No Mês da Consciencialização do Autismo, a CNN entrevista um especialista que explica como a capacidade de reconhecer e diagnosticar precocemente o autismo está a melhorar drasticamente.
Alguns indivíduos com autismo têm desafios ao processamento de sentidos. Outros têm dificuldade em comunicar. Outros ainda podem ter dificuldade em socializar, pensar, movimentarem-se fisicamente ou simplesmente em viver o dia-a-dia.
As pessoas com autismo têm as suas próprias formas de interagir com o mundo, porque o autismo é uma deficiência de desenvolvimento que afeta todos aqueles que o têm de forma um pouco diferente, segundo Daniel Geschwind, distinto professor de Genética Humana, Neurologia e Psiquiatria Gordon e Virginia Macdonald, na UCLA, nos Estados Unidos.
Geschwind passou 25 anos a estudar o autismo e as suas causas. Para assinalar o Mês da Consciencialização do Autismo, a CNN conversou com ele sobre o que é o autismo e o que o provoca.
(Esta conversa foi ligeiramente editada e condensada para maior clareza.)
O que é o autismo?
O autismo refere-se a uma vasta gama de condições caracterizadas por desafios com capacidades sociais e com comportamentos sociais, repetitivos e de comunicação, resistência a mudanças na rotina ou interesses restritos. Prefiro chamar-lhe “os Autismos", porque não é uma coisa, e não há duas crianças ou adultos autistas que sejam exatamente iguais, embora possam partilhar características básicas. Pessoas com autismo podem também ter alguns problemas de integração sensorial-motora, especialmente hipersensibilidade sensorial.
Quão prevalecente é o autismo hoje?
Ele não é raro. As estatísticas mais recentes (dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA) saíram em março, recolheram dados de 11 locais (nos Estados Unidos) e reportaram que 1 em cada 36 crianças é autista. O estudo anterior estimava cerca de 1 em 40. Há cerca de 10 anos, a taxa de autismo era de 1 em 100, ou mesmo inferior.
Seria fácil olhar para esta tendência e dizer que o autismo está a aumentar, mas não é realmente isso que está a acontecer. Os dados mais recentes refletem sim que a nossa capacidade de reconhecer o autismo e de o diagnosticar precocemente melhorou drasticamente. Somos agora capazes de diagnosticar pessoas com autismo que antes podiam cair nas lacunas [de diagnóstico].
Toda a gente é, até certo ponto, neurodivergente. Por exemplo, se olharmos para um simples teste de QI, uma porção substancial de pessoas terá um desempenho muito mau num item específico. Isso não significa que tenham problemas - significa apenas que todos nós temos pontos fortes e fracos.
Se eu estiver a ser testado sobre capacidades artísticas, por exemplo, ou capacidades de engenharia, eu estarei muito abaixo do que é chamado típico. Penso que temos de aceitar que a inteligência não é só uma coisa, que a cognição não é só uma coisa, que não há apenas uma maneira de nos comportarmos.
O que significa quando as pessoas descrevem alguns como estando “no espectro”?
Há cerca de uma década, o termo “Perturbação do Espectro do Autismo” (PEA) foi adotado para englobar numa só rubrica tudo aquilo a que chamávamos autismo. A intenção era simplesmente descrever a variabilidade na forma como as pessoas com autismo agem e se comportam biomedicamente. Há alguns indivíduos autistas que apenas precisam de acomodações e não precisam de tratamento. Outros indivíduos autistas precisam de muito tratamento. O espectro destinava-se a incluí-los a todos.
Ao longo do tempo, as pessoas não-autistas começaram a referir-se ao espectro de uma forma linear: alto a baixo. Isto significa que alguns indivíduos autistas foram classificados como “de alto-funcionamento”, enquanto outros foram classificados como “de baixo-funcionamento”. Para muitos, a noção de um espectro é agora um termo com muito peso. Muitos acreditam que, em vez de falar do autismo de forma linear, deveríamos falar dele como uma roda ou “queijo”, onde cada fatia representa uma característica diferente e cada indivíduo tem forças e fraquezas diferentes.
Há cura para o autismo?
Não há cura. Ao mesmo tempo, chegámos muito longe na compreensão do que é o autismo, e estamos a fazer progressos na forma de o tratar. Quando comecei a investigar o autismo há 25 anos, a taxa de autismo era de 1 em 1.000 ou 1 em 2.000. Para o colocar numa perspetiva histórica mais profunda, penso que nessa altura havia apenas cerca de 10 milhões de dólares por ano ou menos em investigação sobre o autismo que estava a ser feita e que era financiada (pelos Institutos Nacionais de Saúde norte-americanos). E assim, havia uma enorme desconexão entre os dólares da investigação, a consciência pública e as necessidades reais dos pacientes e das famílias.
A noção do termo “curar” o autismo pode ser controversa. Na minha perspetiva, o nosso verdadeiro objetivo é estabelecer uma espécie de medicina personalizada, ou saúde de precisão, no autismo e outras perturbações neuropsiquiátricas, para que cada pessoa autista seja vista como o indivíduo que é. Prevemos um mundo onde os indivíduos que são gravemente afetados pelo autismo têm a oportunidade de obter terapia e medicamentos que os podem ajudar - e aqueles para quem uma terapia não se justifica ou que não a querem terão também oportunidades de viver a vida da forma que desejam. A autonomia do paciente e a acomodação social são aspetos importantes quando se consideram estas questões.
O que causa o autismo?
Quase todas as condições médicas têm componentes tanto genéticas como ambientais. No autismo, parece que a hereditariedade é muito elevada. O grande estudo mais recente sugeriu que os fatores genéticos hereditários - as coisas que se obtêm dos pais que eles têm no seu ADN - andam provavelmente à volta dos 80% ou ligeiramente mais.
Isso deixa 20% que não são hereditários, e disso sabemos que pelo menos 10% do autismo é causado por mutações raras que não são herdadas. Isso soa como um paradoxo, mas não é. Se pensarmos na síndrome de Down, essa é uma mutação genética que os pais não têm no seu ADN. A isso chama-se uma nova mutação.
Pode-se calcular uma pontuação de risco para ter autismo com base na genética, (mas) neste momento, a pontuação de risco para o autismo não é preditiva porque não fizemos investigação suficiente. Para outras condições, como cardiovascular ou certos cancros, os “scores” (pontuação) de risco são muito preditivos porque já foram estudadas muitas pessoas.
Mesmo assim, esta pontuação de risco para o autismo está fortemente correlacionada com um elevado nível de instrução ou um QI elevado, o que mais uma vez releva dos pontos fortes associados a ser autista e sublinha que precisamos de estar mais conscientes dos pontos fortes que os indivíduos autistas também podem ter para otimizar as suas oportunidades de atingir os seus objetivos ou contribuir para a sociedade.
Há também vários fatores ambientais que demonstraram aumentar o risco de autismo. Um deles é a exposição materna ao valproato, um medicamento anti-epilepsia. Existem várias infeções virais maternas que têm sido associadas ao autismo. E duas outras coisas: o intervalo entre partos - quão rapidamente após um nascimento uma mãe tem outro filho - e a idade do pai. O pensamento sobre o último ponto é que à medida que um homem envelhece, os seus mecanismos de reparação do ADN são talvez menos ativos, e há mutações mais frequentes no esperma.
Um ponto-chave é que todos estes fatores ambientais conhecidos atuam pre-natalmente, pelo que na maioria dos casos a tendência para estar no espectro é algo com que os indivíduos nascem.
Em que medida é que a investigação desmistificou a noção controversa de que as vacinas podem causar autismo?
A noção de que as vacinas podem causar autismo tem sido inteiramente (desmentida). Tem havido dezenas de estudos, utilizando metodologias muito diferentes. Não há absolutamente nenhuma evidência de que as vacinas causem autismo, e tem havido muito mais males do que bens feitos pelos autores dessa ficção.
Como é que se trata o autismo?
É imperativo ter um diagnóstico precoce, porque sabemos que a identificação precoce e a intervenção precoce com terapias comportamentais pode ser eficaz em até 50% das crianças. Algumas crianças responderão tão bem que será muito difícil fazer um diagnóstico de autismo aos 9 anos de idade se a terapia for iniciada suficientemente cedo.
O problema é que para muitos indivíduos autistas, as terapias atuais não são assim tão eficazes. Há muito trabalho a ser feito para desenvolver terapias cognitivas comportamentais mais eficazes, descobrindo qual a melhor terapia para cada criança. Há também trabalho a ser feito para desenvolver medicamentos que podem ser úteis para tratar certos sintomas, tais como comportamento ameaçador, comportamento repetitivo ou dificuldade com mudanças nas rotinas.
Os meus colegas e eu queremos usar o tratamento para aumentar e melhorar os sintomas das pessoas, não para mudar quem elas são fundamentalmente. Acreditamos firmemente na autonomia de cada indivíduo. Acreditamos também na medicina personalizada, para que não seja de “tamanho único”. Haverá alguns pacientes em que estamos a tentar corrigir uma mutação genética grave que tem consequências profundas, e haverá outros que necessitarão apenas de um punhado de acomodações, tal como nós providenciamos para pessoas que necessitam de cadeiras de rodas.
Em que se concentrará a sua investigação a seguir?
Há duas fronteiras básicas na minha investigação. Uma reconhece que a maior parte do trabalho em doenças neuropsiquiátricas e autismo tem sido feito principalmente em populações europeias brancas e centra-se numa necessidade premente de estudar populações diversas. Há cerca de sete ou oito anos, comecei a trabalhar com comunidades afroamericanas porque certos aspetos da genética são específicos da população, e nós, como investigadores, precisamos de compreender isso.
A fronteira que é transversal a tudo isto é que precisamos de ser capazes de passar da genética numa população para a genética num indivíduo, para que, olhando para a composição genética de alguém, possamos compreender o mecanismo do seu autismo. Isto é medicina de precisão.
O meu trabalho é tentar compreender como é que variantes genéticas específicas, como mutações, causam impactos no desenvolvimento do cérebro que acabam por levar aos sintomas do autismo. Se eu e os meus colegas conseguirmos compreender esse mecanismo, tal como podemos compreender o mecanismo genético do cancro, poderemos encontrar um medicamento para esse efeito e melhorar esses sintomas ao longo do tempo.
Matt Villano é um escritor e editor com base na Califórnia, EUA. O seu trabalho tem sido publicado e mencionado no The New York Times, CNN e noutros locais. Uma das suas três filhas é autista.