Quatro crianças continuam desaparecidas na selva colombiana. Uma desgraça que é apenas a última de uma longa lista de acidentes aéreos na Amazónia

CNN , Stefano Pozzebon
31 mai 2023, 10:17
A Colômbia continua à procura de um sinal de vida das quatro crianças indígenas desaparecidas num acidente de avião na floresta da Amazónia. Foto: Gabinete de Imprensa das Forças Armadas Colombianas/AP

Os pilotos que trabalham na região têm de enfrentar aviões envelhecidos e um terreno selvagem

"Não estávamos no ar há mais de 30 segundos... de repente, o motor começou a tossir. Podíamos ver a hélice a abrandar e o avião a perder altitude", diz Diego Londoño, um homem de 30 anos da remota cidade amazónica colombiana de Mitú, que estava a voar da sua cidade natal para San Jose del Guaviare há três meses quando o avião perdeu subitamente a potência em pleno voo. 

"Foi tudo muito rápido, e numa questão de minutos estávamos de volta ao solo e nada aconteceu", continua ele – despachando o perigo por que passou como se fosse uma ocurrência normal para qualquer viajante da zona. 

Embora o acidente deste ano não tenha sido grave – a tripulação e os passageiros puderam retomar o voo após uma verificação no motor – Londoño diz que esteve envolvido num acidente mais grave em 2019, quando o avião de carga em que viajava aterrou de emergência pouco depois de descolar de San Jose del Guaviare, causando-lhe ferimentos ligeiros quando a carga caiu em cima dele. 

"Isso aqui acontece a toda a hora", diz. 

Enquanto a Colômbia espera por um sinal de vida das quatro crianças indígenas que desapareceram na selva após a queda de um avião no dia 1 de Maio, surgem acusações de que os incidentes perigosos com voos são demasiado comuns na Amazónia remota – uma região onde as viagens aéreas são frequentemente a única ligação entre centros populacionais. 

Os três adultos a bordo, incluindo o piloto e a mãe das crianças, Magdalena Mucutuy, morreram no acidente. Mas apenas foram encontrados vestígios das crianças nas florestas circundantes: um biberão, um abrigo improvisado, uma fralda suja e até o que pareciam ser pequenas pegadas. 

Estas descobertas alimentaram a esperança de que Lesly Jacobombaire Mucutuy, de 13 anos, Soleiny Jacobombaire Mucutuy, de 9, Tien Ranoque Mucutuy, de 4, e a bebé Cristin Ranoque Mucutuy tenham sobrevivido. No entanto, as buscas efetuadas em massa por centenas de soldados e batedores indígenas têm sido infrutíferas até agora, mais de quatro semanas após o acidente. 

Os defensores dos indígenas afirmam que a tragédia é resultado da negligência governamental. Após a notícia do acidente, a Organização dos Povos Indígenas da Amazónia Colombiana emitiu um comunicado acusando Bogotá de não controlar as verificações e protocolos de segurança dos aviões na região. O presidente da organização, Julio Cesar Lopez, disse à CNN que espera que uma investigação do congresso evite tragédias futuras. 

Aviões velhos e terreno selvagem 

Os céus da Amazónia já foram palco de muitos acidentes. Dos 641 acidentes registados pela autoridade colombiana da aviação civil desde 1996, 56, ou seja, 8,74% do total, ocorreram na região amazónica, apesar de menos de 2% da população colombiana viver na região. 

A história de Londoño, no início deste ano, não passou de um pequeno soluço na montanha-russa que é a aviação na Amazónia, não entra nas estatísticas. 

Segundo os especialistas, os pilotos que trabalham na região têm de enfrentar aviões envelhecidos e um terreno selvagem. 

"Esta é uma fábrica de pilotos muito bons: se voas aqui, deves ser muito bom", diz José Miguel Calderón, um piloto de voos charter em Mitú que voa regularmente em Cessnas monomotores como o que se despenhou com as quatro crianças. 

Calderon rejeita a ideia de que o seu trabalho seja particularmente arriscado, mas admite que voar na Amazónia colombiana não é para os fracos de coração. O aeroporto de Mitú é a única pista pavimentada numa área maior do que a Suíça, e a definição de Calderon de um bom lugar para aterrar é qualquer abertura na vegetação que esteja suficientemente seca para não prender as rodas do motor na lama.

Soldados junto aos restos do avião onde as crianças viajavam. Foto: Forças Militares Colombianas/Reuters

Os próprios aviões são muitas vezes do tipo mais antigo. O 206 que se despenhou com as crianças tinha mais de 40 anos, mas algumas das aeronaves ainda utilizadas na Amazónia podem ter até 80 anos, segundo Calderon. 

"A legislação colombiana não estabelece uma idade máxima para as aeronaves que operam no país, desde que cumpram todos os protocolos de manutenção", afirmou a autoridade de aviação civil da Colômbia num comunicado para a CNN. "Além disso, este tipo de aviões mais antigos são muitas vezes os mais aptos para operar nas infraestruturas limitadas dos aeródromos da Amazónia colombiana. A instituição está ciente destas situações e divulga um programa de segurança para mitigar os riscos relacionados com o voo em aeronaves mais antigas." 

Mas mesmo quando o piloto consegue levantar o velho avião da estrada de terra usada como pista, a navegação pode ser um desafio. "Não temos cruise control, nem qualquer tipo de computador; por vezes, tudo o que se vê é apenas o azul do céu e o verde da floresta", diz Calderon. 

Os pilotos têm rádios de onda longa ou sistemas de GPS, mas o resto é deixado à intuição e à experiência dos pilotos locais, que muitas vezes viajam sem comunicações durante uma grande parte da sua rota – um problema que as equipas militares de salvamento que atualmente vasculham a floresta à procura das crianças desaparecidas também enfrentaram.

Uma enorme operação continua a decorrer para encontrar as crianças desaparecidas. Foto: Forças Militares Colombianas/Reuters

"A cerca de 80-100 quilómetros a sul de San Jose del Guaviare perdemos o contacto com a base", diz o Major Juan Valencia, um piloto de helicópteros Blackhawk, que tem voado como parte da missão de busca e salvamento para localizar as crianças desaparecidas. 

"O principal risco para mim é que não se pode aterrar de emergência", diz Valencia à CNN. Enquanto na maior parte do mundo é sempre possível encontrar uma faixa plana e clara para aterrar um avião danificado, como uma autoestrada ou um campo rural, a floresta tropical é muitas vezes tão densa que os pilotos que efetuam aterragens de emergência na área têm de tentar uma espécie de queda controlada no topo da cobertura das árvores. 

O mesmo avião que transportava as quatro crianças já tinha tido um acidente dois anos antes, em 2021, devido a uma avaria no motor. Teve de realizar uma aterragem de emergência controlada, causando danos consideráveis na hélice, no motor e numa asa. 

Depois de reparado, o avião voltou a cair no dia 1.º de maio em circunstâncias semelhantes, numa rota sem boas opções de aterragem de emergência. 

"Na rota de Araracuara para San Jose del Guaviare que este avião estava a percorrer,240 dos 354 quilómetros da rota são apenas floresta... Quando aconteceu uma emergência, o piloto não teve para onde ir", diz Valencia. 

"É caótico, perigoso" 

Infelizmente, apesar dos riscos consideráveis de voar na Amazónia, as viagens aéreas são muitas vezes a única forma de se deslocar, uma vez que poucas estradas atravessam a selva e os cursos de água são ainda mais perigosos. A maior parte das povoações da região só está acessível de avião. 

A pequena comunidade amazónica de Tapurucuara, por exemplo, fica a cerca de 20 quilómetros de Mitú. Não há estradas que liguem as duas povoações, de modo que deslocar-se de uma para a outra requer uma caminhada de 8 horas por caminhos na floresta que muitas vezes estão debaixo de água, ou um voo de sete minutos, de acordo com Londoño e Calderon. 

Só é possível chegar a Mitù por via aérea ou numa viagem de barco de três semanas a partir de Calamar, a pequena povoação no fim da única estrada que liga a floresta amazónica ao centro da Colômbia.

Os céus da floresta da Amazónia já testemunharam bastantes acidentes. Foto: Guillermo Legaria/AFP/Getty Images

"Historicamente, a Amazónia não fazia parte da agenda dos governos colombianos", diz Nelly Kuiru, uma ativista indígena e realizadora de documentários de La Chorrera, outra povoação indígena no meio da floresta. 

La Chorrera assistiu a um boom económico impulsionado pela indústria da borracha no início do século XX, mas a onda baixou com a disseminação da borracha sintética durante a Segunda Guerra Mundial. A população local vive da caça, da pesca e da agricultura de subsistência, e os planos para impulsionar a economia local com o ecoturismo têm sido dificultados pela falta de ligações; só se chega a La Chorrera com um voo comercial de 15 em 15 dias. 

Kuiru também sentiu o perigo quando viajou na Amazónia. "É caótico, perigoso. Uma vez, estava a levar um amigo europeu a La Chorrera e o avião em que viajávamos tinha a porta fechada por dentro com uma corda porque a fechadura estava danificada... o meu amigo não podia acreditar!", recorda à CNN. 

Em declarações à CNN, as autoridades colombianas da aviação civil reconheceram que as viagens aéreas na Amazónia são mais arriscadas do que noutras regiões do país, devido à falta de manutenção e à idade da frota. A instituição disse que está a dar prioridade à reestruturação dos aeroportos em vez de rejuvenescer a frota. 

Este ano, o governo colombiano orçou o equivalente a mais 186 milhões de euros para melhorar os aeroportos da região amazónica nos próximos 30 anos e abrir oito novas rotas de voos comerciais na zona. 

O Presidente Gustavo Petro, o primeiro presidente progressista da Colômbia e um ambientalista declarado, fez da proteção e do desenvolvimento da Amazónia uma prioridade do seu governo. No início deste mês, o Ministério dos Negócios Estrangeiros colombiano informou que o Reino Unido tinha concordado em contribuir com 13 milhões de libras (15 milhões de euros) para combater a desflorestação na Amazónia colombiana. 

Mas Kuiru acredita que o aumento do financiamento também traz os seus próprios riscos, se não for gerido corretamente. Ela gostaria que fossem disponibilizados mais recursos para projetos apresentados pelas comunidades indígenas, em vez de fundos ambientais grandiosos sobre os quais as populações locais que vivem na Amazónia têm pouco controlo. 

Por enquanto, porém, o foco de Kuiru está firmemente voltado para as quatro crianças desaparecidas e os três adultos que morreram no acidente. Um deles, Herman Mendoza, era seu conhecido, o que só aumenta ainda mais a determinação para exigir mudanças no transporte da região.  

"Esta tragédia precisa de enviar uma mensagem", diz ela à CNN. "Não podemos deixar que a morte deles fique impune."

Relacionados

Mundo

Mais Mundo

Patrocinados