Entre os partidos que fazem oposição ao PS, o Chega diz que é o único que mata Portugal e os portugueses (uma lição sobre a importância das vírgulas)

31 jan 2023, 17:22
António Costa e André Ventura em debate (Foto: Ricardo Lopes/RTP)

Este artigo, que é feito a partir de um post do Chega no Facebook, inclui análise do coordenador editorial do Ciberdúvidas

O Chega afirma assim num post: “Somos a única oposição que mata o Socialismo que mata Portugal, que mata os portugueses!”. Uma frase aparentemente inócua mas que, por uma dúvida na sua composição, pode originar diferentes interpretações - nomeadamente a de o Chega estar a dizer que, entre os partidos que fazem oposição ao PS, é o único que mata Portugal e os portugueses.

O vice-presidente da Sociedade da Língua Portuguesa explica à CNN Portugal que a frase, tal como está, é “sempre ambígua”, uma vez que falta uma vírgula antes de “que mata Portugal” - é devido a essa ausência que pode haver a interpretação de que é o Chega a assumir que mata Portugal e os portugueses.

“Pelo contexto, supõe-se que [a frase] se refere ao socialismo, mas é possível identificar que quem mata [Portugal] é a oposição”, diz José Manuel Matias.

O também coordenador editorial do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa acrescenta que a melhor forma de evitar a criação destas “ambiguidades” é mesmo reformular a frase, deixando até sugestões sobre como isso pode ser feito: “somos a única oposição ao socialismo e é o socialismo que mata Portugal” ou ainda “somos a única oposição ao socialismo e é esta ideologia que mata Portugal” ou até “somos a única oposição ao socialismo e é este que mata Portugal”.

Quando o português cria dúvidas

Uma vírgula, como neste caso em concreto, ou uma simples letra podem ser motivo para interpretações bem diferentes. Ainda esta segunda-feira tivemos um exemplo claro disso, com o Tribunal Constitucional a declarar como inconstitucional a lei da eutanásia baseando grande parte da sua decisão na expressão "sofrimento físico, psicológico e espiritual". Foi aquele "e" que fez a diferença, uma vez que vários juízes afirmaram ter dúvidas sobre se aquela conjunção significa que têm de se verificar as três caraterísticas em conjunto ou se chega apenas uma delas para se legitimar a requisição da morte medicamente assistida.

Em 2009, uma lei sobre a violência doméstica também deu espaço para polémica. O então Presidente da República Aníbal Cavaco Silva já tinha referido que havia uma fraca qualidade das leis, mas o então procurador-geral da República foi mais longe - em causa, para o magistrado, estava, entre muitas outras coisas, a formulação inicial do artigo 30.º daquela proposta de lei: "A denúncia criminal, é feita nos termos gerais, sempre que possível, através de formulários próprios". Ouvido na comissão de Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, Pinto Monteiro esteve largos minutos a criticar a proposta, referindo-se àquela frase em específico para dizer "tirem lá a vírgula entre o sujeito e o predicado".

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