamento e com obrigação de testagem generalizada.

Autoridades locais têm medo de aliviar medidas

Já no dia 11 deste mês o governo chinês tinha emitido uma norma atenuando algumas políticas anti-covid. Mas a vaga de casos que surgiu entretanto, e que neste fim de semana levou ao pico absoluto acima de 40 mil novas infeções diárias - o recorde desde o início da pandemia - fez com que as autoridades locais ignorassem as novas regras. Uma vez que os dirigentes políticos provinciais e nos vários níveis locais são responsabilizados pelo sucesso no combate a novos surtos, estas autoridades tendem, por norma, a aplicar as medidas mais draconianas, temendo que a situação no seu território se descontrole, como aconteceu, por exemplo, em Xangai ou em Hong Kong. 

Mesmo quando o governo central recomenda moderação na aplicação das regras de covid zero, o receio de fazer má figura é tal, que os dirigentes comunistas a nível local optam quase sempre pelas medidas mais extremas no controlo dos surtos.

Nova regra: olhar para casos sintomáticos e doença grave

Há um outro indício muito claro de que o governo central levou a sério os tumultos destes dias, e estará ciente da necessidade de abandonar as regras mais rigorosas da covid zero. O indício está num tweet partilhado ontem por Hu Xijin, antigo chefe de redação do jornal Global Times. Hu funciona nas redes sociais como uma espécie de porta-voz oficioso do Partido Comunista Chinês e escreveu ontem que “a China pode sair da sombra da covid-19 mais cedo do que o esperado”. Tendo em conta a sua proximidade ao PCC, parece ser o pré-anuncio de mais mudanças.

“A nova variante Omicron está a espalhar-se rapidamente, empurrando o ajustamento na resposta da covid em muitas partes da China. A taxa atual de casos graves da China é de cerca de 0,025%. A maioria dos chineses já não tem medo de ser infectada. A China pode sair da sombra da covid-19 mais cedo do que o esperado”, escreveu o jornalista, que muitas vezes lança balões de ensaio de decisões que depois se concretizam.

O enfoque de Hu na percentagem de casos graves, e não no total de novos casos, coincide com outra mudança de ângulo a que se assistiu nos últimos dias: as notícias oficiais - que depois são reproduzidas sem alterações por toda a comunicação social - passaram a focar-se no número de casos sintomáticos, antes de informarem sobre o total de infeções. Esta segunda-feira, por exemplo, o comunicado da Comissão Nacional de Saúde referia a existência de “3.822 novos casos de infecções confirmadas”, discriminando o número de casos em cada região. Só em segundo plano o documento referiu o total de novas infeções (pouco mais de 36 mil, um recuo em relação a mais de 40 mil na véspera).

Uma das críticas que tem sido feita à política de covid zero é fazer disparar os alarmes com base em relativamente poucos casos por milhão de habitantes - e ainda menos casos sintomáticos, pois a esmagadora maioria das infeções não provoca qualquer doença no portador e só é detetada devido ao elevado número de testes que estão a ser feitos. Este facto torna ainda menos defensáveis as medidas restritivas adotadas pelas autoridades chinesas, sobretudo desde que a variante Omicrón, que provoca doença menos grave, se tornou dominante. 

Apesar dos sinais de alivio de medidas, o governo chinês reafirmou a prioridade ao covid zero e negou que os protestos dos últimos dias tenham significado a rejeição popular desta política. Em conferência de imprensa, na segunda-feira, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros negou que haja uma raiva generalizada da população em relação à política de covid zero e repetiu o discurso dos últimos quase três anos: "Acreditamos que com a liderança do Partido Comunista Chinês, e a cooperação do povo chinês, a nossa luta contra a covid-19 será bem sucedida".

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