Comediante e adepto do Portimonense: «Não vou ver jogos contra estarolas»

19 mar 2020, 00:30

Fora dos palcos, Dário Guerreiro segue o clube algarvio sempre que pode. Subida à I Liga, em 2010, foi a maior alegria. Estava no estádio do rival Farense, na sua bênção das pastas: «Enquanto o padre estava a dizer a missa, eu estava a ouvir o relato na rádio»

«Até ao Fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história para contar. Críticas e sugestões para rjc.externo@mediacapital.pt

Portimão no berço, Portimonense na bancada. Dário Guerreiro tem 30 anos e a adolescência mostrou-lhe que apoiar os alvinegros era o ideal a seguir. Pela cidade. Pelo clube.

Após cursar Ciências Documentais e Editoriais, Dário tornou-se comediante, o Môce dum Cabréste. Entre os palcos, se não tiver espetáculo ao fim de semana, vai ao estádio. Mas não brinca com isto: não vê ao vivo o seu Portimonense contra Benfica, FC Porto ou Sporting.

«Não vou ver jogos contra os estarolas. Nem em casa, nem na casa deles. É pessoal. Fora não vou, porque as receitas de bilheteira são para esses clubes. Não estou disposto a contribuir. Há pessoas que pensam diferente e continuam a garantir presença de adeptos do Portimonense. Ainda bem. Mas do ponto de vista emocional, não estou preparado. Reconheço: é uma fraqueza minha. Admito estar errado. Quanto aos jogos em casa, razão parecida. Não consigo lidar com o facto de as pessoas, na sua própria cidade, torcerem contra o clube que as representa, contra a cidade que as acolheu, que lhes deu trabalho, a saúde e a vida que têm. Se calhar faço mal, mas sou vulnerável a aceitar», afirma.

O reforço da ideia é exposto à luz dos regulamentos e no «manter a sanidade emocional» para evitar «experiências negativas». «Já aconteceu e não foi positivo», lembra.

«Eu gostava que fosse, em Portimão, a mesma coisa que em Guimarães, por exemplo. Que os benfiquistas que vêm a Portimão só conseguissem comprar cinco por cento dos lugares do estádio, porque os outros estão ocupados com os adeptos da casa. Na melhor das hipóteses, há 50/50. De há uns anos para cá, recuso-me a ir ver jogos com os três estarolas, enquanto a população não pensar como eu. É egoísta partirmos do pressuposto, com grande soberba, que as coisas seriam melhores se as pessoas pensassem todas como nós. Mas, neste caso, entendo que seria melhor, até para o próprio Benfica, Sporting, FC Porto e para a qualidade do futebol português. Mas temos de aceitar o nosso papel e o nosso lugar», conclui.

Dário nasceu em junho de 1989. Um ano depois, o Portimonense desceu à II Liga. Só voltou à elite ao fim de 20 anos. «Uma grande travessia no deserto», apelida quem viveu este como o momento que guarda com mais carinho: a primeira subida ao principal campeonato, na sua vida, do clube da sua terra.

Estádio São Luís, 8 de maio de 2010.

Dário estava na casa do grande rival regional, o Farense. Destino ou ironia - ou nada disso - não era para ver futebol. Era dia da bênção das pastas da Universidade do Algarve. Conclusão do curso. Um ouvido ali, outro à escuta num Oliveirense-Portimonense: 30.ª e última jornada da II Liga. No fim, vitória por 1-0 e dupla festa: académica e desportiva.

«Enquanto o padre estava a dizer a missa, eu estava a ouvir o relato na rádio. O golo foi marcado pelo Wilson Eduardo [atual jogador do Sp. Braga]. Esse Wilson já deu uma subida ao Portimonense! Foi espetacular. Era a conclusão do curso, mas é irónico ver que vivi a subida do Portimonense no estádio do principal rival regional. Foi fixe, engraçado», atira.

Filho de um «ferrenho benfiquista» e após alguma influência daí em jovem, Dário definiu o apego clubístico com os anos. Aos «oito, nove», o pai começou a levá-lo a ver o Portimonense, nas tardes de domingo. Aos 17 anos, recebeu da mãe, como prenda, o cartão de sócio. Não mais caducou.

«Fui cada vez mais aproximando o meu coração daquilo que me representa: os meus antepassados, a terra onde nasci, o contexto que fez de mim a pessoa que sou. Mesmo que os jogadores não sejam algarvios, cada vez que o Portimonense entra em campo, é a minha cidade a ser falada, a cultura, o dialeto, a gastronomia, as origens. Até de um ponto de vista quase patriótico, ainda que a um nível mais reduzido, começou a fazer sentido», expõe.

Dário defende que a singularidade e a amplitude, no tempo, dos êxitos de clubes como o Portimonense, ajuda a «conferir, aos adeptos, momentos felizes díspares» da elite nacional.

«Uma manutenção para Sporting, FC Porto ou Benfica, não tem o mesmo significado para uma equipa da dimensão do Portimonense. Nós, humanos, tendemos a desvalorizar vitórias quando começam a ser frequentes e comuns. Começamos a ficar habituados. Daí que os adeptos do Sporting fiquem transtornados quando perdem quatro jogos de seguida, enquanto os adeptos do Portimonense ficam resignados quando estão há dez sem ganhar», explica.

Apesar das duas subidas que já viu à I Liga, há na memória momentos menos bons. Afinal, diz, num clube como o Portimonense, «a gente vive mais de empates e derrotas do que vitórias». Não esquece um Portimonense-Aves em que o então guarda-redes Quim «esteve mais de 20 minutos» a segurar um resultado. Ou a festa da subida que o Desp. Chaves fez no Algarve.

O futebol e o humor: de Jackson a RAP

Nem sempre, mas Dário já recorreu ao Portimonense para fazer a ligação entre o futebol e o humor. Brincou quando Jackson Martínez foi reforço do clube, mas de forma mais séria recorreu a um livro do clube para retratar a história em vídeo.

«Possivelmente, o que mais gostei de fazer e que vai resistir melhor ao tempo. Até do ponto de vista académico. Tudo o resto são bocas e piadas pela incapacidade de o Portimonense conquistar pontos e jogos. Quando faço um vídeo, falo de um tema qualquer. Enquanto estou a explicar um tema, recorro a figuras de estilo, metáforas. Às vezes vou buscar exemplos do meu clube, vou fazendo piadas com o Portimonense. Podia fazer com outro clube. Faço com a minha realidade, porque entendo que é uma forma de manter o clube relevante, ainda que seja a fazer humor com ele. Quando dizemos que não podemos brincar com determinada coisa, estamos a fazer descriminação desse ponto de vista. Não existem vacas sagradas, nem coisas que não mereçam ser escarnecidas», argumenta.

Dário dá o exemplo de Ricardo Araújo Pereira para ilustrar que a convicção clubística não pode nem deve ser mal encarada. É humor.

«Tendencialmente e por muito carisma que o Ricardo Araújo Pereira tenha, sendo um ídolo de muita gente de todos os espectros clubísticos, é óbvio que se calhar os benfiquistas vão sentir uma simpatia reforçada pela ligação que ele tem com o Benfica e essa já não existe em pessoas adeptas do FC Porto e do Sporting, porque ele está ligado emocionalmente com um clube que representa uma espécie de uma ameaça, se quisermos dizer assim. Como eu tenho ligação emocional com o Portimonense, nenhum benfiquista, sportinguista ou portista se sente minimamente ameaçado pelas minhas convicções. Esta parece-me ser a relação. Sai da equação essa situação clubística», remata.

«Enquanto o futebol estiver parado, o Portimonense não está a perder»

A atual paragem no futebol em Portugal, devido à covid-19, mereceu pitada de humor. O Portimonense está em zona de descida. «Para mim são excelentes notícias. Se o futebol estivesse a andar, o Portimonense estava a levar todas as semanas. Enquanto a Liga estiver parada, eu estou feliz», atira, antes da crítica.

«Se isso representar que o campeonato vai ser interrompido, não depende de nós. Facto é que se acontecesse uma desgraça e fosse um dos três a estar na posição do Portimonense, iam inventar, na Liga, uma solução para garantir que nenhum ia descer. Representa, sei lá, interesses económicos que a Liga não pode dispensar. Tendo em conta que é Portimonense, Paços, Aves ou outro qualquer, é óbvio que a Liga se calhar não vai ter as preocupações que devia. Mas qualquer adepto de um clube pequeno já sabe como isto funciona. Fazer o quê, não é?».

Talvez humor.

MAIS «ATÉ AO FIM»

Artigo original: 17-03; 23h50

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