Caso Marquês: Sócrates cada vez mais próximo da prescrição. Decisão crítica será conhecida em janeiro

Henrique Magalhães Claudino , Notícia atualizada às 18:40 para dar conta que a decisão da Relação sobre o recurso do Ministério Público foi adiada até ao final de janeiro
19 dez 2023, 07:00
José Sócrates (José Sena Goulão/Lusa)

Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa prevista até ao final de janeiro ditará se o antigo primeiro-ministro vai a julgamento e por que crimes. Mesmo assim, em 2024 alguns crimes começam a prescrever. "O sinal é péssimo, pior é impossível”, confessa o presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados

Faltam menos de 15 dias para se atingir o ano que pode ser fatal para o processo Marquês e em que muitos dos crimes imputados a José Sócrates correm o risco de ser dados como prescritos. Aliás, como indica o antigo bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, é cada vez mais nítida “esta probabilidade anunciada”.

O processo tem-se arrastado na Justiça, por vários tribunais, e  segundo apurou a CNN Portugal, até ao final de janeiro espera-se uma decisão da Relação de Lisboa que será essencial em todo este caso: e que ditará se o antigo primeiro-ministro vai a julgamento e por que crimes. O acórdão deveria ser conhecido ainda esta semana, antes do fecho do ano judicial, mas as juízas encarregues do caso pediram mais um mês de prazo para avaliarem a decisão dos recursos da operação Marquês.

Mas, no entretanto, está-se cada vez mais perto de atingir as datas que têm sido apontadas como o limiar da prescrição para alguns dos crimes, nomeadamente os de falsificação de documentos pronunciados a José Sócrates na decisão instrutória. “O sinal é péssimo, pior é impossível”, confessa o presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, João Massano, sublinhando que tal cria “graves problemas de credibilidade” no sistema judicial.

Numa altura em que o país vive uma crise política após a Operação Influencer ter derrubado o Governo de António Costa e num momento em que o Presidente da República está sob fogo perante o tratamento milionário que foi dado a duas gémeas no Hospital Santa Maria, João Massano acrescenta que o sistema judicial está “demasiado vulnerável” para lidar com a “consequência pública terrível de ver crimes imputados a um ex-primeiro-ministro prescreverem”. 

“É um falhanço em quase 11 anos não conseguir, dentro dos prazos, julgar este caso”, acrescenta João Massano que prevê “o retorno à sociedade das lógicas populistas de que os poderosos não têm de enfrentar a justiça”. “Estamos a falar de uma corrida contra o tempo para determinar se o julgamento acontece”, completa Rogério Alves.

Quase onze anos de processo Marquês

José Sócrates foi acusado no processo Marquês em 2017, depois de ter passado 288 dias preso preventivamente entre 2014 e 2015. O Ministério Público imputou-lhe 31 crimes, nomeadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal. Três anos depois, na decisão instrutória de Ivo Rosa, o antigo primeiro-ministro viu-se ilibado de 25 dos 31 crimes, tendo sido pronunciado para julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos.

Após a decisão de Ivo Rosa, os procuradores Rosário Teixeira e Vítor Pinto recorreram para a Relação, pedindo que fosse reposta na íntegra a acusação original e pedindo, inclusivamente, o julgamento de Sócrates por três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 crimes de branqueamento de capitais e três crimes de fraude fiscal.

É sobre este recurso que a Relação se vai pronunciar até ao dia 22 de dezembro, altura em que se iniciam as férias judiciais. As desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira estão em regime de exclusividade até à tomada desta decisão.

Processo andou de tribunal em tribunal e chegou a ter um recurso fechado na gaveta durante ano e meio

Desde a decisão instrutória, que o processo tem migrado recorrentemente, tanto para o Supremo Tribunal de Justiça, como para o Tribunal Constitucional através de dezenas de recursos e pedidos de afastamento de juízes, invocados pela defesa do ex-primeiro-ministro. Pelo caminho, um recurso de José Sócrates acabou por ficar um ano e meio na gaveta do juiz Ivo Rosa e o próprio recurso do Ministério Público só subiu à Relação passado mais de um ano. Factos que acentuaram o perigo de prescrição.

No meio de tudo isto, a defesa de José Sócrates obteve uma vitória importante: em março deste ano, o Tribunal da Relação de Lisboa deu razão a um recurso do ex-primeiro-ministro que pedia a prorrogação dos prazos para arguir irregularidades e nulidades da decisão instrutória de Ivo Rosa, concedendo-lhe 120 dias para avançar com esse recurso.

“Na pratica”, argumenta Pedro Delille, advogado de José Sócrates à CNN Portugal, “o processo regressou a abril de 2021, antes do despacho de Ivo Rosa a enviá-lo para o tribunal de julgamento”. A arguição de nulidade foi entretanto pedida pela defesa que está “a aguardar a decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal” “desde maio ou junho”.

Por outro lado, garante Delille, o facto de o processo regressar à casa de partida faz com que os crimes pelos quais Ivo Rosa decidiu pronunciar o antigo primeiro-ministro “tenham acabado”, porque o processo foi “recolocado todo antes desse segundo processo (que surgiu da pronúncia de Ivo Rosa) existir”.

Ainda assim, em cima da mesa continua a existir a hipótese de José Sócrates poder vir a ser julgado. Ou pelos 6 crimes que Ivo Rosa imputou ao ex-governante ou o tribunal pode mesmo vir a repor quase toda a acusação original do procuradores, de 2017, nos autos da Operação Marquês.

Mas em ambos os casos, segundo os advogados ouvidos pela CNN Portugal, há riscos de prescrição. “Em teoria, pode haver tempo para um julgamento antes do prazo de prescrição de alguns crimes, mas conhecendo o historial deste processo - com probabilidades de se arguirem nulidades, pedirem efeitos suspensivos e recursos - na prática, tenho dúvidas”, refere Rogério Alves.

No que diz respeito à corrupção, “Sócrates foi acusado por aquilo que se chamava antes a prática de crimes para ato lícito - alguém que é corrompido para fazer algo que não é ilícito”, explica Rogério Alves, acrescentando que, como esse crime, à data dos factos, não era punível com pena igual ou superior a 5 anos, isso significa que se lhe aplica um prazo de prescrição de 5 anos que depois se vê aumentado em metade e, depois, por causa da suspensão, em mais três anos”.

“Um prazo máximo de 10 anos e meio” que levou Ivo Rosa a considerar prescritos, em abril de 2021, todos os crimes de corrupção que constavam da acusação no caso de Sócrates. Rogério Alves acrescenta, em declarações à CNN Portugal, que “se estes factos fossem reportados à data de hoje, com as regras sobre a prescrição que estão em vigor hoje”, “poderíamos atingir em teoria os 15 anos de prescrição”.

Rogério Alves admite também que possa existir um julgamento tendo por base o crime de corrupção, mesmo que já se encontre prescrito. “Se quando o julgamento começar, o crime já estiver prescrito, ele será feito, mas tendo-se a noção que se está a trabalhar para nada”.

Recentemente, no entanto, a tese que levou Ivo Rosa a declarar prescrita a corrupção foi colocada em causa pelo Tribunal Constitucional. O magistrado, que entretanto deverá tomar posse na Relação, entendeu, com base num acórdão de 2019, que o prazo da prescrição deve começar a contar a partir da promessa de contrapartida ou da sua aceitação.

Mas um acórdão recente do Tribunal Constitucional sustentou o oposto, validando que o prazo de prescrição do crime de corrupção começa a contar desde que foi recebida a última vantagem, ou o último pagamento. O Ministério Público, entretanto, já pediu ao plenário do Constitucional que se pronuncie, fixando uma resposta a esta matéria.

Já Pedro Delille, advogado de José Sócrates descarta qualquer responsabilidade pelo atraso do processo. "Eu acho que o Ministério Público gostava muito que isto prescrevesse para perder na secretaria, porque sabe que não tem hipótese e não quer perder em campo o jogo". Segundo o advogado, o Ministério Público "é que anda a arrastar isto".  "Nós não arrastamos este processo apesar dos insultos que andam sempre a fazer contra nós", diz Delille.

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