China esconde dados económicos para não perturbar entronização de Xi

18 out 2022, 06:12

Indicadores que deviam ser divulgados esta semana, como o PIB do terceiro trimestre, só serão revelados mais tarde. Objetivo será não ensombrar a aclamação de Xi Jinping, o que alimenta especulações sobre o verdadeiro estado da economia chinesa

A China anunciou ontem que a publicação dos dados sobre o crescimento económico do país durante o terceiro trimestre - que deveria acontecer esta terça-feira - foi adiada, sem nova data para essa divulgação. O adiamento da divulgação do PIB no terceiro trimestre coincide com a realização do congresso do Partido Comunista Chinês, que arrancou no domingo e se prolonga até sábado. 

A economia chinesa está em forte desaceleração este ano, e o súbito adiamento da divulgação dos dados trimestrais fez crescer a especulação sobre que notícias trarão esses indicadores. Uma coisa é certa: se os dados fossem positivos, as autoridades chinesas não teriam qualquer razão para evitar a sua divulgação durante o congresso, que marcará a entronização de Xi Jinping para um inesperado terceiro mandato.

O adiamento da data de divulgação de dados macroeconómicos é altamente invulgar, e não visa apenas a publicação dos dados do PIB entre julho e setembro. Muitos outros indicadores que deveriam ser tornados públicos por estes dias têm sido guardados, para revelação posterior. A informação sobre o desempenho no mês de setembro da produção industrial, das vendas a retalho e do desemprego também foi empurrada para depois. O mesmo se passou com a evolução dos preços da habitação relativos ao mês passado, que devia ser apresentada amanhã.

Já na semana passada, Pequim havia adiado sine die a apresentação dos dados de setembro do comércio externo pelas autoridades aduaneiras.

PIB “recuperou significativamente"

A evolução do PIB chinês no terceiro trimestre é esperada com alguma ansiedade, depois de um segundo trimestre em que o crescimento se ficou pelos 0,4%, muito abaixo da meta anual apontada pelo governo de 5,5%. A economia chinesa tem sido fortemente penalizada pelo abrandamento da economia global, devido à guerra na Ucrânia, ao aumento da inflação e a um sentimento negativo generalizado que tem retraído o consumo um pouco por todo o mundo. Mas a principal razão da forte travagem da economia chinesa é auto-inflingida: a política de “covid zero” que tem obrigado bairros, cidades e províncias inteiras a ficar sob fortes restrições à circulação, ou mesmo confinamentos gerais, levando ao fecho de milhares de fábricas. 

O caso mais grave foi o lockdown de dois meses imposto a Xangai, em abril e maio. Mas muitas outras regiões, incluindo importantes hubs industriais e tecnológicos, têm sofrido com esta política, que é imposto sobre famílias e empresas mesmo perante números muito baixos de casos de covid.

As últimas previsões para a economia chinesa este ano apontam para um crescimento que poderá ficar nos 2,5%, no pior cenário, ou rondar no máximo os 3,5%. Ou seja, bem abaixo dos previstos 5,5%. E convém lembrar que, ainda que se cumprissem os 5,5%, esse seria o crescimento mais baixo dos últimos 40 anos (tirando o ano excecional de 2020, em que a pandemia afundou todas as economias globais). De resto, as previsões internacionais indicam que pela primeira vez nas últimas décadas a China poderá crescer menos do que a média dos países asiáticos.

Apesar destas nuvens negras, Xi Jinping reafirmou, na abertura do congresso do PCC, no domingo, que o país manterá as políticas de combate à covid, frisando que a opção do governo colocou “as pessoas primeiro, a vida primeiro". A política de covid zero “protegeu ao máximo a vida e a saúde das pessoas, e alcançou grandes resultados na coordenação da prevenção e controlo da epidemia e do desenvolvimento económico e social", declarou Xi. Contra estas declarações, a Organização Mundial de Saúde já veio criticar as autoridades chinesas por estarem a seguir uma política “insustentável” de erradicação do vírus, em vez de uma abertura progressiva que permita, como noutros países, começar a conviver com o vírus.

Num discurso em que a componente económica ficou em segundo plano, Xi louvou as políticas que permitiram enorme crescimento económico da última década, por vezes nos dois dígitos, e sempre acima das restantes potências económicas globais. Em 2010 a China ultrapassou o Japão como segunda maior economia global, e era esperado que ultrapassasse os EUA no primeiro lugar durante esta década. Mas o ritmo de crescimento do passado não parece ser sustentável.

À margem do congresso do PCC, a principal agência de planeamento económico da China disse ontem que no terceiro trimestre o PIB “recuperou significativamente" e foi "notável" em comparação com o resto do mundo. Recorde-se que entre julho e setembro já estava em vigor um conjunto de medidas do governo para estimular a economia, dirigidas tanto às empresas como às famílias.

Analistas económicos esperam um crescimento em torno de 3,5% no terceiro trimestre. Mas só a divulgação dos dados permitirá aferir a realidade. Note-se que, 2017, quando aconteceu o anterior congresso do PCC, não houve qualquer alteração nas datas normais de divulgação dos dados económicos.

Ásia

Mais Ásia

Patrocinados