“Mãe, estes homens maus levaram-me": Ela acredita que os burlões clonaram a voz da filha num falso rapto

CNN , Faith Karimi
6 mai 2023, 19:00
“Mãe, estes homens maus levaram-me": Ela acredita que os burlões clonaram a voz da filha num falso rapto. Cortesia de Jennifer DeStefano

Jennifer DeStefano nunca esquecerá aqueles quatro minutos de terror e confusão – e o som sinistro daquela voz familiar

O telefone de Jennifer DeStefano tocou quando ela saía, uma tarde, do carro à porta do estúdio de dança onde a sua filha mais nova, Aubrey, estava a ensaiar. O autor da chamada não estava identificado e ela, por momentos, pensou em não atender.

Mas a sua filha mais velha, Brianna, de 15 anos, estava a treinar para uma prova de esqui e DeStefano receou que pudesse ser uma emergência médica. 

"Estou?”, respondeu, com o telefone em alta voz, enquanto trancava o carro e carregava a mala e o saco do portátil para o estúdio. 

Foi recebida com gritos e soluços. 

"Mãe! Fiz asneira!", gritou a voz de uma rapariga. 

"O que é que fizeste?!? O que é que aconteceu?!?", perguntou DeStefano. 

"A voz parecia-se com a da Brie, a entoação, tudo", disse, recentemente, à CNN. "Depois, de repente, ouvi um homem dizer: «Deita-te, põe a cabeça para trás». Pensei que ela estava a ser retirada da montanha, o que é algo comum no esqui. Por isso, entrei em pânico." 

Enquanto os gritos de socorro continuavam como pano de fundo, uma voz masculina grave começou a disparar comandos: "Oiça. Eu tenho a sua filha. Se chamar a polícia, se chamar alguém, vou eu encho-a de drogas. Faço o que quiser com ela e depois deixo-a no México, e nunca mais a vai ver." 

DeStefano congelou. Depois, correu para o estúdio de dança a tremer e a gritar por ajuda. Sentiu-se como se estivesse a afogar-se de repente. 

Depois de uma série caótica e rápida de acontecimentos que incluíram um pedido de resgate de um milhão de dólares, uma chamada para o 112 e um esforço desenfreado para contactar Brianna, o "rapto" foi desmascarado como uma fraude. Uma Brianna confusa telefonou para dizer à mãe que não sabia o porquê do alarido e que estava tudo bem.

Mas DeStefano, que vive no Arizona, nunca esquecerá aqueles quatro minutos de terror e confusão – e o som sinistro daquela voz familiar. 

"Uma mãe reconhece os seus filhos", disse, mais tarde. "Consegues ouvir o choro do teu filho no outro lado do edifício e sabes que é o teu." 

A inteligência artificial tornou os esquemas de rapto mais credíveis 

A chamada foi recebida no dia 20 de Janeiro, por volta das 16:55. DeStefano tinha acabado de estacionar à porta do estúdio de dança em Scottsdale, perto de Phoenix. 

DeStefano acredita agora que foi vítima de um esquema virtual de rapto que visa pessoas de todo o país, assustando-as com as vozes manipuladas de entes queridos e exigindo dinheiro. Nos Estados Unidos, as famílias perdem uma média de 10 mil euros em cada esquema de falso rapto, diz Siobhan Johnson, agente especial e porta-voz do FBI em Chicago. 

No total, os americanos perderam 2,3 mil milhões de euros no ano passado em burlas, segundo dados da Comissão Federal do Comércio. 

No áudio da chamada para o 112 fornecido à CNN pelo Departamento de Polícia de Scottsdale, uma mãe do estúdio de dança tenta explicar ao interlocutor o que está a acontecer. 

"Então, acabou de chegar uma mãe, ela recebeu um telefonema de alguém que tem a filha dela... alguém que terá raptado a filha ao telefone a dizer que quer um milhão de dólares", diz a outra mãe. "Ele não a deixa falar com a filha." 

Ao fundo, ouve-se DeStefano a gritar: "Quero falar com a minha filha!" 

A central identificou imediatamente a chamada como sendo uma burla. 

"É um esquema muito popular", disse. "Estão a pedir-lhe para ir buscar cartões de oferta e coisas do género?" 

As burlas existem há anos. Por vezes, a pessoa que telefona liga para os avós a dizer que o neto sofreu um acidente e precisa de dinheiro. Os falsos raptores costumavam utilizar gravações genéricas de pessoas a gritar. 

Mas as autoridades federais avisam que esses esquemas estão a ficar mais sofisticados e que alguns dos mais recentes têm uma coisa em comum: vozes clonadas. O crescimento de programas de inteligência artificial (IA) baratos e acessíveis tem permitido aos burlões clonarem vozes e criarem trechos de diálogo que soam como os seus supostos prisioneiros. 

"A ameaça não é hipotética – estamos a ver os burlões a utilizarem estas ferramentas como armas", diz Hany Farid, professor de ciências informáticas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e membro do Laboratório de Inteligência Artificial de Berkeley. 

"É possível criar um clone razoavelmente bom com menos de um minuto de áudio e há quem afirme que mesmo alguns segundos podem ser suficientes", acrescenta. "A tendência ao longo dos últimos anos tem sido para que sejam necessários cada vez menos dados para criar uma falsificação convincente." 

Com a ajuda de software de IA, a clonagem de vozes pode ser feita por apenas 5 dólares por mês, o que a torna facilmente acessível para qualquer pessoa, diz Farid. 

A Comissão Federal de Comércio alertou no mês passado que os burlões podem obter clipes de áudio a partir das publicações das vítimas nas redes sociais. 

"Um burlão pode usar a IA para clonar a voz do seu querido familiar", disse a agência, em comunicado. "Tudo o que ele precisa é de uma pequena amostra de áudio da voz do seu familiar – que pode ser obtida a partir de conteúdos publicados online – e de um programa de clonagem de voz. Quando o burlão lhe ligar... [vai] soar exatamente como o seu familiar." 

DeStefano: “Era... o som da voz dela” 

Até esse dia, DeStefano nunca tinha ouvido falar de esquemas virtuais de rapto. As autoridades policiais não verificaram se a inteligência artificial foi utilizada no seu caso, mas DeStefano acredita que os burlões clonaram a voz da sua filha. 

Ela só não tem a certeza de como a conseguiram. 

Brianna tem uma presença nas redes sociais – uma conta privada no TikTok e uma conta pública no Instagram com fotografias e vídeos das suas provas de esqui. Mas os seus seguidores são principalmente amigos íntimos e familiares, diz DeStefano. 

"Foi, claramente, o som da voz dela", diz. "Foi o choro dela, os soluços. O que realmente me tocou foi o facto de ela não chorar facilmente. Ela não grita. Ela não é uma pessoa que se passa. Ela é mais uma pessoa introvertida, que tenta conter-se, que tenta gerir. Foi isso que me desorientou. Foi a voz, que combinava com o choro dela."

Jennifer, à esquerda, com a filha Brianna. "Uma mãe reconhece os seus filhos". Foto: cortesia de Jennifer DeStefano

Nesse dia, no estúdio de dança, DeStefano convenceu o autor da chamada a baixar o montante do resgate. Pediu à filha, Aubrey, que usasse o seu telefone para ligar a Brianna ou ao pai, que estava com ela numa estância de esqui a 177 quilómetros de distância, no norte do Arizona. 

Aubrey, de 13 anos, estava a tremer e a chorar enquanto ouvia os gritos que acreditava serem os da irmã. 

"Aubrey estava... a ouvir todas as vulgaridades sobre o que iam fazer com a irmã. Muitos palavrões, ameaças", diz DeStefano. 

Outra mãe pegou no telemóvel de Aubrey e tentou contactar o marido de DeStefano e Brianna. Naquela altura, a ameaça ainda parecia real. 

Muitas destas burlas têm origem no México, segundo o FBI 

Não há dados disponíveis sobre o número de pessoas que são alvo de raptos virtuais anualmente. 

A maioria das chamadas tem origem no México e tem como alvo o sudoeste dos EUA, onde existem grandes comunidades latinas, diz Johnson, a agente especial do FBI. 

No meio de uma chamada angustiante, um pai ou um familiar perturbados muitas vezes não se vão questionar sobre se se trata na realidade da voz do seu ente familiar, diz Johnson. 

O FBI não notou um aumento no número de raptos virtuais na nova era da IA, mas emite rotineiramente lembretes para educar as pessoas sobre as burlas, diz Johnson. 

"Não queremos que as pessoas entrem em pânico. Queremos que as pessoas estejam preparadas. Este é um crime fácil de travar se você souber o que fazer com antecedência", diz Johnson. 

Embora a tecnologia tenha certamente tornado os deepfakes uma grande preocupação, a IA não é o problema, acrescenta – o problema são os criminosos que a estão a utilizar. 

Farid, o perito em IA, diz que, tanto quanto sabe, as atuais versões do software de inteligência artificial não conseguem clonar vozes que mostrem uma vasta gama de emoções – como a de uma criança aterrorizada. 

Mas diz que não pode excluir completamente a hipótese de as vozes que gritam ou soluçam serem geradas por IA. 

"Pode muito bem ser que a clonagem de uma voz a gritar esteja mesmo ao virar da esquina e/ou eu simplesmente não estou ciente de alguma da tecnologia que permite isso ", diz. 

O autor da chamada acabou por baixar o valor do resgate para 45 000 euros 

No estúdio de dança, passaram-se vários minutos de tensão antes que alguém conseguisse contactar Brianna, o pai ou o irmão. Depois de DeStefano ter dito que não tinha um milhão de dólares, a pessoa que ligou reduziu o resgate para 45 mil euros e a conversa passou a ser sobre a forma de transferir o dinheiro. 

A mãe que ligou para o 112 tentou convencer DeStefano de que a chamada era uma burla, mas ela estava demasiado perturbada para acreditar nela. 

"A minha resposta foi: «É a Brie a chorar». Parecia mesmo ela", diz DeStefano. "Eu não acreditei nela, porque... a voz [da minha filha] era tão real, e choro dela e tudo era tão real." 

O autor da chamada disse-lhe então que, uma vez que a transferência daquele montante seria possível de rastrear, ele iria buscá-la numa carrinha branca, colocar-lhe um saco na cabeça e levá-la para um local onde ela poderia entregar o dinheiro. "É bom que tenhas todo o dinheiro, senão tu e a tua filha estão mortas", disse ele.

Enquanto estava ao telefone com o alegado raptor, Jennifer trocou estas mensagens com o filho Alex. Imagem: cortesia de Jennifer DeStefano

DeStefano tentou ganhar tempo suficiente para que a polícia chegasse. 

"Ele estava em mute, eu conversava com outras pessoas e depois ligava o som e dizia: «Olá, desculpe, estou a tentar descobrir como lhe arranjar o dinheiro. Estou a tentar ver de onde o posso tirar...» sabe, tudo o que eu pudesse fazer para manter a conversa." 

Enquanto falavam sobre a forma de entregar o dinheiro, alguém entregou um telemóvel a DeStefano. Do outro lado, estava Brianna. 

"Ela disse: «Mãe, estou na cama. Não faço ideia do que se está a passar. Estou segura. Está tudo bem.»" 

DeStefano, furiosa, desatou a chorar e desfez o autor da chamada por estar a mentir. Ele insistiu que tinha a filha dela e continuou a pedir-lhe dinheiro. Ela desligou-lhe o telefone na cara e chamou a polícia. 

Dicas para desmascarar falsos raptos

DeStefano diz que esse dia mudou a forma como atende as chamadas telefónicas. É cautelosa ao atender chamadas de desconhecidos e raramente diz uma palavra até que o autor da chamada o faça, por receio de que a sua voz seja clonada para um futuro rapto virtual. Tentou descobrir como é que os falsos raptores obtiveram a voz da sua filha e considerou várias hipóteses.

"Podem ter-lhe telefonado. Ela pode ter atendido um telefone e ter dito «olá!» Já recebi telefonemas desses em que não está lá ninguém e a pessoa diz: «olá, olá!» Já dei tantas voltas à cabeça e não consigo perceber", diz.

Mas nem toda a gente é capaz de desmascarar falsos raptos como DeStefano fez. Johnson, do FBI, partilha algumas dicas sobre como evitar ser enganado:

  1. Não publique informações sobre viagens futuras nas redes sociais – isso dá aos burlões uma janela para atacar a sua família. "Se você estiver a voar, sua mãe não pode ligar para se certificar de que está bem", diz Johnson. 
  2. Crie uma palavra-passe familiar. Se alguém telefonar e disser que raptou o seu filho, pode pedir-lhes que peçam a palavra-passe à criança. 
  3. Se receber uma chamada desse tipo, ganhe tempo extra para fazer um plano e alertar as autoridades. "Escreva um bilhete a outra pessoa da casa e informe-a do que se está a passar. Ligue para alguém", diz Johnson. 
  4. Se estiver a meio de um falso rapto e houver mais alguém em casa, peça-lhe para ligar para o 112 e peça ao operador para avisar o FBI ou as autoridades competentes. 
  5. Tenha cuidado ao fornecer informações financeiras a estranhos por telefone. Os falsos raptores exigem frequentemente um resgate através de um serviço de envio de dinheiro, criptomoeda ou cartões de oferta. 
  6. Mais importante ainda, não confie na voz que ouve na chamada. Se não conseguir contactar um ente querido, peça a um familiar, amigo ou outra pessoa que esteja consigo para tentar contactá-lo por si.

*Jon Sarlin, da CNN, contribuiu para este artigo

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