Taekwondo: queixas de "fraude desportiva" envolvem títulos de campeão nacional do Benfica e do Sp. Braga

24 fev 2022, 08:00
Taekwondo (AP)

Pelo menos 17 clubes e associações fizeram queixa à ASAE e ao Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) relativamente à atribuição do título de campeão nacional pela Federação Portuguesa de Taekwondo que, em 2017, perdeu o estatuto de utilidade pública desportiva. A ASAE está a investigar a situação e o IPDJ confirma que os títulos não são reconhecidos pelo Estado

A queixa é clara: está em curso em Portugal uma "fraude desportiva" no Taekwondo. A acusação consta de várias denúncias, a que a CNN Portugal teve acesso, feitas por 17 clubes e associações  à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e ao Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) sobre a atribuição dos títulos de campeão nacional pela Federação Portuguesa de Taekwondo a vários atletas do Benfica e do Sp. Braga.

Entre os queixosos está o Boavista Clube e a Associação de Taekwondo de Lisboa. A ASAE, apurou a CNN Portugal, vai agora investigar a queixa de “fraude desportiva” feita pela que alega que a Federação não pode atribuir títulos exclusivos de campeão nacional por ter perdido, em 2017, o estatuto de utilidade pública desportiva.Segundo o Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), estes títulos não são reconhecidos pelo Estado.

Os queixosos, alegando que os galardões não são válidos, garantem ser um caso de "fraude desportiva" e pedem que o IPDJ faça um desmentido público para "restaurar a verdade desportiva".

Os prémios foram entregues durante os Campeonatos de Portugal, evento realizado no fim de semana de 19 e 20 de fevereiro no pavilhão das Águias Unidas, nos Foros de Amora. E contou com a participação de vários atletas de renome na modalidade, como Joana Cunha, Júlio Ferreira e Rui Bragança, que participou nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020. 

A polémica entre a Federação e as associações e clubes estalou quando o SC Braga e o Benfica anunciaram em comunicados publicados no dia 19 de fevereiro que os seus atletas se tinham sagrado “campeões nacionais, na categoria de seniores” nos seus respetivos escalões. Júlio Ferreira (-80kg), Joana Cunha (-57kg) e Renato Pereira (-68kg) foram os atletas do SC Braga galardoados e Rui Bragança, que competiu no escalão de peso inferior a 58 quilos, foi nomeado “campeão nacional” ao serviço do Benfica. 

Mas a distinção, publicada e partilhada amplamente nas redes sociais dos minhotos e das águias, foi criticada por vários clubes e associações de Taekwondo, sendo que pelo menos 17 estruturas de Norte a Sul do país avançaram com queixas de “fraude desportiva” ao Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) e à ASAE. Foi o caso, por exemplo, do Boavista e da Associação de Taekwondo de Lisboa.

De acordo com a queixa feita pela Associação de Taekwondo de Lisboa e a que a CNN Portugal teve acesso, a FPT “deixou de usufruir dos direitos exclusivos do Regime Jurídico das Federações Desportivas”, quando perdeu o estatuto de utilidade pública desportiva em 2017. É, aliás, esse estatuto que “permite que uma federação consiga distinguir campeões nacionais e formar seleções que representam o país”, como explica à CNN Portugal o professor de direito desportivo José Manuel Meirim.

Para José Manuel Meirim esta é uma questão de se “proteger a exclusividade dos títulos desportivos e da formação de seleções nacionais, pelo que competições que não estejam reconhecidas pelo Estatuto de Utilidade Pública não são competições que são reconhecidas a nível do Estado”. 

Assim sendo, o facto de nos estatutos do campeonato realizado no fim de semana de 19 e 20 de fevereiro estar escrito que “a prova tem como objectivo encontrar os Campeões de Portugal dos sexos femininos e masculinos, em cada uma das categorias de peso” levou a Associação de Taekwondo de Lisboa a avançar com queixas às entidades competentes, o IPDJ e a ASAE. Segundo disse o presidente da associação, Paulo Diniz, à CNN Portugal, “a Federação Portuguesa de Taekwondo está a violar a lei de forma descarada ao dizer que iriam atribuir este título”.

“Não podemos falar num campeão nacional, porque a modalidade não está a ser regulada por nenhuma federação”, explica Paulo Diniz, referindo que a atribuição de um título com este tipo de nome “é um ato de publicidade enganosa e faz uma promoção indevida das escolas e dos clubes”.

Também Pedro Póvoa, treinador de Taekwondo do Boavista FC classifica a promoção de um campeão nacional pelo Benfica e pelo SC. Braga de “injusta para com todos os outros atletas dos clubes que se desfiliaram da Federação Portuguesa de Taekwondo” depois de esta ter perdido o estatuto de utilidade pública desportiva em 2017.

Esta perda do estatuto foi justificada na altura pela Federação com base no “elevado passivo” que detinha, no entanto uma investigação no Jornal das 8 da TVI emitida em 2018 revelava como a FPT estava tecnicamente falida e que os atletas que representavam Portugal nas provas no estrangeiros tinham de se deslocar com o seu próprio orçamento.

Pedro Póvoa, que participou nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008, confessa que já teve atletas que saíram do Boavista para irem para clubes representados pela FPT “para mais rapidamente terem um título”. 

“É uma injustiça para os outros clubes que estão à espera que seja nomeada uma federação com utilidade pública para participarem em campeonatos nacionais à luz da lei das federações desportivas”, refere o treinador do Boavista, sublinhando que os seus próprios atletas “perguntam porque é que os outros conseguem estes títulos e eles não”.

À CNN Portugal, fonte do Instituto Português do Desporto e Juventude explica que a modalidade taekwondo, atualmente, “não está enquadrada na esfera de qualquer federação detentora do estatuto de utilidade pública desportiva”, pelo que se encontra apenas a ser promovida “por meras associações de direito privado”. Ainda que estas associações sejam livres de organizar quaisquer competições, o IPDJ sublinha que “o Estado não reconhece os títulos atribuídos por estas entidades”.

Já a ASAE, num e-mail enviado à Associação de Taekwondo de Lisboa esta terça-feira, confirma que, “por se tratar de matéria que se insere no âmbito das suas competências”, irá “efetuar todas as diligências consideradas necessárias”. A CNN Portugal procurou obter mais detalhes relativamente a este processo, mas a autoridade não se mostrou disponível para comentar até ao momento.

A CNN Portugal procurou obter uma reação da Federação Portuguesa de Taekwondo relativamente ao facto de a atribuição de títulos não ser reconhecida pelo Estado português, mas até à data desta publicação não foi possível obter uma resposta. Também o Benfica e o SC Braga não prestaram comentários sobre esta situação.

 

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