Governo brasileiro anunciou uma nova moeda e muita gente nem entendeu isto

CNN Brasil , Phelipe Siani
15 ago 2023, 18:30
Real brasileiro [Reuters]

OPINIÃO || O real digital vai ser emitido do zero e, ao contrário das notas físicas, vai ser totalmente rastreável. E isso muda tudo! Leia o artigo do jornalista brasileiro Phelipe Siani, da CNN Brasil, da "família" da CNN Portugal.

O governo brasileiro anunciou os primeiros testes do real digital. Esta é a notícia que você pode ter ouvido nos últimos dias. O que muita gente talvez não tenha entendido é que, na prática, estamos a falar de uma moeda TOTALMENTE nova. Tanto que o nome anunciado nem é Real, é DREX: “D” de “digital”, “R” de “rastreável”, “E” de “eletrónico” e o “X” representa modernidade, conexão e, de uma certa forma, as inúmeras transações financeiras que vão poder ser feitas dessa forma.

O problema dessa história, para mim, é que a comunicação está um pouco esquisita. Já começa pela forma que toda a gente está a chamar a isto: “Real digital”. Ok, eu entendo o conceito. Mas acho que falar assim mais complica que explica. E o motivo é muito simples: de todo o dinheiro que existe em circulação no Brasil, só pouco mais de 3% estão impressos. A maior parte já é “digital”, ou seja, só existe, teoricamente, nas contas dos bancos. Os próprios bancos, aliás, já são em grande parte também digitais.

Entende como chamar a nova moeda só de “real digital” diz muito pouco? ‘Tá, qual seria a alternativa então? Na minha opinião, uma forma muito mais eficiente de explicar de caras a diferença da nova moeda seria chamá-la de “real rastreável”. O “R” do Drex é a única letra que traz alguma coisa que é de verdade revolucionária nessa história. Mas pouca gente sabe explicar isso de caras.

Sabe o número de série que cada nota física tem? É como se fosse o seu código de fabricação. Nos filmes, nós vemos os bandidos a pedir resgates de sequestro em dinheiro vivo e notas “não sequenciais”. Isso é para tentar eliminar qualquer hipótese de identificarem a origem daquele dinheiro. A questão é que, com o Drex, esse número não só fica registado na operação como pode ficar visível durante o processo. E isso muda tudo porque garante que quem recebe o dinheiro saiba exatamente de onde ele saiu.

Para explicar de um jeito mais claro, imagine o seguinte: é como se houvesse um rastreador via GPS na nota de cem reais que você recebeu pelo pagamento de um produto que você vendeu. E esse rastreador teria sido “instalado” na nota no momento em que o Banco Central fez a impressão dela. Se fosse assim, você ia conseguir saber dizer exatamente por que mãos essa cédula passou até chegar às suas.

Numa operação comum isso faz pouca ou nenhuma diferença, mas conseguir fazer o caminho inverso de operações financeiras rastreando exatamente a origem do dinheiro é a arma mais poderosa no combate, por exemplo, a crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e outras bizarrices do tipo. Como é que eu vou gastar dinheiro que vem com um registo de origem de um paraíso fiscal, por exemplo? Entende porque vai muito além do facto de ser só digital? Entende porque isso muda tudo?

Isto está a rolar não só no Brasil. Depois da popularização do conceito de criptoativos, os governos do mundo todo estão a tentar evoluir neste sentido e estão a basear-se na tecnologia da próprio Bitcoin, o blockchain. Para quem não entende do assunto, eu vou tentar explicar de uma forma bem grosseira: blockchain é uma tecnologia que pega a ordem de uma operação e divide essa ordem em vários blocos separados.

Esses blocos vão para uma rede de aprovadores virtuais que precisam “dar ok” à operação para ela seguir adiante. Quando todo a gente aprovou a ordem, os blocos que estavam espalhados juntam-se no fim da cadeia e concluem a operação que chega à outra ponta aprovada por uma rede que é muito segura porque é totalmente “descentralizada”. Teoricamente, uma pessoa sozinha não conseguirá defraudar essa operação porque todos os outros muitos validadores virtuais disseram que estava tudo certo. E cada validador vê só um pedacinho da operação.

Esse pedacinho não é capaz de invalidar o todo, entendeu?!

A tecnologia que está por detrás do Drex não é o blockchain, mas funciona de uma forma muito parecida. É por isso que há quem diga que esse processo é “à prova de hackers”. Hoje, quem faz a validação dessas operações de transferência, por exemplo, são os próprios bancos. Com a nova tecnologia, essa função deles meio que perderia o sentido.

E há outra possibilidade bacana nessa história, que são os contratos inteligentes – como funcionam eles? Eu vendo um carro ou uma casa e, eletronicamente, só liberto o dinheiro para o vendedor no momento em que o bem estiver no meu nome. Tudo automático, sem ninguém ter de “confiar” em ninguém. Muito mais justo, não é?!

Há mais detalhes nessa história, mas, grosso modo, esse é o ponto principal que, em muitas discussões, eu sinto que está a passar um pouco despercebido. O Drex é uma grande ideia! E quanto mais a gente entender o porquê disso, melhor para toda a gente. Por mais que ache pouco inteligente, a gente pode até continuar a chamar de “Real digital”, tranquilo. Mas desde que a gente entenda que “ser digital” não é necessariamente o mais importante dessa história!

Saiba mais na CNN Brasil: Drex: entenda o que é o real digital, as diferenças com as criptos e qual a sua utilidade

Dinheiro

Mais Dinheiro

Patrocinados