Associação alerta para a urgência do rastreio neonatal à atrofia muscular espinal

Agência Lusa
7 mai 2022, 10:51
Mãe com bebé

“O Estado está a gastar dinheiro nos medicamentos e, se diagnosticar as crianças mais tarde, o dinheiro que está a investir não está a surtir o efeito esperado”

A Associação Portuguesa de Neuromusculares alertou este sábado para a urgência de avançar com o rastreio neonatal da atrofia muscular espinal e de resolver o problema da falta de fisioterapia, um dos pontos mais importantes nestas doenças.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Associação Portuguesa de Neumusculares (APN), Joaquim Brites, explicou que “o estudo piloto a 100.000 nascimentos estava aprovado e previsto para avançar no primeiro semestre, mas ainda estão a ser ultimadas algumas diligências".

Sublinhando a importância do diagnosticar precocemente a doença, o responsável alertou: “Preocupa-nos o facto de começarem a chegar crianças com três a quatro meses de atraso no diagnóstico. Durante estes meses já perderam imensos neurónios motores e isso condicionou a sua qualidade de vida futura”.

“O Estado está a gastar dinheiro nos medicamentos e, se diagnosticar as crianças mais tarde, o dinheiro que está a investir não está a surtir o efeito esperado”, acrescentou.

Joaquim Brites lembrou que há dois medicamentos aprovados em Portugal e que um deles “pode evitar a maior causa de mortalidade infantil por doença genética [a atrofia muscular espinal do tipo 1]”.

Defendeu que é urgente que se abandone o “prognóstico de morte” - as crianças não tratadas têm uma prognóstico vida 2,5 anos – e recordou: “Desde que as crianças passaram a ser tratadas não houve crianças a morreram por atrofia muscular espinal tipo 1. Já temos crianças com quatro e quase cinco anos vivas”.

O presidente da APN recordou que a autorização para os preparativos para o projeto piloto em Portugal “foi aprovada em dezembro” adiantando que há alguns países europeus já com projetos piloto (Bélgica), outros que os estão a desenvolver (França) e outros que, tendo avançado com teste piloto, estão a ter “resultados fantásticos”.

“A Áustria teve uma taxa de prevalência superior. Numa comunidade que estimavam mais pequena conseguiram descobrir uma taxa de prevalência superior em 30% ao que estimavam”, exemplificou, insistindo: “temos urgência não só para preservar a qualidade de vida das crianças, como também para passarmos a saber exatamente qual é a taxa de prevalência da atrofia muscular espinal em Portugal”.

Além da urgência no rastreio neonatal, Joaquim Brites sublinhou a necessidade de ter serviços de saúde desenhados para responderem às necessidades dos utentes, dando o exemplo da falta de fisioterapia.

“Estas crianças diagnosticadas precisam de apoio constante, precisam de fisioterapia que não têm, os hospitais não estão preparados para dar, as consultas multidisciplinares não estão a funcionar”, afirmou, lembrando que “a medicina física e de reabilitação considera estes doentes prioritários, mas não urgentes”.

O que acaba por acontecer – acrescentou – “é que as famílias estão a recorre a sessões de fisioterapia nos convencionados e, às vezes, nos privados, que não têm qualidade e lhes consomem recursos financeiros. Há famílias a gastarem 1.500 euros de fisioterapia por mês, sem qualquer resultado”.

“Se há famílias que podem gastar em terapias adicionais, outras não podem”, insistiu.

O responsável contou ainda que, por falta de fisioterapia, há doentes neuromusculares a deixarem de comer e de escrever porque não têm capacidade física de agarrar na colher ou na esferográfica.

Atrofia Muscular Espinal causou perda de 400 anos de vida

Mais de 400 anos de vida foram perdidos em 2019 por morte prematura ou incapacidade devido à AME, que teve um impacto económico que ronda os 17 milhões de euros, segundo um estudo hoje apresentado.

O “Estudo do Impacto Económico da AME em Portugal”, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e a que a agência Lusa teve acesso, concluiu que dos 403 anos de vida perdidos, 86% se deveram a mortalidade prematura (+de 340) e 14% a incapacidade.

A doença, caracterizada por sintomas neuromusculares e complicações ortopédicas, respiratórias a gastrointestinais, apesar de rara, é a principal causa de morte infantil por doença genética.

A AME é classificada em três tipos principais, baseados sobretudo na idade em que surgem os primeiros sintomas: tipo 1 (em bebés com menos de seis meses); tipo 2 (crianças dos seis aos 18 meses) e tipo 3 (pode não ser evidente até à infância tardia ou adolescência).

Em termos individuais, a carga da AME é muito significativa, o que se reflete igualmente nos anos de vida perdidos por cada doente. Uma criança com AME tipo I, por exemplo, vive em média o equivalente a 4,8 meses sem incapacidade num ano de vida.

Os dados indicam ainda que a prevalência da AME em Portugal é estimada em 147 doentes (dados de 2019): 18 com tipo I, 46 com tipo II e 83 com tipo III.

O estudo, que vai ser apresentado na Conferência “Cuidar em Sociedade na Atrofia Muscular Espinhal”, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, mostra ainda que o impacto económico da doença é significativo, apesar da sua reduzida prevalência.

Um doente com AME representa um custo total de 114 mil euros por ano. Em 2019, o custo global de tratar a doença em Portugal foi de 16,8 milhões de euros, sendo que 42% desse valor correspondeu à forma mais grave da doença (o tipo 1).

Do total de quase 17 milhões, 1,6 milhões que correspondem a custos diretos não médicos, como dispositivos de apoio, adaptações ao domicílio, apoios sociais ou cuidadores informais.

Comparando com outros países, e “excluindo o custo das terapêuticas modificadoras da história natural da doença, o custo anual médio por doente em Portugal é um terço do custo na Alemanha e 17% do custo em Espanha”, refere o estudo, que conclui pela necessidade do envolvimento de doentes, família/cuidadores, profissionais de saúde e decisores políticos na definição de políticas de saúde nacionais sobre a abordagem da doença.

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