Entre "contradições", PS avança com a sua "primeira medida eleitoral" - eliminar o aumento do IUC

15 nov 2023, 21:00
Protesto contra o IUC (RODRIGO ANTUNES/LUSA)

Economistas, politólogos e ambientalistas sublinham que volte-face dentro do PS se deve à necessidade de segurar votos o mais depressa possível, mas há críticas à justificação dada pelo grupo parlamentar. "Mais valia terem efetivamente dito que foi a contestação social que os fez recuar”

Revela uma “contradição” dentro do Governo e do Partido Socialista (PS) e “prova” como a medida seria “uma forma avulsa de gerar receita”, mas que não “garantia nada” para a luta contra as alterações climáticas”. É esta a análise traçada por especialistas e investigadores em alterações climáticas, políticas públicas e economia à CNN Portugal sobre o recuo na subida do Imposto Único de Circulação (IUC) para automóveis anteriores a 2007. Uma decisão que evita “um grande sarilho social”, como aponta o economista Jorge Bateira, e que a oposição já veio denunciar como manobra eleitoral.

Para a politóloga Paula do Espírito Santo, a reversão do aumento do IUC pode mesmo ser observada como “a primeira medida eleitoral” do PS, tendo em vista a segurança dos votos de grande parte das pessoas que seriam abrangidas pelo aumento desse imposto e que invariavelmente se viriam a sentir penalizadas por uma proposta “socialmente injusta”. “O momento político não é, de todo, indiferente e, para o PS, que se quer manter no poder, há todo o interesse em segurar os votantes que seriam afetados pela subida do IUC”, acrescenta.

No entanto, continua a professora e investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas da Universidade de Lisboa, há uma “clara contradição na justificação ambiental da medida” que, por vir a ser “muito pouco popular e com graves consequências políticas”, é agora descartada. 

Este volte-face na subida do IUC surge depois de, durante a defesa da proposta do Orçamento do Estado, o PS ter sublinhado que a medida “não tem qualquer objetivo de arrecadar receita fiscal para o Estado” e que está focada “num propósito ambiental que pretende corrigir uma assimetria”, como defendeu o secretário-geral adjunto João Torres, no encontro de autarcas socialistas europeus. 

Igualmente, até a Operação Influencer ter levado à demissão de António Costa e ter precipitado o país para uma crise política, tanto o primeiro-ministro, como o ministro das Finanças, Fernando Medina, tinham sido irredutíveis em relação ao aumento da taxa, que viria a representar um saldo orçamental de cerca de 85 milhões de euros só em 2024. “Não se pode ser ambientalista só à segunda, quarta e sexta”, justificou na altura António Costa; “Trata-se de um aumento máximo de 25 euros por ano, são só dois euros por mês, num contexto de aumento da generalidade de rendimentos”, defendeu Medina nas sucessivas rondas de defesa do Orçamento do Estado no parlamento.

Já esta quarta-feira, Eurico Brilhante Dias, líder do grupo parlamentar do PS, viria a anunciar a supressão da proposta de alteração ao IUC, destacando que, por se tratar de uma medida plurianual, não fazia sentido a sua continuidade. “Não é um argumento propriamente credível”,afirma, por sua vez, o economista Ricardo Ferraz, investigador do ISEG e professor na Universidade Lusófona, indicando que há outras medidas plurianuais previstas no Orçamento que não estão em dúvida, como, por exemplo o reforço do IRS jovem nos próximos cinco anos. “Mais valia terem efetivamente dito que foi a contestação social que os fez recuar e considerar que tal medida não fazia sentido”, concretiza.

E a contestação social não parava de subir. Antes do anúncio de Brilhante Dias, uma petição pública contra o aumento do imposto reunia já mais de 400 mil assinantes e, no dia 5 de novembro, Lisboa, Bragança, Braga, Porto, Faro, Évora, Santarém e Castelo Branco foram palco de manifestações contra a polémica medida. “Era previsível que devido às eleições antecipadas, o partido que suporta o governo acabasse por ceder à tentação de retirar medidas impopulares e até propor outras mais populares que terão aprovação garantida, pois não nos podemos esquecer que está em maioria no parlamento", acrescenta o economista.

Protesto contra o aumento do IUC, Lisboa (Rodrigo Antunes/Lusa)

Na mesma linha, o economista Jorge Bateira sublinha que a própria medida gerou desconforto em algumas alas do PS e que, por isso, “em tempos de dificuldade económica, é preferível concentrar esforços noutras áreas”. Se fosse implementada, garante, “iria arranjar um sarilho social por causa de algo com pouco impacto e socialmente injusto”.

Por sua vez, João Joanaz de Melo, engenheiro ambiental, professor na Universidade Nova e investigador em alterações climáticas, sublinha que a forma como o aumento do IUC foi eliminado revela como se tratava, na verdade, de uma “forma avulsa” que tinha “como princípio ganhar receita, mas que não garantia nada em termos de descarbonização”.

“Uma verdadeira medida ambiental”, continua Joanaz de Melo, “tem de garantir que as causas da poluição vão ser de facto reduzidas e a forma como esta estava desenhada não iria nesse sentido, nem indica que a motivação principal fosse o ambiente, porque para que tivesse algum tipo de impacto teria de se dar tempo aos destinatários para se adaptarem à nova realidade e, isto não foi evidente, pelo que só podem encarar a subida do imposto como uma penalização”.

Também Francisco Ferreira, líder da associação ZERO, reforça que o aumento do IUC seria “injusto” e que deve ser encontrada uma solução para o próximo Orçamento do Estado que impeça o risco de Portugal entrar em contraciclo a nível das emissões de gases com efeito estufa. “No futuro, devemos olhar para um imposto que tenha em conta as emissões dos veículos e os quilómetros associados à sua circulação”, propõe.
 

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