A verdade por trás daqueles rastos brancos deixados pelos aviões no céu

CNN , Leah Asmelash
31 mar, 09:00
Chemtrails rastos químicos aviões (Michael Probst/AP)

Os cientistas dizem que não há provas da existência de ‘chemtrails’. Mas isso não demove os milhares de crentes nos EUA e em todo o mundo

Todos já vimos aqueles traços brancos atrás dos jatos, criando linhas no céu azul.

As linhas são chamadas de ‘contrails’, diminutivo para rastos de condensação, e aparecem quando o vapor de água se condensa e congela em torno do escape de um avião, de acordo com a University Corporation for Atmospheric Research.

Pelo menos é isso que diz a ciência. Em anos recentes, um crescente número de pessoas acredita que estes ‘contrails’ são na verdade ‘chemtrails’, ou rastos químicos – uma teoria da conspiração bem estabelecida que afirma que estes rastos não advêm da condensação, mas sim de produtos químicos pulverizados pelo governo.

Embora a teoria possa parecer absurda para alguns, os rastos químicos tornaram-se uma conspiração comum tanto nos EUA quanto no resto do mundo, apesar das evidências em contrário.

O que é a teoria da conspiração sobre os 'chemtrails'?

A ideia dos ‘chemtrails’ existe desde 1996, e está em grande parte enraizada num artigo de investigação publicado nesse ano, “Meteorologia como força multiplicadora: controlar a meteorologia em 2025”. O artigo descreve um “futuro sistema de modificação climática para alcançar objetivos militares” usando “forças aeroespaciais”, que “não reflete as atuais políticas, práticas ou capacidades militares”, afirma a Agência de Proteção Ambiental (EPA).

Na sua forma mais básica, a teoria da conspiração dos ‘chemtrails’ postula que os ‘contrails’ não são criados pelo vapor de água, são antes um sinal de que o governo, os ricos, ou uma mistura de ambos, está a segregar produtos químicos tóxicos no ar, criando estas linhas brancas.

As ideias sobre a finalidade desses supostos produtos químicos variam. Alguns acreditam que os químicos estão a ser usados para envenenar a humanidade, outros dizem que é para controlar a mente, e alguns acham que é uma forma de o governo controlar o tempo.

Não existe uma única versão oficial da teoria, diz Sijia Xiao, doutoranda na Universidade da Califórnia, Berkeley, que em 2021 conduziu um estudo a explorar a teoria da conspiração dos rastos químicos e que entrevistou 20 crentes e ex-crentes. Em vez disso, os indivíduos “escolhem os aspetos que ressoam com eles, misturando interpretações pessoais ou adotando seletivamente partes da teoria”.

Como é que a teoria dos rastos químicos descolou?

A ideia de que o governo está a pulverizar a humanidade com produtos químicos não é completamente infundada.

Durante a Guerra Fria, o governo britânico conduziu mais de 750 simulações de ataques militares com químicos contra a população em geral, indicam investigadores. Isto sujeitou centenas de milhares de pessoas a sulfeto de zinco e cádmio, um químico escolhido pelo seu tamanho pequeno – similar ao dos germes – e porque brilha sob luz ultravioleta, tornando-o fácil de rastrear. À data pensava-se que o produto químico não era tóxico, embora a exposição prolongada pudesse ser cancerígena. Os EUA fizeram o mesmo nos anos 1950 e 1960 – usando o mesmo produto químico para testar o rastreio da dispersão de armas biológicas.

Apesar de estes testes terem sido realizados há décadas, a teoria floresceu – tanto que, em 2016, a EPA publicou um documento de 14 páginas a explicar os ‘contrails’, delineando os produtos químicos usados pela Força Aérea, na tentativa de contestar a conspiração.

Em 2021, uma publicação no Facebook que se tornou viral alegava que o presidente Joe Biden “manipulou” a meteorologia através dos rastos químicos e causou uma semana de baixíssimas temperaturas em fevereiro daquele ano – com centenas de pessoas a interagirem com a mensagem.

Na rede social X, milhares de pessoas seguem contas dedicadas ao rastreio e publicação de provas destes rastos químicos. Um estudo de 2017, que tinha uma amostra nacionalmente representativa de 1.000 pessoas, apurou que cerca de 10% dos americanos acreditam “completamente” na conspiração, com até 30% dos americanos a considerarem, pelo menos, que ela é “de alguma forma” verdadeira.

A crença em conspirações remonta muitas vezes ao ceticismo em relação a figuras de autoridade, diz Xiao, e as redes sociais também desempenharam um papel na amplificação do problema.

A estrutura algorítmica das redes sociais significa que as pessoas veem informação que reforça as suas crenças pré-existentes. Os ex-crentes entrevistados atribuíram a sua contínua crença em parte à “enorme quantidade de informação pró-conspiração” nos seus feeds das redes sociais, diz Coye Cheshire, professor da UC Berkeley que estuda psicologia social, e que também esteve envolvido no estudo com Xiao. As evidências científicas que desmascaram as teorias simplesmente não chegavam aos seus feeds ou grupos sociais. E mesmo que chegassem, outros crentes apenas reforçariam a teoria.

A natureza maleável da teoria da conspiração ajuda a dar-lhe força, diz Cheshire.

“Como alguns crentes nos disseram, o poder da conspiração é que pode ser ajustado para se adequar a qualquer nova informação, uma vez que a prova conclusiva parece nunca chegar”, diz Cheshire. “Por exemplo, mesmo que os crentes não tenham a certeza de que os chamados ‘chemtrails’ estão realmente a ser usados para controlo populacional, a narrativa pode facilmente mudar para a manipulação meteorológica ou as alterações climáticas sem exigir qualquer nova informação ou prova.”

Há também o simples facto de que podemos ver os rastos com os nossos próprios olhos. A sua visibilidade e presença na vida quotidiana ajuda a atrair ainda mais interesse à teoria, acrescenta Xiao.

“Os rastos químicos têm sido a conspiração mais interessante, porque estão mesmo à frente da nossa cara e mesmo assim escolhemos ignorá-los”, disse um crente a Xiao e Cheshire.

Embora a teoria possa parecer disparatada para alguns, as preocupações subjacentes dos crentes advêm de “questões sociais e ambientais legítimas que merecem a nossa atenção”, diz Xiao. A desconfiança em relação ao governo, preocupações com questões ambientais e até batalhas com doenças crónicas podem dar credibilidade à teoria dos rastos químicos, sugerindo que há algo mais a causar estes problemas sociais.

Os ‘chemtrails’ são reais? Eis o que dizem os especialistas

Os cientistas dizem que não há provas da existência de ‘chemtrails’. Mesmo que houvesse uma teoria da conspiração governamental em ação relacionada com os rastos dos aviões, um programa de tão vasta escala seria difícil de ocultar dada a quantidade de gente que seria necessária para essa operação, destacam investigadores de Harvard.

Em todo o mundo, cientistas têm conduzido investigações a desmontar a teoria da conspiração dos rastos químicos, descrevendo em detalhe a existência de ‘contrails’ e as suas variações. Até Edward Snowden, o denunciante que divulgou informação classificada da Agência de Segurança Nacional (NSA), já disse que os ‘chemtrails’ “não são uma questão”.

Mesmo assim, os crentes não se deixam convencer. A crença na teoria tornou-se tão forte que meteorologistas de todo o mundo têm relatado um aumento de assédio e ameaças de que são alvo, geralmente após condições meteorológicas extremas, em particular por teoristas da conspiração a acusá-los de ocultarem informação.

“O acordo coletivo dentro destas comunidades supera muitas vezes a dissidência racional dos cientistas”, diz Xiao. E isto faz com que seja “extremamente difícil alterar essas crenças profundamente enraizadas com correções factuais”.

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