Ai que prazer, ter um jogo para vencer e não o fazer?

28 jan 2018, 16:19
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artigo original: 26-01-2018 10:18

Há poucas coisas tão menosprezadas na língua portuguesa quanto a palavra prazer.

Desde que Fernando Pessoa escreveu ai que prazer, ter um livro para ler e não o fazer, adiantando que ler é uma maçada e estudar é nada, que a palavra se tornou depreciada.

Fortemente depreciada.

Se o leitor reparar bem, a palavra prazer só se usa atualmente em dois contextos.

Quando se conhece alguém, por exemplo.

«Engenheiro Lopes? Boa tarde. Eu sou o Carlos Santos e sou aqui o chefe de obra.» Ao que o engenheiro Lopes responde: «Carlos Santos, não é? Muito prazer. Então explique-me lá o que estamos a fazer aqui.»

Ou então quando se faz um elogio à preguiça.

«A mim nada me dá tanto prazer quanto ficar na cama até as dez horas da manhã», diz um, enquanto o outro responde logo. «Eu gosto mesmo é de ficar a tarde toda na ronha no sofá. Dá-me um prazer do caraças.»

O prazer é a melhor de todas as coisas e, incompreensivelmente, só a associamos a não fazer nada. Já ninguém tem prazer em construir, em amar, em rir à gargalhada, em escrever, em levantar o rabinho do sofá e deitar mãos à obra. Em fazer acontecer, no fundo.

Já não nos apraz fazer nada. Já ninguém conjuga o verbo aprazer, aliás.

As pessoas gostam, apaixonam-se e amam, mas não aprazem. E assim, dia após dia, a palavra prazer cai em desuso, como se fosse uma coisa menor.

Não é.

O prazer é o que nos move. É no fundo o que nos faz sentir aqueles momentos de felicidade, que chegam e passam, mas que valem por uma vida inteira.

O prazer, meus caros, é essencial.

Vem esta conversa a propósito do Belenenses, de Silas. Só ainda fez um jogo, o que torna prematuro qualquer conclusão definitiva, mas há algo que salta logo à vista: o prazer daquela equipa em jogar futebol.

O Belenenses de Silas, como o Rio Ave de Miguel Cardoso ou o Desp. Chaves de Luís Castro, parece uma equipa de princípios nobres: posse de bola, saídas construídas a partir de trás, variações rápidas de flanco, pressão na recuperação da bola.

Na estreia dominou por completo o Marítimo nos Barreiros: houve momentos até em que deu um banho de bola. Teve mais oportunidades de golo do que adversário e arrancou um empate.

Para início de conversa não está nada mal. Até porque a tendência é melhorar: a equipa está ainda a tentar mudar a própria essência, pelo que cometeu erros que no futuro pode corrigir.

O que salta à vista no Belenenses, como já tinha saltado em Vila do Conde ou em Chaves, é que os jogadores subiram imediatamente de produção. Soltaram-se, galvanizaram-se, motivaram-se.

O que é normal.

Nenhum jogador pode ter prazer em correr atrás do adversário, em mandar chutões para a frente, em passar noventa minutos em lutas corpo a corpo, a tentar ganhar a segunda bola. O futebol não é bem isso: os encontrões e repelões, tal como correr atrás do adversário, devia ser uma exceção: não a regra. Não peçam, portanto, aos jogadores para se sentirem motivados a fazer este futebol.

Ter a bola no pé, construir a partir de trás, arquitetar uma jogada com princípio, meio e fim é outra coisa. Um treinador que pensa assim, está a dar uma prova de confiança aos seus jogadores.

Está a dizer-lhes que eles conseguem mais, que eles são melhores, que eles não podem ganhar só no sofrimento. Está a motivá-los, no fundo. Está a passar-lhes que eles são muito bons, por isso só têm de ir lá dentro e divertirem-se.

Os jogadores sentem-se valorizados e acreditam que são melhores do que porventura até serão. E este é um excelente princípio para ganhar mais vezes: retirar o melhor dos jogadores.

O prazer, meus caros, é fundamental: para quem joga e para quem só vê.

Porque ao contrário do que Fernando Pessoa diria, não pode haver prazer em ter um jogo para vencer e não o fazer.

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias

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