Porque é que a “biologia da ressurreição” está a ganhar tração em todo o mundo

CNN , Katie Hunt
8 abr, 09:00
Vírus antigo do pergelissolo isolado por cientistas

A biologia da ressurreição – que tenta trazer de volta à vida cadeias de moléculas e organismos mais complexos – está a ganhar tração em laboratórios de todo o mundo.

O trabalho está muito longe dos dinossauros geneticamente modificados que conseguem escapar no blockbuster “Jurassic Park”, ainda que para alguns cientistas o objetivo final seja reverter a extinção e ressuscitar animais e plantas que já foram perdidos.

Outros investigadores estão a olhar para o passado em busca de novas fontes de medicamentos ou para soar alarmes quanto à possibilidade de patógenos há muito inativos. Este campo de estudo também pretende recriar elementos da história humana na tentativa de melhor entender como é que os nossos antepassados poderão ter vivido e morrido.

Aqui estão quatro projetos de investigação fascinantes deste campo emergente que foi lançado ou que conquistou progressos significativos em 2023.

Reavivar vírus “zombies”

As temperaturas a aquecer no Ártico estão a descongelar o pergilissolo da região – uma camada gélida do solo sob a superfície – e potencialmente a pôr a mexer vírus que, após terem estado adormecidos durante dezenas de milhares de anos, podem pôr em risco a saúde animal e humana.

Jean-Michel Claverie, um professor emérito de medicina e genómica na Escola de Medicina da Universidade Aix-Marseille, em França, está a tentar compreender melhor os riscos representados pelo que descreve como “vírus zombies” ao ressuscitar vírus de amostras terrestres da Sibéria.

Núcleos da terra perfurados no pergelissolo da Sibéria foram analisados para detetar vírus congelados (Jean-Michel Claverie/IGS/CNRS-AM)

Claveria encontrou uma forma de reavivar um vírus em 2014 que ele e a sua equipa isolaram do pergelissolo, tornando-o infeccioso pela primeira vez em 30 mil anos ao inseri-lo em células de cultura. Na sua mais recente investigação, publicada em fevereiro, Claverie e a sua equipa isolaram várias estirpes do vírus antigo a partir de múltiplas amostras da terra que representavam cinco novas famílias de vírus. Por questões de segurança, optou por estudar um vírus que apenas tem a capacidade de afetar amebas de célula única, mas não animais nem humanos.

O mais antigo tinha quase 48.500 anos, com base na datação do solo por radiocarbono, e veio de uma antiga amostra terrestre retirada de um lago do subsolo 16 metros abaixo da superfície. As amostras mais jovens, encontradas nos conteúdos estomacais e na parede do estômago dos restos mortais de um mamute-lanoso, tinham 27 mil anos.

O facto de aqueles vírus que afetam amebas continuarem infecciosos tanto tempo depois é um sinal de uma séria potencial ameaça à saúde pública, diz Claverie.

“Vemos estes vírus que infetam amebas como substitutos de todos os outros possíveis vírus que podem estar no pergilissolo”, disse Claverie à CNN no início do ano.

“O nosso raciocínio é o de que, se vírus que infetam amebas ainda estão vivos, então não há qualquer motivo para outros vírus não estarem também vivos, e com capacidade de infetar os seus próprios hospedeiros.”

Caça por novos antibióticos remonta à idade do gelo

Para o pioneiro de bioengenharia César de la Fuente, professor assistente presidencial na Universidade da Pensilvânia (UPenn), o passado é uma fonte de oportunidades que abriu uma nova frente na luta contra superbactérias resistentes a medicamentos.

Os avanços na recuperação de ADN antigo de fósseis significam que livrarias detalhadas de informação genética sobre parentes dos humanos já extintos e animais há muito perdidos estão agora disponíveis publicamente.

O grupo de biologia mecânica que lidera na UPenn usa soluções computacionais baseadas em inteligência para extrair esta informação genética e identificar pequenas proteínas, ou péptidos, moléculas que ele acredita que contêm poderes de combate a bactérias. Ele descobriu compostos promissores de criaturas da idade do gelo e dos Neandertais, como o mamute-lanoso e a preguiça gigante.

Moléculas antigas, incluindo de parentes extintos dos humanos como os Neandertais, podem oferecer uma esperança no combate a superbactérias (Mike Kemp/In Pictures/Getty Images)

“Permitiu-nos descobrir novas sequências, novos tipos de moléculas que não tínhamos descoberto anteriormente em organismos vivos, expandindo a forma como pensamos sobre a diversidade molecular”, disse De la Fuente. “As bactérias de hoje nunca se confrontaram com aquelas moléculas, pelo que isto pode representar uma oportunidade melhor de atacar os patógenos que são problemáticos atualmente.”

A maioria dos antibióticos vem de bactérias e fungos e foi descoberta através de uma seleção de microrganismos que vivem no solo. Mas em décadas recentes, os patógenos tornaram-se resistentes a muitos medicamentos face ao seu uso excessivo de forma generalizada.

Apesar de a abordagem de De La Fuente ser pouco ortodoxa, a urgência em identificar possíveis candidatos nunca foi tão grande à medida que a população global enfrenta quase 5 milhões de mortes a cada ano associadas à resistência microbial, como indica a Organização Mundial da Saúde.

Rastreando a ressurreição do dodo, do mamute-lanoso e do tigre da Tasmânia

As extinções estão a acontecer a um ritmo cada vez mais rápido. Para alguns cientistas, o caminho para estancar esta perda pode estar em tentar ressuscitar criaturas perdidas do passado.

A startup de biotecnologia e engenharia genética Colossal Biosciences anunciou em janeiro que quer trazer de volta o dodo – um pássaro de aspeto estranho que não voa e que viveu nas Ilhas Maurícias, no Oceano Índia, até ao final do século XVII – e reintroduzi-lo no seu, em tempos, habitat nativo.

O dodo é uma de várias criaturas extintas que a Colossal Biosciences está a tentar ressuscitar (Ranjith Jayasena)

A empresa está a trabalhar noutros projetos igualmente ambiciosos que vão incorporar avanços na sequenciação de ADN antigo, na tecnologia de edição genética e na biologia sintética para trazer de volta o mamute-lanoso e o tilacino, ou tigre da Tasmânia.

Os geneticistas da Colossal Biosciences descobriram células que atuam como precursoras de ovários ou testículos no pombo-de-nicobar, o parente vivo mais próximo do dodo, que conseguem desenvolver-se com sucesso num embrião de galinha. Os cientistas estão agora a investigar se estas células – chamadas células primordiais, ou PGCs – podem ser transformadas em esperma e óvulos.

A empresa planeia comparar os genomas do dodo e do solitário-de-rodrigues, um pássaro extinto muito próximo do dodo, para identificar de que forma diferem um do outro. Depois vão editar as PGCs do pombo-de-nicobar para que expresse as características físicas de um dodo.

As células editadas serão posteriormente inseridas em embriões de uma galinha e de um galo estéreis. Com a introdução das PGCs editadas, a galinha e o galo serão capazes de se reproduzir e, em teoria, a sua descendência irá assemelhar-se ao dodo graças ao ADN hibridizado de pombo nos seus sistemas reprodutores.

“Fisicamente, o dodo restaurado será indiscernível do que sabemos que era a aparência dos dodos”, disse Matt James, que chefia a investigação animal na Colossal Biosciences, à CNN num email enviado em novembro.

Mesmo que os investigadores tenham sucesso neste empreendimento de alto risco, não vão estar a produzir uma cópia de carbono do dodo que viveu há quatro séculos mas, em vez disso, uma forma híbrida alterada.

A Colossal Biosciences fez uma parceria com a Fundação de Vida Selvagem das Maurícias para conduzir um estudo de viabilidade que permita avaliar a melhor localização para as aves caso a experiência tenha sucesso. Contudo, encontrar-lhes um lar poderá provar-se desafiante.

A República das Ilhas Maurícias é relativamente pequena e mudou significativamente desde que o dodo foi extinto.

“Apesar de ser um dos mais famosos pássaros do mundo, continuamos a não saber praticamente nada sobre o dodo, portanto é impossível saber como interagia com o seu ambiente”, diz Julian Hume, paleontólogo de aves e investigador associado do Museu de História Natural de Londres, que estudou o pássaro.

“Dada a complexidade de recriar uma espécie a partir de ADN, mesmo que seja possível só pode resultar numa criatura semelhante ao dodo. Serão depois necessários anos de reprodução seletiva para melhorar o pequeno pombo e transformá-lo num grande pássaro que não voa. Note-se que a natureza levou milhões de anos para que isto acontecesse com o dodo”, acrescenta.

A que cheiravam as múmias egípcias

Um dos dois frascos canópicos que integram a coleção do Museu August Kestner em Hanover, na Alemanha, em tempos contiveram resquícios da antiga nobre egípcia Senetnay (Christian Tepper/Museu August Kestner)

Quem visita o Museu Moersgaard da Dinamarca pode cheirar o aroma de um bálsamo de mumificação egípcio usado pela última vez há 3.500 anos.

O cheiro evocativo foi recriado a partir de ingredientes identificados num estudo de resíduos de dois frascos canópicos encontrados no Vale dos Reis, no Egito, em 1900. Os dois frascos contiveram em tempos os resquícios de uma antiga mulher egípcia da nobreza conhecida como Senetnay.

As receitas exatas usadas no processo de mumificação são alvo de debate há muito, porque os textos antigos do Egito não identificam os ingredientes precisos.

A investigação, liderada por Barbara Huber, uma investigadora e doutoranda em química arqueológica no Instituto Max Planck de Geoantropologia na Alemanha, identificou os ingredientes do bálsamo através de uma série de técnicas analíticas altamente avançadas.

Ela descobriu que os bálsamos continham cera de abelha, óleos de plantas, gorduras de animais, resinas e betume, um produto petrolífero ocorrido naturalmente. Compostos como a cumarina e o ácido benzóico também foram detetados. A cumarina, que tem um aroma a baunilha, é encontrado em plantas de ervilha e na canela, ao passo que o ácido benzóico ocorre em resinas e gomas de árvores e arbustos.

Os bálsamos dos dois frascos diferem ligeiramente, o que significa que diferentes ingredientes poderão ter sido usados consoante o órgão que estava a ser preservado.

No frasco usado para armazenar os pulmões de Senetnay, os investigadores detectaram resinas fragrantes de lariços e algo que tanto pode ser dammar de árvores encontradas na Índia e no Sudeste Asiático ou resina de árvores Pistacia que pertencem à família dos cajus.

“A presença de uma gama tão vasta de ingredientes, incluindo substâncias exóticas como o dammar ou a resina da árvore Pistacia, indica que materiais extremamente raros e caros foram usados para a embalsamar”, disse Hubber à CNN quando a investigação foi publicada em agosto. “Isto aponta para o estatuto excecional de Senetnay na sociedade.”

O aroma foi depois recriado com a ajuda da perfumista francesa Carole Calvez e da museóloga sensorial Sofia Collette Ehrich.

“Da primeira vez que me deparei com o aroma, foi uma experiência profunda e quase surreal”, disse Huber.

“Após ter passado tanto tempo imersa em investigações e análises, finalmente ter uma conexão aromática tangível ao mundo antigo foi comovente. Foi como segurar um eco leve eco do passado.”

Ashley Strickland e Tom Page da CNN contribuíram para este artigo

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