Foi sequestrado em 1985 e só foi libertado em 1991. Morreu Terry Anderson, um jornalista icónico

CNN Portugal , MTR
23 abr, 01:40
Terry Anderson, ex- jornalista da AP

Terry Anderson foi sequestrado a 16 de março de 1985 quando saía de um campo de ténis em Beirute, Líbano

Terry Anderson, jornalista norte-americano que foi mantido em cativeiro por militantes islâmicos durante quase sete anos no Líbano, morreu aos 76 anos. Em cativeiro, passou a ser um símbolo da situação vivida pelos reféns durante a guerra civil do país entre 1975 e 1990. Em declarações ao The Washington Post a sua filha, Sulome Anderson, afirmou que o pai tinha sido submetido recentemente a uma cirurgia cardíaca, embora não consiga confirmar a causa de morte. "Ele nunca gostou de ser chamado de herói, mas era assim que todos insistiam em chamá-lo”, continuou Anderson. “Vi-o há uma semana e o meu companheiro perguntou-lhe se tinha uma lista de desejos, alguma coisa que quisesse fazer. Ele respondeu: 'Eu vivi muito e fiz muito. Estou contente'."

"O Terry estava profundamente comprometido com o relato de testemunhas oculares no terreno e demonstrou grande coragem e determinação, tanto no seu jornalismo como durante os anos em que foi mantido como refém. Agradecemos muito os sacrifícios que tanto ele e a sua família fizeram como resultado do seu trabalho”, disse Julie Pace, vice-presidente e editora executiva da AP ao próprio site. Tanto o pai como o irmão de Anderson morreram de cancro durante o tempo em que esteve refém e não conheceu a filha até aos seis anos de idade, que nasceu pouco depois do pai ter sido sequestrado. Anderson foi o refém que mais tempo passou em cativeiro entre 18 dos ocidentais também capturados. A lista incluiu também Terry Waite, que havia sido enviado pelo arcebispo de Cantuária para negociar a libertação do jornalista.

Terry Anderson foi sequestrado na manhã de 16 de março de 1985 quando saía de um campo de ténis em Beirute,  em dia de folga. Três homens armados arrastaram o jornalista para dentro do carro. O grupo terrorista Hezbollah assumiu a responsabilidade pelo sequestro, dizendo que fazia parte de um conjunto de "operações contínuas contra os americanos". Exigiram ainda que os muçulmanos xiitas presos no Kuwait por ataques bombistas contra as embaixadas americana e francesa desse país. Como principal correspondente da Associated Press no Médio Oriente, Anderson reportava há vários anos sobre a crescente violência no Líbano enquanto o país travava uma guerra com Israel e o Irão financiava grupos com o objetivo de derrubar o governo local.

Seguiram-se quase sete anos de violência durante os quais Anderson foi espancado, acorrentado a uma parede, ameaçado de morte, muitas vezes teve armas apontadas à cabeça e foi mantido na solitária durante longos períodos de tempo. Muito do que se sabe sobre o período em que esteve em cativeiro deve-se ao livro de memórias tornado best seller de 1993, "Den of Lions".

Segundo relatos do próprio e também de outros reféns, Anderson exigia constantemente melhor alimentação e tratamento, discutindo política e religião com os seus captores, ensinava língua gestual a outros reféns, bem como onde esconder mensagens para que conseguissem comunicar sem que os terroristas se apercebessem. No seu último dia como refém, chamou o líder dos raptores para lhe dizer que tinha acabado de ouvir que ia ser libertado. Citado pela ABC News, disse: "Mahmoud, ouçam isto, não estou aqui. Vou embora, queridos". Ainda assim, no seu livro de memórias afirma que "quase enlouqueceu" e que a sua fé católica o impediu de pôr termo à própria vida.

Depois de regressar aos Estados Unidos em 1991, Anderson foi professor de jornalismo em Columbia, na Universidade de Ohio, Kentucky e Flórida antes de se reformar em 2015. Administrou bares e restaurantes e concorreu  sem sucesso ao Senado do estado de Ohio pelos democratas, em 2004. Criou a fundação Vietnam Children's Fund que construiu mais de 50 escolas no país e era presidente honorário do Comité para a Proteção dos Jornalistas. Em 2000, exigiu 100 milhões de dólares ao governo iraniano, afirmando que o governo estava por detrás do seu rapto. Estima-se que Anderson tenha arrecadado cerca de 26 milhões antes de declarar falência em 2009, segundo o The New York Times.

Anderson sofreu de stress pós traumático durante anos depois do rapto. "A AP contratou alguns especialistas britânicos a lidar com reféns, psiquiatras clínicos, para aconselhar tanto a minha mulher como a mim e foram muito úteis”, disse, numa entrevista à Associated Press em 2018. “Mas um dos problemas que tive foi não reconhecer suficientemente os danos que me foram infligidos". Pouco depois de ser libertado, em comunicado, Sulome Anderson afirmou o seguinte: "Embora a vida do meu pai tenha sido marcada por extremo sofrimento durante o tempo em que esteve em cativeiro, encontrou  paz nos últimos anos. Sei que ele escolheria ser lembrado não pela sua pior experiência, mas pelo seu trabalho humanitário com o Fundo para as Crianças do Vietname, o Comité para a Proteção dos Jornalistas, veteranos sem-abrigo e muitas outras causas".

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